A similaridade física e das habilidosas pernas que tratam a bola com ternura são os méritos de um garoto de 12 anos que tenta manter o legado do seu avô, um atacante que encantou o Brasil nos anos 90 jogando pela Portuguesa, Grêmio, Vasco e pela seleção brasileira.
Vestindo a camisa da Portuguesa que um dia consagrou Dener como o “Reizinho” do Canindé, Rafael Cavalcante sonha em escrever um novo capítulo na história da família que sofreu com a trágica morte de um dos jogadores mais promissores do futebol brasileiro.
“Meu avô me inspira muito, até mesmo nos vídeos, minha família que sempre apoiou ele continua me ajudando e espero seguir com o legado dele. Eu acredito que vou conseguir lutando e treinando, se Deus quiser um dia vou conquistar”, disse Rafinha em uma entrevista exclusiva ao ge.
Rafael nasceu 16 anos após a morte do avô. Dener foi vítima de um acidente de carro em 1994, quando jogava pelo Vasco e acabou colidindo o veículo na Lagoa Rodrigo de Freitas, enquanto voltava para São Paulo para passar o fim de semana de folga.
A minha maior lembrança são os vídeos e os relatos que meus avós e meus tios contam. Ele representou uma nova era do drible, inspirou grandes jogadores e acredito que as pessoas conhecem meu avô, o povo conhece ele, meus amigos comentam que assistem aos vídeos dele”, conta Rafinha, que guarda um quadro e algumas camisas usadas pelo avô.
Dener deixou três filhos: Denis, Felipe e Matheus. Os três tentaram jogar futebol, mas nenhum deles seguiu carreira profissional. Rafinha é filho de Felipe e agora é o quarto membro da família a buscar de alguma maneira manter o legado do ex-jogador.
“Meu pai e meus tios não conseguiram, mas estou aqui para continuar o legado. Meu pai até que era bom, mas meus outros tios não eram habilidosos. Eu jogo melhor que os três. Acredito que, ao mesmo tempo que é um empecilho, também é algo bom. É como um holofote, que todas as pessoas podem ver”, afirma Rafinha.
Rafinha nunca participou de uma das tradicionais seletivas que são a principal forma de ingresso nos grandes clubes. O avô materno do garoto, Chicão Cavalcante, tem uma estratégia diferente para tentar protegê-lo do assédio de empresários.
Perto de completar 13 anos, Rafinha treina no Centro da Coroa, prestigiado time amador da Zona Norte de São Paulo, que revelou Elias (ex-Corinthians); Pedro Geromel (Grêmio), e também foi responsável pela formação de jogadores como Endrick, do Palmeiras, e Gabriel Martinelli, do Arsenal, da Inglaterra.
A ideia é permanecer no clube para se desenvolver até estar pronto para acertar com algum grande clube em definitivo.
O neto de Dener começou sua curta carreira no futsal da Portuguesa, onde ficou dois anos até que a pandemia obrigou o clube a encerrar suas categorias de base.
Desde então, Rafinha tem jogado algumas competições esporadicamente, como aconteceu no Nacional no ano passado e agora no EC São Bernardo, onde disputou o Campeonato Paulista Sub-13.
“A Portuguesa significa muito para mim, meu avô jogou lá, eu joguei lá e foi o clube que revelou meu avô e possibilitou que ele seguisse no futebol. Muitas pessoas me pediam fotos lá, todo mundo falava comigo. Não pude continuar lá porque as categorias de base foram encerradas após a pandemia”, conta Rafinha.
“Espero ser reconhecido por ser o Rafinha, estou treinando para jogar na Europa e ser reconhecido”, acrescenta.
E a continuação do legado de Dener implica em uma mudança no estilo de jogo do avô para o neto. Rafinha avalia a sua forma de jogar com uma característica principal: o controle de bola. O jovem de 12 anos trocou o drible e a velocidade do avô pela posse de bola e pelo passe.
“A nossa semelhança é mais física, meu avô era mais driblador, veloz, arriscava no limite e eu sou um jogador que gosta de distribuir a bola, gosto do jogo coletivo”, afirma Rafinha.
Rafinha é meio-campista-atacante, mas também atua como volante e lateral-direito. O jogador em formação entende que o futebol atual exige a versatilidade dentro de campo. Por isso, ele não descarta a possibilidade de atuar em uma posição diferente daquela em que Dener se consagrou.
Quem foi Dener
Nascido em 2 de abril de 1971, Dener Augusto de Sousa foi um atacante revelado para o futebol na Portuguesa, onde ganhou destaque ao ser campeão e eleito o melhor jogador da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1991.
Em pouco tempo, o atacante foi considerado uma das principais revelações do futebol brasileiro. Com um estilo de jogo baseado na velocidade e no drible, Dener foi promovido ao time profissional da Portuguesa, onde também se destacou antes de ser emprestado ao Grêmio em 1993.
O atacante conquistou o título gaúcho pelo Grêmio e retornou para a Portuguesa no mesmo ano. Em 1994, Dener foi emprestado para o Vasco. Ele foi campeão carioca antes de perder a vida em um acidente de trânsito na Lagoa Rodrigo de Freitas, no dia 19 de abril daquele ano.
Dener também jogou duas partidas pela seleção brasileira. O atacante foi convocado por Paulo Roberto Falcão para jogar dois amistosos em 1991, contra Argentina e México, respectivamente. Na época, com 20 anos, ele atuou por alguns minutos nas duas partidas, que contaram com nomes como Bebeto, Careca e Renato Gaúcho como titulares.
Processos encerrados
A família de Dener não possui mais nenhum processo de indenização em andamento. O Vasco, clube que tinha contrato com o ex-jogador na época, demorou quase uma década para pagar o valor acordado depois do fim da disputa judicial.
Em 2015, o Vasco quitou uma indenização de aproximadamente R$ 5 milhões para a viúva e os três filhos. Inicialmente, a dívida deveria ter sido paga no final de 2010, mas o clube atrasou o pagamento e foi necessário fazer um novo acordo para encerrar o processo.
A disputa jurídica estava dividida em duas partes e tinha a mesma causa: o Vasco, ao contratar o jogador em 1994, não fez um seguro de vida para Dener – apenas um seguro contra acidente de trabalho.
Na época, Eurico Miranda, então vice-presidente de futebol, afirmou que o jogador não quis fazer um seguro em nome da Portuguesa e alegou que não poderia fazer um seguro de pessoa física para pessoa jurídica – no entanto, o Grêmio fez esse tipo de seguro no empréstimo anterior.
A morte de Dener também gerou um custo de quase 10 milhões de dólares (cerca de R$ 20 milhões) para o Vasco. O clube pagou aproximadamente 350 mil dólares para a Portuguesa, além de emprestar o zagueiro Tinho.
Em longas batalhas judiciais, a Portuguesa recebeu 4,6 milhões de reais em 1999. Para a viúva, que pedia uma indenização original de 15 milhões de reais, o acordo foi fechado em 5 milhões de reais em 2007, mas só foi totalmente pago em 2015.
Família sonha com a restauração de um carro
O grande sonho da viúva e dos três filhos de Dener é restaurar o Mitsubishi Eclipse branco, placa DNR 0010 – em referência ao número da camisa e às iniciais do ex-jogador. O veículo, que ficou guardado por 25 anos em uma garagem por um ex-dirigente do Vasco, é o mesmo que causou a morte de Dener em 1994.
O carro de Dener foi um presente da Portuguesa como parte de uma renovação de contrato. O jogador exigiu o veículo para assinar com a Lusa e voltar a treinar em 1993. O Mitsubishi Eclipse, um carro raro na época no Brasil, ficou no Rio para ser periciado por decisão da Justiça. Nem o Vasco, nem a Portuguesa, muito menos a família de Dener quiseram levar o carro.
A família havia firmado um acordo para a restauração do carro com uma empresa especializada em veículos antigos. No entanto, o projeto não avançou. Agora, o veículo está sob posse dos familiares de Dener, guardado em uma garagem no interior de São Paulo, aguardando um interessado. A ideia da família é realizar eventos com o carro e depois leiloá-lo.
Atualmente, o valor de mercado do carro, em boas condições, pode chegar a até 60 mil reais. Por ter pertencido a Dener, o veículo danificado tem um certo valor sentimental.
Fonte: Globo Esporte
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