A cada dia surgem novas evidências de dificuldades financeiras da 777 Partners. Dessa vez, um relatório financeiro que estava mantido em segredo nos Estados Unidos — a pedido da empresa — veio à tona e causou comoção no Vasco. A diretoria interpreta que o documento aponta um quadro de insolvência da holding antes mesmo da aquisição da SAF cruzmaltina.
O que revela o relatório
O relatório financeiro é datado de setembro de 2022, ou seja, pouco antes da 777 concretizar a compra da Sociedade Anônima de Futebol do Vasco. Ele se refere ao processo da empresa “Change Lending”, em trâmite em Nova York (EUA), e que se tornou público por determinação judicial americana.
A Change concedeu um empréstimo para a 777 por meio de “ações preferenciais”. No entanto, caso certas condições não fossem cumpridas, a Change poderia exigir o recompra por parte da 777, o que não ocorreu de fato. A holding reconhece o problema, mas alega falta de liquidez. Após várias prorrogações de prazo, a Change perdeu a paciência e moveu um processo.
O relatório indica que, naquele momento, os passivos da 777 superavam os ativos. Em números, os passivos totalizavam US$ 8,9 bilhões (R$ 47,6 bi) contra US$ 8,8 bilhões (R$ 47 bi) de ativos, evidenciando a insolvência da empresa naquela ocasião.
O relatório também aponta um prejuízo de US$ 589 milhões (R$ 3,1 bi) na operação. O documento foi divulgado inicialmente pelo jornalista Tiago Leifert e obtido pelo UOL.
“A 777 tentou, de todas as formas, manter esse documento em segredo no processo movido pela Change. Agora entendemos o motivo. Estamos analisando os demonstrativos financeiros apresentados pela própria 777 em setembro de 2022. Fica evidente que a 777, na época, tinha um patrimônio líquido negativo. Ou seja, mais dívidas do que ativos. São indícios claros de insolvência. Além disso, há um prejuízo considerável nos 12 meses anteriores ao relatório, o que confirma que, além de insolvente, a 777 estava praticamente falida. E isso em 2022”, afirmou o VP jurídico Felipe Carregal Sztajnbok, acrescentando:
“Veja. É um prejuízo superior a R$ 3 bilhões, isso antes da SAF do Vasco. E com um patrimônio líquido negativo acima de R$ 500 milhões. Foi nesse cenário que a 777 adquiriu 70% do futebol do Vasco por R$ 700 milhões, em dívidas. Isso justifica, por exemplo, o empréstimo feito pela Vasco Saf para uma das empresas da 777 no primeiro aporte e a tentativa de outro empréstimo no segundo aporte, o qual não se concretizou por resistência do Conselho Fiscal. Também justifica a falta de investimentos em infraestrutura, apesar da obrigação contratual, e a não abordagem da dívida absorvida pela Vasco Saf”, completou Felipe Carregal Sztajnbok, VP de assuntos jurídicos do Vasco, em entrevista ao UOL.
Vasco questiona diligência
A diretoria também questiona a diligência realizada pela gestão anterior, que autorizou a venda para a 777. Na época, o presidente Jorge Salgado contratou uma auditoria da KPMG.
Salgado emitiu, na semana passada, um comunicado defendendo suas ações durante o período de negociação e conclusão do negócio. O empresário se pronunciou em meio à discussão do Conselho Deliberativo do clube para estabelecer uma comissão com o intuito de investigar a transação com a empresa norte-americana.
O ex-presidente chegou a mencionar a Petrobras no contexto da cláusula de confidencialidade. Conselheiros e torcedores têm criticado a falta de transparência no negócio.
“Reconheço que é um desafio enorme equilibrar a transparência e a confidencialidade quando se trata de uma operação desse porte em um grande clube de futebol, especialmente no contexto de mudança cultural promovida pela Lei da SAF. Quando, por exemplo, a Petrobras vende uma refinaria, o mercado só fica sabendo após a conclusão do negócio. No mercado do futebol, esses princípios de negociação não são tão bem compreendidos”, justificou Jorge Salgado, em trecho de seu comunicado.
O departamento jurídico estuda a possibilidade de mover uma ação indenizatória contra a 777. Em caso de sucesso, isso pode resultar até na perda dos 31% adquiridos pela empresa na SAF.
O UOL entrou em contato com a assessoria da 777 Partners. Até o momento, não houve resposta. Caso desejem se manifestar, este artigo será atualizado.
O Vasco recuperou o controle da SAF após obter uma liminar na Justiça brasileira. Enquanto o processo segue em andamento, uma arbitragem jurídica deverá ocorrer entre as partes.
Lucio Barbosa e Kátia dos Santos pediram demissão de seus cargos na SAF na terça-feira (11). Eles eram, respectivamente, o CEO e a CFO da empresa e foram contratados ainda na gestão da 777. O presidente do Vasco, Pedrinho, se surpreendeu com o pedido de dispensa.
Fonte: UOL