A estreia da série documental “A Mão do Eurico” na Globoplay trouxe à tona algumas das inúmeras histórias envolvendo um dos personagens centrais do futebol brasileiro. Eurico Miranda colecionou desafetos, mas também deixou sua marca em diversos “herdeiros” pelo Brasil, sem mencionar os quatro filhos biológicos.
Um desses “herdeiros não consanguíneos” é o atacante Rafael Silva, que teve um papel crucial no Vasco em 2015, período em que o clube era presidido por Eurico. Após se destacar no Ituano na conquista do Campeonato Paulista em 2014, o jogador transferiu-se para disputar o Campeonato Brasileiro.
Meses depois, Eurico Miranda reassumiu a presidência do Vasco após seis anos e assim começou a relação entre o dirigente e Rafael Silva, que considera Eurico como o “melhor presidente” que teve em sua carreira.
“Quando cheguei ao Vasco, o presidente era o Roberto Dinamite. Naquele ano, ocorreu a eleição e Eurico foi eleito para os três anos seguintes. Em 2015, como eu estava sob contrato com o Vasco, eu estava no elenco e começamos o Carioca com Eurico como mandatário. Era aquele jeito de “Poderoso Chefão” dele. No entanto, quem convivia com ele sabia que boa parte dessa imagem era mais para a mídia. Entre nós, ele era como um pai. Sem dúvidas, foi o melhor presidente que tive em minha carreira. Ele não correspondia à imagem que passava para a imprensa”, descreveu Rafael Silva.
Aos 33 anos, o atacante recorda com nostalgia sua passagem pelo Vasco e a convivência com Eurico Miranda. Para relembrar esses tempos no clube e o convívio com o presidente vascaíno, Rafael Silva não poderia deixar de assistir à série da Globoplay.
Abordando esse tema, o jogador concedeu uma entrevista exclusiva ao ge e compartilhou algumas das histórias mais marcantes entre ele e o folclórico Eurico. Rafael também revelou que, em 2024, planeja defender um clube carioca por empréstimo. Confira todos esses detalhes abaixo.
O fim do jejum no Carioca
Rafael Silva teve participação destacada na conquista do Vasco no Campeonato Carioca de 2015, interrompendo um tabu de 12 anos sem título estadual para o clube. O técnico nas duas conquistas foi o mesmo: Doriva.
Naquele ano, com Eurico Miranda à frente da presidência, Rafael Silva lembra que conquistou a simpatia do dirigente ao marcar dois dos três gols do Vasco nas finais do Campeonato Carioca contra o Botafogo.
“Devido à presença de muitos jogadores renomados no Vasco na época, eu era praticamente uma aposta. Não tinha tanto destaque. Trabalhava arduamente e Eurico reconhecia isso, pois ele comparecia aos treinos. Ele via meu esforço, tinha respeito e afeto por mim. Logo, quando marquei os dois gols na final contra o Botafogo, que encerrou o longo jejum do Vasco, ganhei reconhecimento dele. Foi uma situação muito especial e a partir daí ele passou a me tratar com mais apreço. Sempre que nos encontrávamos em São Januário, ele conversava comigo com aquele jeito imponente. Eu ficava meio tímido, mas o respeito mútuo que tínhamos era algo positivo”, contou o atacante.
Udinese? De maneira nenhuma
Após se destacar nas finais do Carioca, Rafael Silva manteve sua boa forma pessoal. No entanto, o Vasco enfrentava um período de empates e derrotas no início do Brasileirão de 2015.
Enquanto o jogador despertava o interesse da Udinese devido ao seu ótimo desempenho, o clube italiano fez uma proposta que o agradou. No entanto, apenas faltava o “ok” de Eurico Miranda.
“Tivemos muitos empates nas primeiras rodadas. Porém, eu estava fazendo minha parte e marcando gols. Estava em excelente fase, apesar do desempenho irregular do time. Foi quando surgiu o interesse da Udinese na época, quando eu tinha entre 24 e 25 anos. Falei com o Euriquinho, que é seu filho. ‘É uma oportunidade incrível, ir para a Europa, quem não sonha com isso, não é mesmo? Converse com seu pai, me ajude’. Isso se prolongou por algumas semanas e Euriquinho disse: ‘Ele não vai te liberar'”, disse Rafael Silva.
“Os empresários me pressionaram para falar diretamente com Eurico Miranda, mas ele raramente aparecia no vestiário. Ficava mais no campo e na arquibancada, assistindo aos treinos. Em um dia, o treino acabou e eu estava me trocando no meu armário para ir embora. Estava conversando com o assessor de imprensa do Vasco e Eurico desceu para o vestiário. Estávamos conversando e Eurico passou nos olhando meio desconfiado e disse: ‘Você está tendo uma reunião particular com Rafael Silva? Vejo você conversando só com ele’. Falou de maneira um tanto séria, mas em tom de brincadeira. Aproveitei que ele estava de bom humor e disse: ‘Doutor, posso falar com o senhor?’ e me aproximei dele. Ele me interrompeu e falou: ‘Sei o que você vai dizer. Você não vai sair do Vasco, vai ficar aqui’. Deu mais uma tragada no charuto e saiu. Fiquei surpreso, voltei para o meu canto (risos), todos olhando e eu morrendo de vergonha”, detalhou Rafael Silva.
Julgamento? Deixa com o Eurico
A série “A Mão do Eurico” revelou a influência de Eurico Miranda nos bastidores, aproveitando brechas no regulamento. Não foi apenas Edmundo quem se beneficiou disso ao poder jogar a final do Brasileirão de 2000, mesmo após ser expulso no jogo anterior.
Rafael Silva lembra que também foi beneficiado pelas artimanhas de Eurico em 2015. O presidente conseguiu adiar um julgamento que liberou o atacante para enfrentar o Cruzeiro. O resultado? Dois gols de Rafael.
“Eu tinha sido expulso e seria julgado. Tínhamos um jogo crucial contra o Cruzeiro no Mineirão. Eurico não tinha conhecimento do meu julgamento, um dia antes da partida. Não sei o que ele fez na CBF. Conseguiu conversar com as pessoas e não sei que arranjo ele fez, mas sei que não fui julgado, joguei a partida e ainda marquei dois gols. Empatamos em um jogo muito importante em que todos previam uma derrota para o ótimo time do Cruzeiro daquela época. Uma semana antes estava tenso, pois havia sido expulso, mas Eurico me chamou de lado e disse: ‘Fique tranquilo, deixe comigo’, à sua maneira, e resolveu a situação”, revelou Rafael Silva.
Eurico em êxtase
O momento mais emblemático da passagem de Rafael Silva pelo Vasco foi no “campeonato particular de Eurico Miranda”. Enfrentando o Flamengo pela Copa do Brasil, após uma derrota por 1 a 0 no jogo de ida, o Mengão levava a decisão para os pênaltis até os 36 minutos do segundo tempo, quando Rafael Silva cabeceou uma bola parada de Nenê no ângulo. O atacante, ao comemorar o gol que garantiu a eliminação do rival e a classificação do Gigante da Colina para as quartas de final, tirou a camisa e vibrou intensamente. No vestiário, Eurico Miranda celebrou entusiasmado, com seu charuto sempre presente.
“No vestiário, ele estava em êxtase. Era realmente um campeonato à parte para ele. Naquele dia, o velho estava daquele jeito, em um estado de êxtase após eliminarmos o Flamengo na Copa do Brasil. Dava para perceber a alegria incomum no semblante dele. Eurico liderou o grito de ‘Casaca’ e lá estava ele, degustando o seu charuto”, recordou Rafael Silva.
Nesses grandes jogos, Eurico Miranda costumava pagar um prêmio extra aos jogadores. Rafael descreve como era a distribuição dos envelopes aos atletas.
“Quando Eurico distribuía o prêmio extra, ele entregava o envelope e dizia: ‘Sabem por que estão recebendo isso? Porque isso é o Vasco. Vocês jogaram como Vasco e isto é uma recompensa por serem Vasco'”, compartilhou Rafael Silva sobre Eurico Miranda.
Um pé na Malásia e outro no Brasil
Após deixar o Vasco em 2016, Rafael Silva se transferiu para o Cruzeiro, onde também marcou um gol em um clássico, contra o Atlético-MG, com direito a uma provocação imitando uma galinha na comemoração.
Em seguida, passou por quatro clubes brasileiros (Figueirense, Guarani, Bragantino e Ituano) e sete equipes de outros países, atuando na China, Indonésia, Bolívia, Iraque e Emirados Árabes.
Em 2023, após uma breve passagem pelo Ituano, Rafael Silva acertou com o Sri Pahang FC, da Malásia. Com o calendário sem atividades até maio do ano seguinte, o atacante revelou a possibilidade de retornar ao futebol brasileiro por empréstimo, rumo à Portuguesa-RJ, o que o permitiria enfrentar o Vasco.
“Atualmente estou na Malásia e há uma grande chance de eu voltar por empréstimo à Portuguesa-RJ. Meu contrato vai até o final de 2024, mas o calendário da Malásia mudou e começará em maio. Assim, ficaremos sem atividades em janeiro, fevereiro, março e abril, e estou cogitando a possibilidade de um empréstimo para disputar o Campeonato Carioca. Seria incrível enfrentar o Vasco, e confesso que ficaria bastante emocionado”, projetou.
A milhares de quilômetros do Brasil, Rafael Silva tenta retornar ao país com a maior frequência possível. Além dos familiares, o atacante também possui um empreendimento em Indaiatuba, interior de São Paulo.
O jogador é proprietário de uma das unidades da Inter Academy, uma escola de futebol da Inter de Milão. Com 120 alunos sob sua responsabilidade, distante fisicamente, Rafael conta com uma sócia para gerenciar o negócio.
“Está sendo um sucesso. Ingressei no projeto com certo receio, pois era uma área nova para mim. Estamos com muitos alunos, até mais do que prevíamos. Tenho planos de expandir para outras cidades e estou muito satisfeito com esse empreendimento. Como estou na Malásia, contratei uma coordenadora para ser meu braço direito. No próximo ano, pretendo participar de alguns eventos organizados pela Inter Academy, como torneios em Milão e em outros países europeus”, concluiu o empresário e atacante Rafael Silva.
Fonte: ge