Posteriormente a classificação suada nos pênaltis, a música que entoou São Januário, como de hábito em vitórias do Vasco, foi a com o refrão de “nunca vão entender esse amor”. O pai cantava e pulava, enquanto a filha gravava. No entanto, quem via a cena não achava tão geral. Um senhor pulando emocionado, cantando e girando a camisa no basta, ao lado das torcidas organizadas do clube.
Oriente senhor é Pedro Calil, de 82 anos. O vídeo gravado pela filha Isabela viralizou na internet e emocionou muitos torcedores. Depois da vitória do Vasco, o “seu Calil” pediu para permanecer um pouco mais em São Januário para trovar a sua música favorita.
– Essa música combina muito com o Vasco. Emociona a todos nós. Tenho certeza que todo mundo se emociona com ela. Ontem mesmo, caramba… foi de eriçar quem estava em São Januário. Aquele gol no término do jogo era tudo que a gente esperava. É a música que a gente sabe que deu tudo certo – relatou Calil.
Mesmo com os 82 anos de idade, Calil é figurinha carimbada sempre no mesmo setor de São Januário. Ele faz questão de estar no meio da arquibancada, ao lado das baterias das torcidas organizadas do Vasco. E ai de quem não o levar para uma partida, como a própria filha Isabela contou.
– Não é fácil levar um senhor de 82 anos a um estádio sempre com torcida enxurrada. Em 2022, resolvemos que iríamos a todos os jogos. Mas não fomos porque rompi um ligamento do joelho. Não consegui levá-lo a um jogo, mas depois de 15 dias estava andando de muleta e fui à partida. Tive que avisá-lo que não teria como levá-lo comigo de muletas. Ele ficou uma semana sem falar comigo. Ele começou a falar que ia sozinho. Ele ficou sem falar até voltar a ir nos jogos.
– Se não leva, ele fica chateado. Hoje eu percebo que isso é muito lícito. Ele tanto nos levou, que agora somos nós que levamos ele – completou Isabela.
Dos cincos filhos vivos de Calil, quatro torcem para o Vasco. Um pulou o muro, a pedido de um tio. Mas o time de um dos irmãos de Isabela não pode ser citado dentro de morada.
– A minha família é quase toda 100% Vasco. Somos seis filhos, perdi uma filha, logo são cinco vivos. Dos cinco, tem um que não é Vasco. Sempre tem uma ovelha-negra. Nem quero falar o time. É palavrão. Esse nome é proibido falar.
Por influência da mãe “vascaína doente”, já que o pai português era tricolor – pelas cores semelhantes do Fluminense à bandeira de Portugal – seu Calil é enamorado pelo Vasco desde pequeno. Ele contou que uma das decepções que tem na vida é não ter visto a seleção brasileira de 1950 dentro do estádio, porque não conseguiu entrar junto com sua família.
– Eu tinha nove anos, só podia entrar com 10. Minha família entrou toda, só uma tinha minha ficou do lado de fora porque eu não pude entrar. Aquela seleção era 70% de jogadores do Vasco. Era uma das alegrias que eu queria ter tido.
– Eu tinha uma van cá que em dias de jogos do Vasco, enchia a van de filhos e amigos deles para levá-los ao Maracanã. Eu só fui “arrecadando” torcedores (risos). “Seu Calil, quero conhecer”, nessa levei muita gente para torcer para o Vasco.
Isabela honra ao supremo o legado do pai, que tem como seus maiores ídolos Ademir de Menezes e Roberto Dinamite. Dos jogadores que a filha viu, quem ela mais admira é Juninho Pernambucano – nome que deu para a calopsita da morada. Até a ave canta o hino do Vasco.
Agora, seu Calil que é levado pelos filhos. Afeito a levar Isabela, por exemplo, desde que ela tinha sete anos, o “coroa da arquibancada” já é reconhecido em São Januário e sempre emociona torcedores do Vasco que estão por perto.
– Sempre foi tão geral estar no estádio com ele, que nos últimos anos só que percebemos que agora nós que levamos ele. Um incidente marcou muito a gente. Dois rapazes jovens estavam vendo a gente em São Januário, e um começou a chorar. O colega dele avisou que ele estava chorando porque lembrou do pai dele que não estava mais com ele – contou Isabela, que completou:
– As pessoas abordam a gente na rua e falam: “Não deixa de trazer ele não. Continua trazendo”. É quando cai a ficha de que não é geral um grinalda de 82 anos na arquibancada de São Januário. A presença dele é dissemelhante, e as pessoas se emocionam com ele lá. Ele não vai deixar legado de dinheiro, ele vai deixar o Vasco com a gente.
Mas a reportagem já deixa um aviso. Não pode parar na vaga do estacionamento de seu Kalil, ou alguém ocupar o lugar que ele fica na arquibancada de São Januário. Mesmo assim, ele tem outras cartas na manga para fazer com que o Vasco vença e supere o contratempo.
– No jogo do Bragantino, ano pretérito, nós descemos para aquela superfície perto dos vidros do gramado porque não estava dando certo, e aí saiu o gol do Serginho. Contra o Chuva Santa, fizemos a mesma coisa, e o Vasco empatou para levar para os pênaltis. Deu sorte de novo.
Sonhando em ver mais um título do Vasco, seu Calil confia em seus jogadores favoritos no atual elenco – Vegetti e Payet – para a conquista do Cariocão. Se em 2022 a promessa era ir a todos os jogos em São Januário, a promessa de 2024 é ir aos jogos no Rio e a pelo menos um fora de morada.
– Ele queria ir de qualquer jeito para a Guerra de Itu. Só não foi porque se machucou cá em morada e sofreu um acidente. Mas vimos o jogo em morada, como se estivéssemos lá. Em 2024, vamos a um ou mais jogos fora de morada. É o sonho dele.
Seu Calil, no entanto, não estará em São Januário neste domingo. Até porque o jogo do Vasco é no Maracanã – e claro que ele já está com ingresso em mãos, ao lado de toda a família. A equipe de Ramón Díaz enfrenta o Novidade Iguaçu, domingo, às 18h30, pelas semifinais do Cariocão.
Fonte: ge