O Vasco da Gama cuida da Barreira do Vasco como se fosse a sua família, da mesma forma que a favela cuida do Clube.
A definição, refletindo uma conexão histórica entre o clube e a comunidade de cerca de 20 mil habitantes na área vizinha, é de Vânia Rodrigues da Silva, também conhecida como Vaninha, que lidera a Associação de Moradores da Barreira do Vasco (AMBV) há 19 anos.
Ela afirma que, durante quase duas décadas como presidente, enfrentou vários desafios para resolver problemas comuns em qualquer comunidade popular, como distribuição irregular de água e falta de saneamento básico e energia elétrica. E o Vasco, em geral, sempre foi aliado nessas batalhas. “O Vasco faz parte da nossa vida, faz parte da história de todos os moradores, desde as crianças até os mais idosos”, afirma a líder.
De forma descontraída, Vaninha reconhece que a relação não é sempre perfeita. “Tem seus altos e baixos, assim como em uma família, empresa ou igreja”. Houve momentos em que o Clube esteve mais presente na favela e vice-versa. E também houve momentos em que os dois se esqueceram um do outro, brinca ela. “Historicamente, porém, ambos estiveram juntos na luta por uma vida melhor para um e para o outro. A favela precisa do Clube, e o Vasco precisa da Barreira”.
Disputa entre o sistema jurídico e São Januário
No momento, há um objetivo compartilhado fortalecendo essa relação histórica: a defesa da imagem da comunidade. Isso surgiu devido às palavras usadas pelo juiz do Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos no processo judicial contra o Vasco, que investiga os eventos após o jogo entre Vasco e Goiás, em junho. As palavras do juiz no despacho causaram indignação nos moradores. Ele escreveu:
“Para contextualizar a total falta de condições de operação do local, desde a área externa até a interna, pode-se observar que todo o complexo é cercado pela comunidade da Barreira do Vasco, de onde é comum se ouvir disparos de armas de fogo provenientes do tráfico de drogas lá instalado, criando um clima de insegurança para chegar e sair do estádio”.
A Associação emitiu uma nota rebatendo as palavras do juiz, considerando que há uma “visão distorcida da realidade”. A interdição do estádio de São Januário, de acordo com o comunicado, está gerando prejuízos aos comerciantes locais, que dependem significativamente dos jogos para obter renda, devido ao grande fluxo de mais de 20 mil torcedores por partida.
“Do meu ponto de vista, são pessoas que não têm empatia ao avaliar uma situação, não conseguem enxergar que, por trás de uma favela com problemas de esgoto, falta de energia e estruturas adequadas de saúde e educação, há mães e pais lutando para que seus filhos tenham sucesso na vida”, afirma Vânia Silva. Ela desafia aqueles que duvidam a irem à favela e verificarem por si mesmos.
Ela se orgulha em dizer que dali saem professores, diretores de escola, policiais – inclusive muitos que moram na Barreira. “Quem duvida geralmente pergunta: como isso é possível? Eu respondo com simplicidade: eles nasceram e cresceram na favela e decidiram seguir a carreira militar quando adultos. O que há de errado nisso?”
Segundo ela, também surgiram juízes, promotores e outros profissionais ligados ao sistema jurídico da Barreira do Vasco. “Isso dói no meu coração, no coração dos moradores antigos, porque é triste ser rotulado injustamente. É muito duro dormir sabendo que moro em uma favela pacífica e acordar sabendo que minha favela foi rotulada como um lugar perigoso. Quem fez isso realmente não conhece a Barreira do Vasco”.
A presidente da Associação de Moradores aproveitou seu discurso na comemoração dos 125 anos do Clube para fazer um apelo não apenas pela Barreira do Vasco, mas por todas as favelas do Rio de Janeiro. Vaninha lembrou que a cidade cresceu entre favelas e morros e é preciso que os governantes olhem para essa população com mais cuidado, especialmente para os mais humildes.
“Não podemos imaginar que, a qualquer momento, as pessoas precisem se esconder em suas casas porque as favelas oferecem perigo para quem mora perto. É melhor pensar em coisas positivas, como as crianças pobres que estão brincando descalças hoje, que podem se tornar médicos ou profissionais de saúde e salvar vidas no futuro. Vamos refletir sobre isso?”
Em 2021, o Vasco destacou a relação com a Barreira do Vasco na entrada social de São Januário: “Barreira do Vasco: Casa do Verdadeiro Clube do Povo”.
O responsável pela iniciativa, atual vice-presidente de Marketing, Francisco Kronemberger, comenta: “A comunidade e o clube são partes de um todo e, como tal, absolutamente interligados. A relação do Vasco com a Barreira é uma demonstração real do DNA inclusivo do Clube, presente em tudo, desde nossa casa até as ações e iniciativas que abraçamos além de nossos muros. A comunidade recebeu seu nome em homenagem ao clube, mas não é a Barreira que pertence ao Vasco. É o Vasco que pertence à Barreira”.
Fonte: Site Oficial do Vasco