Na mensagem, este torcedor, já uma figura querida nas arquibancadas de São Januário e nas redes entre os vascaínos, resgata suas lembranças e expressa sua profunda tristeza ao imaginar que não terá a chance de celebrar um título ao lado de seu neto, de 15 anos.
“São 83 anos vestindo a camisa do Vasco da Gama. Respirei e vivi por esse clube. Sorri e derramei lágrimas com ele. Testemunhei vitórias memoráveis, mas também soube enfrentar as dores das derrotas. ‘Sempre ao seu lado até o fim’ – você entende, Pedro? Foi desse jeito que passei esse amor à minha família, e foi assim que meu neto aprendeu a viver e amar o Vasco também”, cultivou Calil em um dos trechos de sua carta.
Calil também apontou críticas sobre a atuação do Vasco no segundo duelo da semifinal e pediu ao presidente que haja mudanças para o futuro da equipe:
“Presidente Pedro Paulo, não é culpa sua que meu neto nunca tenha me visto comemorar um título até agora. Mas você assumiu essa posição para transformar a história do clube. Para alterar, quem sabe, o destino de milhares de Pedros espalhados Brasil afora que, assim como eu, vivem e respiram Vasco. Mas, desse jeito, temo que eu não tenha a oportunidade de gritar ‘É campeão’ ao lado do meu garoto”.
Leia a carta na íntegra:
CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DO VASCO DA GAMA, PEDRO PAULO
Olá, meu amigo. Talvez você não me conheça, então permitam que me apresente: assim como você, me chamo Pedro. Não sou apenas um personagem da internet, nem apenas o Seu Calil da Colina. Tenho nome, sobrenome e, claro, um CIC – sim, venho de uma época em que isso era comum. Sou da época do CIC, da Segunda Guerra Mundial, de Getúlio Vargas e da CLT que foi assinada em São Januário.
Falando em São Januário, sou da época de Ademir, Barbosa, Chico. Sabe quem são? Também sou da geração de Dinamite, Andrada, Alfinete. Se ainda não ficou claro, vou ser mais direto: sou da época de Juninho Pernambucano, Paulista, Mauro Galvão, Romário, Edmundo e do nosso ídolo Pedrinho. Agora sim, chegamos lá.
São 83 anos de amor pelo Vasco da Gama. Este clube faz parte de mim. Sorri e chorei em suas vitórias e derrotas. Vi momentos gloriosos e também enfrentei suas dificuldades. “Sempre ao seu lado até o fim” – você compreende, Pedro? Foi assim que ensinei minha família e que meu neto cresceu absorvendo todo esse legado.
Meu neto mais velho tem 15 anos. Gabriel, o nome dele. Um vascaíno fervoroso. Sempre me acompanha aos jogos. Para mim, não existe prazer maior do que compartilhar essa paixão com ele. Espero que um dia você consiga experimentar isso. Todos deveriam sentir essa emoção.
Mas ontem, Pedro, algo mudou. Ontem, percebi uma realidade dura. Fui dormir pensando que ainda teríamos muitos jogos pela frente, mas que provavelmente nunca vou ter a chance de comemorar um título ao lado do meu neto. Estou esperando ansiosamente por esse dia, mas a cada vez parece mais distante.
E não se engane, isso não se deve à minha idade. Pelo contrário, este velho aqui fez um acordo com o Criador para ficar mais um bom tempo por aqui. Estou bem, lúcido e vivendo a vida, não apenas passando por ela. O que me preocupa é o Vasco, que parece não ter um futuro promissor.
Se o destino permitir, talvez eu veja até os bisnetos que meu Gabriel me dará. Quem sabe um dia, eu, minhas filhas, filhos, netos e bisnetos, iremos ao novo São Januário assistir a um jogo do Vasco. Mas ver um título? Este coração velho, sábio e calejado já não acredita mais nisso.
Se você me conhecesse pessoalmente, se jogasse uma pelada comigo (sim, aos 83 ainda chuto uma bola com meu neto), se juntasse a mim para um churrasco ou cantasse ao meu lado nas arquibancadas de São Januário, você saberia que nunca fui pessimista. Muito pelo contrário, a esperança sempre me moveu. Mas também não sou cego, burro ou ignorante. Conheço a vida, as finanças, o futebol. Sei ser realista.
E ontem, Pedro, foi o dia em que a tristeza bateu forte. Olhei para o futuro e não enxerguei nenhuma chance de gritar ‘É campeão’ ao lado da minha terceira geração.
Estamos em um estado de apatia. Entramos em campo torcendo pelo menos para não ser a pior das derrotas. Aceitamos escutar que “a diferença técnica é grande”. Aturamos que “a situação financeira pesa mais”. Nos contentamos com “foram bons 45 minutos”.
Desculpe, pequeno Pedro, mas isso não é a essência do Vasco. Isso nem mesmo é a essência do futebol. Qualquer grande clube, mesmo diante de dificuldades técnicas, financeiras e políticas, ao se deparar com seu maior rival, deveria impor, no mínimo, a dúvida sobre o resultado final.
Nós, de fato, somos “eles”. Eles acreditam que teremos sucesso se não sairmos humilhados. Eles entram em campo temerosos. Muitos deles parecem não se importar e logo depois vão curtir o samba carioca.
ISSO NÃO É VASCO.
Nem meu neto, que, como já mencionei, nunca presenciou um título importante, vai para a arquibancada com essa mentalidade. Até ele demorou a dormir na noite passada. Nós fomos para a cama inconformados. NÓS.
E o pior? Tudo isso não é apenas pela partida que assisti. É pela reflexão que fiz. É pela ficha que caiu.
Presidente Pedro Paulo, não é culpa sua que meu neto nunca me viu comemorando um título até agora. Mas você decidiu assumir esse cargo para transformar a história do clube. Para mudar, talvez, o destino de milhares de Pedros ao redor do país que, assim como eu, vivem e respiram Vasco. Mas nesse ritmo, temo que eu não terei a oportunidade de realizar o sonho de gritar ‘É campeão’ ao lado do meu garoto.
Você nunca pediu paciência, é verdade, você menciona isso sempre. Mas você quer o tempo que, talvez, eu não tenha mais. Que outros vascaínos da época de ouro também não possuem. Que muitos já não tiveram.
Espero, de verdade, estar errado. Em 83 anos de vida, já acertei muito, mas também cometi erros. E torço para que este se trate de mais um erro meu. Quero me surpreender, quero voltar aqui e agradecer por provar que me enganei. Terei orgulho de reconhecer isso. Contudo, hoje não consigo visualizar essa mudança. Por enquanto, estou certo. E nunca doeu tanto estar correto.
Com tristeza, mas carregando a esperança que não se pode apagar, seu xará, Pedro Calil.
Seu Calil divulgou carta aberta a Pedrinho — Foto: Reprodução/Instagram
Fonte: Extra