O comunicado anunciava a saída do Vasco da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), que havia exigido a exclusão de 12 jogadores do elenco campeão carioca de 1923 – em sua maioria compostos por jovens negros e brancos de origem humilde.
Reinaldo, ícone do Atlético-MG, que também enfrentou o preconceito nas décadas de 70 e 80 no futebol, enalteceu a trajetória do Vasco e a Resposta Histórica. O atacante destacou que sem essa resistência ao racismo, o Brasil não teria conhecido Pelé.
— O Vasco da Gama é uma instituição gigante do futebol nacional. Ao tomar essa atitude corajosa, dando o primeiro passo contra o preconceito, tornou-se ainda mais grandioso. É crucial que continuemos combatendo tanto racismo como preconceito. São condutas criminosas, verdadeiras afrontas — afirmou Reinaldo, acrescentando:
— Essa batalha contra o racismo já tem cem anos e precisa prosseguir contra o preconceito. Segui o exemplo do Vasco e de José do Patrocínio. Imagine o Brasil sem a presença negra em sua história, o Brasil sem Pelé, que é o nosso rei e um símbolo da negritude.
Em uma entrevista de 2007, Pelé também enalteceu a história e a influência que o clube teve em sua trajetória, uma vez que o Vasco foi “responsável” pela sua primeira convocação para a Seleção, em 1957.
— Minha trajetória começou praticamente no Vasco. Os mais jovens podem não se recordar, mas houve um jogo entre Santos e Vasco, aqui no Maracanã, em 1957, onde vestimos a camisa vascaína. Nos tornamos campeões. Independentemente se foi o pioneiro para os negros ou não, foi o fator decisivo para minha convocação à seleção brasileira. Além de parabenizar o Vasco por abrir portas aos negros, é o clube que me abriu portas para o mundo — declarou Pelé, em entrevista à TV Lance, em 2007.
Referência e identificação para Léo
No elenco atual, os Camisas Negras exercem sua influência sobre o zagueiro Léo. Identificado com o Vasco, o jogador colocou-se no lugar daqueles que foram alvo de tentativas de exclusão no passado e vislumbra um futuro mais equitativo para todos.
— Eu me solidarizo com os que mudaram o curso da história. Tentaram excluí-los. “Ah, agora precisam erguer um estádio”. Construíram. Algumas pessoas pensam que nós, negros, desejamos superar alguém. Não é isso que queremos. Buscamos igualdade, as mesmas oportunidades. Essa carta impacta não apenas o meio esportivo, mas também a sociedade.
Léo destacou como a história do Vasco influenciou sua integração ao clube, afirmando que se enxerga representado na mensagem da Resposta Histórica e salientou que, sem ela, não estaria exercendo a profissão de jogador de futebol.
— Há indivíduos que aspiram a ser advogados, jornalistas, jogadores de basquete. Essa carta reverbera globalmente. É algo extraordinário. Minha identificação com o Vasco é sólida. Em um mês aqui, parecia que eu já integrava o clube há um ou dois anos. Me vi refletido naquela carta, nas linhas ali presentes. Um dirigente que teve a coragem de redigir aquilo quando tudo estava contra. Sou imensamente grato ao Prestes (presidente da época), pois, sem essa carta, eu não estaria aqui. Me considero parte dessa história, e por isso agradeço ao Vasco.
Formação do time de 1923
O Vasco conquistou seu primeiro título em 1922 ao vencer a segunda divisão carioca. O elenco já era composto por jogadores majoritariamente negros e de origem humilde, que contribuiriam para o título da primeira divisão no ano seguinte. O historiador João Malaia explicou que o dirigente Raul Campos recrutou destaques de outros times da liga suburbana, fora dos principais, para formar os “Camisas Negras”.
— Anteriormente, o Vasco era considerado um time frágil. O dirigente Raul Campos desafiou as normas, pois os times não podiam remunerar seus jogadores, então ele procurou os principais clubes da liga suburbana, trazendo atletas para o Vasco.
Campeão carioca em sua estreia na competição, o Vasco surpreendeu as grandes equipes do Rio de Janeiro da época, que saíram da Liga Metropolitana para fundar a AMEA.
— A maioria desses jogadores era de ascendência negra, ou brancos de condição socioeconômica muito simples, que recebiam pagamento pela prática esportiva. Os principais clubes do Rio não tinham como comprovar isso, então conceberam outra liga. Condição para permitir a entrada do Vasco seria a exclusão de diversos jogadores, inclusive os principais do clube, responsáveis pela conquista do Carioca de 1923 — elucidou João Malaia.
— O Vasco campeão demonstrou que em situações equitativas, não há superioridade étnica ou racial. Para vencer, é imprescindível igualdade de condições. E, assim, prevalece o mais habilidoso — comentou Walmer Peres, historiador do Vasco.
A Resposta Histórica
Nesse contexto, emerge a Resposta Histórica. Em 7 de abril de 1924, o Vasco encaminhou uma carta, assinada por José Augusto Prestes, a Arnaldo Guinle, presidente da comissão organizadora da nova liga. No documento, o diretor se recusava a dispensar os 12 jogadores que a AMEA havia ordenado a exclusão do elenco vascaíno.
— A Resposta Histórica jamais tratou de raça, nem de exclusão, nem de carta. Estes pontos foram subsequentes, visto que a abordagem anexava questões para além da questão racial. Além dos negros, excluía também os menos favorecidos economicamente — afirmou Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
O Vasco, então, negou-se a participar do Campeonato Carioca organizado pela AMEA e seguiu na Liga Metropolitana, onde conquistou o título estadual em 1924 mais uma vez.
— Em 1924, a AMEA sem a presença do Vasco, somando todos os jogos, contou com um público total de 170 mil espectadores. Em 1925, com a participação do Vasco, o público ultrapassou 394 mil pessoas. Houve, portanto, uma movimentação política para o retorno do Vasco à AMEA — pontuou o historiador João Maiala.
— O futebol ganhou popularidade. A entrada de pessoas negras permitiu que muitos indivíduos desse grupo começassem a praticar futebol por questões financeiras. O debate a respeito disso desencadeou a partir da Resposta Histórica do Vasco — destacou Marcelo Carvalho.
Fonte: ge