Estádios de futebol não são apenas locais para os adeptos extravasarem suas paixões e se sentirem mais próximos de seus times do coração. São também espaços onde a diversão se mistura com estereótipos ultrapassados, tornando-se por vezes, um ambiente inseguro para todos. Mas um torcedor do Vasco tem desafiado essas “normas”.
A história de Fernando Galdino merece reverência.
Nativo e criado em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Nando Gald utiliza o humor como ferramenta para se encaixar em um ambiente ainda marcado pelo machismo. Poucos anos atrás, seria impensável imaginar um torcedor gay, delicado e drag queen sendo acolhido pela torcida em um estádio.
Por esse motivo, em muitas ocasiões, Nando ocultou sua verdadeira essência ao acompanhar o pai e os irmãos nos jogos do Vasco em São Januário.
– Sentia receio de participar, de estar no meio da torcida, pois não me sentia bem-vindo. Meu pai me chamava, e eu recusava. Tinha medo de me manifestar, de torcer, devido à minha voz afeminada. A forma como torcia, toda afetada, surpreendia muito. Eu ia, mas ficava contido, calado. Tudo era novidade para mim – relata o torcedor ao ge.
Atualmente, Nando não precisa mais se esconder. Pelo contrário, ele se sobressai na multidão. E parte de sua popularidade nas redes sociais se deve à torcida do Vasco. É provável que um dos vídeos do influenciador já tenha cruzado sua tela de celular (assista no topo da matéria).
– Meu pai e meu padrasto são vascaínos fervorosos. Ambos são grandes amigos, frequentam juntos os jogos. Em aniversário do meu pai, fiz uma postagem com ele, uma foto séria e outra descontraída, atendendo a um pedido dele. No aniversário do meu padrasto, vesti a camisa do Vasco e fiz uma foto em destaque na frente do bolo. Postei e foi sucesso – menciona Nando.
– Fiquei apreensivo ao postar, com medo de sofrer críticas, mas um amigo me encorajou: “O Vasco é isso, seja autêntico”. Foi um alvoroço e as pessoas passaram a pedir mais vídeos sobre o Vasco – completa ele.
No início do mês passado, Nando foi convidado pelo Vasco para participar do evento de lançamento do novo patrocinador master do clube. Desde então, ele tem firmado parcerias com a empresa de apostas que patrocina o Vasco e é frequentemente convidado para os jogos da equipe.
Neste 28 de junho, celebra-se o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, uma causa que tem sido abraçada pelo Vasco. Nos últimos anos, o clube realizou campanhas e, em 2021, incorporou as cores do arco-íris em seu uniforme, tornando-o símbolo do movimento.
“Estou Quebrando Paradigmas”
Com os bordões “respeita minha história” e “aqui é o Vascão”, Nando Gald está quebrando paradigmas. Ao longo de toda a sua vida como torcedor, hoje ele não consegue e nem deseja passar despercebido em São Januário.
– Estou rompendo barreiras ao levar meu conteúdo para uma audiência diferente. As pessoas me enxergam não apenas como um gay fazendo bagunça na internet. Tenho uma história, uma luta, um percurso – ressalta.
– Após viralizar, meu pai e meu padrasto compraram ingressos e me obrigaram a ir ao jogo. Fui com receio. Ao chegar, tremi com a quantidade de pessoas em cima de mim. Meu pai: “Você é a sensação da torcida”. As pessoas tiravam fotos comigo, me abraçavam, me chamavam de Nando, eu disse: “Pessoal, a galera já me conhece”. Quando entrei no estádio, todos começaram a me ovacionar – acrescenta o torcedor, que atua como enfermeiro.
Ele ainda não tem dimensão do impacto positivo causado por sua coragem. Ser um homem gay e amante do futebol ainda é tema tabu para muitos. Enquanto os torcedores do Vasco abrem as portas de São Januário para Nando, ele, por sua vez, abre as portas da liberdade para inúmeros homossexuais que ainda não se veem representados em um estádio.
– No que você vê na internet é a minha verdade. Por isso, afirmo: “respeita a minha história”. O mais gratificante é ver pessoas se identificando comigo, chegando e dizendo que se sentem representadas.
– Sempre aparece alguém pedindo para continuar, alguns gays discretos que sussurram que os inspiro, afirmam a importância do que estou fazendo. Mas, afinal, o que estou fazendo? Estou sendo autêntico em um estádio de futebol.
Raros, mas ainda existem atos hostis
– Foi durante a partida contra o Vitória. Quando estávamos saindo do estádio, um indivíduo começou a me ofender. Muitas pessoas estavam tirando fotos comigo, e ele me insultou. Saindo de seu lugar, veio até mim, agarrou-me pela cintura e exclamou: “Até quando você vai persistir com essa palhaçada? Seja homem!”. Foi uma abordagem agressiva. Meu pai interveio instantaneamente, alguns torcedores também repreenderam. Sabemos que isso existe, mas quando acontece conosco…
– Fiquei atordoado, sem reação. As pessoas ainda se preocupam com a forma como os outros vivem suas vidas. Meu pai assumiu uma postura incisiva: “Eu sou pai dele e não vejo problemas. Não admito que você faça qualquer comentário para ele”. Foi uma situação desagradável, mesmo estando preparado. Pode não haver simpatia, mas prezo pelo respeito.
O relato de Nando é impactante, embora raro diante do afeto e apoio que ele tem recebido da maioria dos torcedores e também do clube. E a preparação para ocasiões como essa revela muito sobre a compreensão que ele sempre recebeu em casa. Enquanto muitos amigos gays foram e ainda são repudiados pela família, o vascaíno tem na sua família um pilar desde sempre.
– Fui aberto com minha família aos 16 anos. Sempre tiveram um cuidado, me mantinham em um ambiente familiar para não me expor ao mundo, receosos de me machucar. Até hoje meus pais se angustiam quando saio, preocupados com as adversidades do mundo – relata Nando.
– Conto com um vasto suporte, sou privilegiado. Minha família é diversificada, todos se respeitam, respeitando o espaço do outro. Se o mundo seguisse esse modelo, muitas coisas não seriam como são – salienta ele.
O Roubo que Não Ocorreu por Causa do Vasco
– Atualmente consigo rir da situação, mas fiquei apreensivo por mais de uma semana para ir trabalhar. Estava me deslocando para o trabalho de ônibus, quando fui surpreendido com gritos. Dois indivíduos estavam assaltando pessoas, passando em todos os bancos exigindo os celulares. Fiquei apavorado. Foi triste ver as pessoas perdendo seus pertences, todos em aflição, fiquei muito consternado.
– Tinha o celular na mão e a bolsa aberta. Um deles pegou meu perfume, encarou-me e disse: “Tu não, Vascão”. Fui reconhecido até no meio do crime (risos).
Por Que Choras, Monalisa?
– Meu irmão reside em Portugal, planejei e economizei durante muito tempo para visitá-lo. Realizamos uma viagem pela Europa. Dentro do Museu do Louvre (Paris, França), penso que a Mona Lisa (pintura de Leonardo da Vinci, uma das obras mais visitadas do mundo) ficou alarmada comigo, não me aguentou. Em vez de tirarem fotos com ela, fotografaram-me. Diversas obras magníficas e as pessoas me solicitando. Até aos pés da Torre Eiffel: “Meu Deus, o Vascão está na Europa”. Só temos noção quando saímos de nossa zona de conforto.
O Nascimento de uma Drag Queen
Nando Gald deu vida à drag queen Katrinna em 2017. A arte é outra forma que o torcedor do Vasco encontrou para transgredir barreiras e afirmar sua identidade. Katrinna surgiu com o apoio fundamental da madrinha Andréia, que faleceu há alguns anos e não testemunhou o sobrinho conquistar o respeito e o carinho de milhares de seguidores.
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