Nos bastidores do Vasco, cogitava-se que o grupo político liderado por Pedrinho tomaria medidas para recuperar o controle do futebol em algum momento. Era evidente que não esperariam até outubro, prazo final para o aporte da 777 Partners previsto para setembro. A surpresa foi a ação agressiva antecipada.
A causa do conflito surgido nesta semana não é a volta do futebol para as mãos da associação civil sem fins lucrativos, Club de Regatas Vasco da Gama, mas sim a revenda para outro grupo empresarial. Há alguns meses ocorrem conversas entre 777, Vasco e Crefisa.
Embora Leila Pereira tenha afirmado em entrevista em 22 de abril ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que não investiria no Vasco, a empresa liderada por ela e pelo seu esposo, José Roberto Lamacchia, está em negociações financeiras e, inclusive, realizou uma auditoria em fevereiro para avaliar os riscos relacionados à 777.
Leila não está diretamente envolvida nas negociações, as quais são conduzidas por Lamacchia com a assessoria de seu advogado. A empresa envolvida poderia ser outra do grupo, como a Crefipar Participações e Empreendimento.
— Tenho uma amizade muito próxima com o seu José Lamacchia, e a Leila para mim é uma referência em gestão esportiva e coragem. Porém, as pessoas se confundem. Minha relação com o seu José não tem relação com a Leila. Minha relação é direta com o Lamacchia, que sempre se mostrou muito disposto a ajudar o Vasco — afirmou Pedrinho em coletiva de imprensa nesta quinta.
O impasse no plano elaborado por Lamacchia e Pedrinho é que, inicialmente, os americanos não pretendiam vender o Vasco separadamente dos demais clubes da rede de futebol, e por isso aumentaram o preço.
Uma negociação dessa natureza envolve montantes consideráveis. A Crefisa precisaria desembolsar um valor para compensar a 777, e ainda teria que assumir integralmente os compromissos contratuais definidos no momento em que o Vasco estabeleceu a Sociedade Anônima de Futebol, incluindo os aportes financeiros.
Outras abordagens foram feitas à SAF cruz-maltina nos últimos meses. Em dezembro passado, pelo menos dois intermediários distintos apresentaram interessados em adquirir os 70% detidos pela companhia sobre o Vasco. Nenhum desses era o patrocinador do Palmeiras.
Os americanos rejeitaram as propostas. Seguindo a lógica comercial deles, seria mais sensato concluir a aquisição do Everton, na Inglaterra, para valorizar o grupo e, somente após, colocar à venda a holding completa no mercado, ao invés de vender cada clube separadamente.
A ação movida pelo grupo de Pedrinho na Justiça do Rio de Janeiro e a decisão judicial em seu favor, ainda que temporária, alteram significativamente o cenário da negociação.
Se antes havia interesse de outros agentes do mercado em adquirir a SAF do Vasco, negociando diretamente com a 777, agora essa possibilidade foi praticamente anulada, conforme intermediários consultados pela reportagem. O motivo é a incerteza jurídica decorrente do afastamento.
Resumindo, a insegurança se dá pelo questionamento: por que um investidor compraria os 70% supostamente pertencentes à 777 se, no futuro, esse ativo pode ser retirado por decisão judicial, mesmo com a execução das obrigações contratuais?
As opções dos americanos foram limitadas à negociação com a Crefisa, que continua em andamento. Os responsáveis pela operação da 777 nos Estados Unidos estão descontentes com a suspensão de seus direitos, devendo contratar novos profissionais para a batalha jurídica em vista e retornando à mesa de negociações com vigor.
A associação vascaína não confia na concretização do aporte previsto para setembro, de R$ 270 milhões, pela 777 Partners. O grupo político de Pedrinho poderia ter aguardado o vencimento da parcela, ainda dentro do prazo de 30 dias contratual, para então recorrer à Justiça e recuperar a porcentagem das ações em posse dos americanos.
No entanto, há pressa.
Dados e impasses
Uma das razões para a necessidade de resolver rapidamente a situação reside na integralização, termo técnico no setor de fusões e aquisições. De forma simplificada: a companhia americana adquiriu 70% da SAF do Vasco e já detém esse percentual desde a assinatura do acordo de acionistas com a associação. Contudo, ainda não realizou a integralização, ou seja, ainda não injetou todo o montante comprometido no momento da compra.
Até o momento, os americanos aportaram R$ 310 milhões na SAF, correspondentes a 31% do negócio. Utilizando a expressão em inglês que empregam, “cash in” (dinheiro para dentro), devido a não ser uma transferência para terceiros, mas sim para a própria empresa.
Com o aporte programado para setembro, de R$ 270 milhões, a empresa acrescentaria mais 27% a essa contagem, totalizando 58% integralizados — tornando ainda mais difícil qualquer tentativa de reaver a propriedade do ativo, já prevista contratualmente.
A última parcela, de R$ 120 milhões, vence em setembro de 2025 e equivale aos 12% remanescentes para alcançar o valor total adquirido. Nesse ponto, o controle sobre a SAF estaria mais do que garantido com a porcentagem correspondente aos investimentos anteriores.
Uma barreira significativa para a solução da contenda entre associação e americanos é que, caso a 777 chegue a um acordo com um investidor para a venda de sua porcentagem na SAF, ou é preciso ter quitado integralmente os montantes, ou a associação deve autorizar que o futuro proprietário assuma as responsabilidades a partir do ponto em que for deixado.
A opção pela judicialização do conflito e afastamento dos americanos da gestão da SAF, mesmo que temporário, tornou a situação imprevisível e explosiva. A diretoria da 777 desistirá do Vasco e facilitará a negociação com a Crefisa, ou defenderá seu ativo em âmbito judicial até a última instância, visando um valor mais elevado? Em que medida Lamacchia está disposto a investir e se arriscar para assumir o clube carioca? E quais serão os próximos passos de Pedrinho na administração interina da SAF, em meio à temporada em curso?
Fonte: ge