Depois de vinte dias de sua demissão do Vasco, Paulo Bracks revelou detalhes sobre sua saída do clube. Contratado para liderar o departamento de futebol no primeiro ano da SAF, o executivo passou por uma temporada tensa, com cobranças devido ao baixo desempenho da equipe, apesar de um investimento recorde.
Em entrevista exclusiva ao ge, o dirigente expressou surpresa com a demissão um dia após o Vasco confirmar a permanência na Série A. Bracks defendeu o trabalho de sua equipe em um ano de grande reformulação no futebol, justificando que os processos da 777 atrapalharam em certos momentos.
– O grande problema não foi a falta de autonomia, mas sim a transparência do processo, sobretudo nas contratações de atletas, e a fluidez desse processo. Se tivessem sido apresentadas as regras e diretrizes desde o início do trabalho, não haveria perda de tempo. Eu sempre tive autonomia na iniciativa, mas tudo dependia de aprovação de cima – disse Bracks, que continuou:
– E uma aprovação de quem não estava aqui no dia a dia, de quem não conhecia o futebol brasileiro em sua essência. Demorava e era natural, porque era o começo de tudo. Claro que não era fácil, mas eu não iria jamais expor externamente. A cara era a minha para bater quando não havia a decisão, mas a decisão dependia de um processo, e esse processo só foi desbloqueado com meses de trabalho. E aí entrou a filosofia, que deveria ser seguida, e foi.
Paulo Bracks sentiu que foi “apagado” do Vasco após a permanência. As fotos ao longo desta reportagem foram registradas depois do jogo contra o Bragantino, mas não estão nas redes do clube. Foram enviadas à reportagem pelo dirigente.
Logo após o jogo contra o Bragantino, que garantiu a permanência do Vasco na Série A, Paulo Bracks deu entrevista ao lado do técnico Ramón Díaz, prevendo a continuidade do trabalho em 2024. Na manhã seguinte, foi comunicado sobre sua demissão.
Esse é um dos assuntos abordados pelo diretor esportivo em entrevista extensa ao ge. Ele fala ainda sobre a relação com Abel Braga, que também deixou o clube ao saber da demissão de Bracks, e com o CEO Luiz Mello, que saiu da SAF do Vasco no meio do ano. O dirigente faz um balanço das decisões tomadas em 2023. Leia tudo abaixo:
ge: de noite, celebração pela permanência do Vasco. Pela manhã, a demissão. O que aconteceu?
Paulo Bracks: essa pergunta deveria ser respondida por quem tomou a decisão, mas… Do meu lado, o que aconteceu foi, sim, um grande comemoração de todos do clube após o apito final. Emoção grande no estádio. Primeiro no campo, depois no vestiário, principalmente dos jogadores e funcionários do futebol. Mas também de membros da diretoria da SAF, não usuais nos nossos vestiários, mas estavam lá ao lado de todos. O clima era de título.
Fui direcionado para a coletiva junto com Ramon, onde falei de planejamento para 2024. Na manhã seguinte, indo para o CT, onde teria uma reunião com os scouts, recebo uma ligação. Em minutos, a notícia se espalhou pela imprensa e meu telefone não parou.
Você sai com a sensação de que fez tudo o que podia?
– Saio com a sensação de que fiz até mais. Eu e minha equipe de trabalho. Incansáveis. Dedicaram ao Vasco o que não dedicam às famílias. Eu também.
Nunca trabalhei tanto para reverter uma situação e fazer dar certo. E valeu a pena. Não me arrependo. O objetivo de 2022 era o acesso. O de 2023 era a permanência. O caminho do clube está pavimentado para dar um salto e disputar grandes títulos. A nova era começou e está aí. Só não enxerga quem não quer ver.
Peguei um time da Série B. Deixei um time no G-7 da Série A. Ninguém apaga isso. Os haters podem até tentar distorcer a história, mas o desfecho é um só e não podem mudar. Contratos sólidos, atletas valorizados e convocados para as seleções brasileiras, ativos, clube respeitado no mercado. Tudo isso com uma torcida maravilhosa e única, que merece voltar a comemorar títulos.
Como era a relação com Abel Braga? Como era a convivência? Ele sai fazendo referência de solidariedade a você. Foi assim mesmo?
Abel é um campeão, um vencedor, no futebol e na vida. Ter uma pessoa como ele ao meu lado foi um privilégio. Fomos vice-campeões brasileiros no Inter, onde ele é um ícone. O trabalho foi intenso até ele precisar se ausentar por um problema médico. A convivência era a melhor possível e ele me complementava. Tem a experiência e a parte técnica. Sabe gerir um vestiário. Me ajudou muito no CT e também ao Barbieri, que via nele uma referência na profissão.
Minha saída, da forma que foi, gerou uma revolta muito grande no Abel. Ele é humano. Tem coração. E que coração. Além disso, viu o trabalho de perto, com todas as suas dificuldades. Foi solidário a mim, mas solidário ao projeto, ao trabalho, ao CT.
Sua relação com Luiz Melo, antigo CEO do Vasco, teve tensões mal explicadas. Você se posiciona muitas vezes como um cara que respeita a hierarquia, mas com o passar do tempo ficou claro que você não conseguia exercer sua vontade… Afinal, qual o papel do CEO em uma SAF e como isso interfere em funções como a sua?
Não tive tensões mal explicadas com ele. As tensões dele eram com a torcida e com a associação, principalmente, não comigo. Ele saiu de cena antes do final do turno e nunca mais nos falamos.
E aqui é bom aproveitar essa bola quicando, sempre fui a cara do clube esse ano. Quem era a liderança do Vasco? Quando ele estava aqui, até dividia a atenção e pressão de fora, mas sem dar entrevista e colocar a cara, até por determinação da 777. E nesse contexto fiquei isolado institucionalmente.
Como se não bastasse ter que trabalhar e tirar forças não sei de onde para recolocar o time em uma posição melhor e corrigir todos os erros do início, convivia com a inoperância de algumas atividades-meio do clube, como comunicação, comercial, operações, marketing. E não era da minha alçada.
CEO, para mim, precisa controlar e comandar as atividades-meio do clube, até para que o futebol cuide do futebol, que é a atividade-fim de um clube. CEO precisa ter o domínio das áreas e ser parceiro do futebol. No Vasco tem um papel importante também, que é o diálogo permanente com a 777. O meu não era tão frequente, até pela diretriz deles. Todos os assuntos institucionais eram na linha vertical deles. Precisa ser a pessoa que destrava lá e viabiliza aqui. Um CEO presente, eficaz e que respeita o futebol ajuda demais para fazer gols.
Qual era a interferência/participação efetiva de executivos da 777 no dia a dia do Vasco?
– No dia a dia, nenhuma. Estavam longe fisicamente. Meu superior veio ao Brasil duas vezes em 38 rodadas.
No CT, eu e minha equipe de trabalho tínhamos total autonomia. Mas nas decisões para o clube, ou seja, nas contratações, a palavra final era deles. Não era uma interferência, mas sim um comando. Me sentia totalmente alinhado com eles, a recíproca era verdadeira e estávamos em um momento muito bom, porque o início foi difícil para os dois lados.
Eu tinha uma excelente relação com os outros clubes também, porque me aproximei dos outros diretores, colegas. Com o tempo, as pessoas se conhecem melhor e a adaptação aprimora o resultado. Um projeto de médio e longo prazo, como eles sempre destacavam.
O episódio em que você fala de 2024 ao lado do Ramón, e na hora ele troca olhares com o filho Emiliano. Foi interpretado por muitos como se ele já soubesse da sua saída. Como você viu essa situação e como era sua relação com Ramón Díaz?
Não vi esse vídeo. Mas é uma polêmica vazia. Fui eu que avisei ao Ramón e Emiliano da demissão, poucas horas depois, e a reação deles foi totalmente incompatível com quem sequer pudesse prever algo parecido. Eles não sabiam e não podiam saber, porque quem tomou a decisão sequer falava com eles. Mas é simples de resolver, se pairar dúvida. Quando estiverem com eles, se eles forem ficar, claro, basta perguntar.
A relação foi espetacular com Ramón, meu vizinho. Um vencedor com uma história incrível no futebol mundial. Com Emiliano, que é um grande homem e um ótimo treinador, com toda a equipe deles, com Diego, um dos melhores preparadores físicos com quem já tive o prazer de trabalhar. Ainda trabalharemos juntos novamente. O mundo do futebol gira rápido.
Acredita que as dívidas e atrasos nos pagamentos aos clubes prejudicaram o Vasco no mercado?
As notícias sobre os não pagamentos a clubes se espalham rapidamente no mercado, mais do que o contrário. No início do ano, tivemos um trabalho árduo para resgatar a credibilidade do clube no mercado. E isso foi discutido várias vezes em reuniões com a 777. Era necessário mostrar outra credencial. O Vasco vinha de anos com dívidas e inadimplências. Pegamos o Vasco em uma situação delicada.
– Não foi fácil conseguir fazer os movimentos no início do ano, mas no meio, na segunda janela, foi ainda pior, devido a outro fator. Aqui se somou ao desempenho esportivo, que estava péssimo naquele momento. Foi o nosso período de caos. O time estava no Z-4, beirando a lanterna e as notícias de não pagamento. Olha, o que fizemos no mercado na segunda janela foi um verdadeiro milagre. Um milagre. Nesse cenário, conseguir contratar atletas do nível de um Medel, de um Paulinho, de um Vegetti, de um Payet. Nunca vou esquecer os dias vividos nessa janela, o esforço e dedicação de toda a minha equipe de scouts, que trabalharam comigo sem parar, e a recompensa com os negócios fechados. Valeu a pena. Montamos um time de alto nível.
E com Barbieri, como foi a relação? Ainda mantém contato? Por que ele permaneceu por tanto tempo mesmo com o Vasco em crise? Acha que ele deveria ter saído antes?
Ele foi escolhido pela 777, em um processo rigoroso de análise dos nomes aptos no final de 2022. E eu chancellei, junto com Abel, porque o conhecia, já tínhamos trabalhado juntos, e acompanhei de perto os três anos de Red Bull. Tudo o que a empresa queria no início do nosso trabalho, era com ele que executaríamos. É um profissional muito competente e um ser humano incrível. Começamos o ano bem, a reformulação foi muito grande. Trocamos um elenco inteiro.
Começamos bem na Série A também, mas sofremos a partir da sexta rodada. E não foi apenas ele, fomos todos. A mudança não se deu antes porque todos acreditavam, dos atletas à 777, que iríamos nos recuperar em casa e retomaríamos o caminho. Jogamos muito melhor do que vários adversários. Não podemos esquecer disso. Mas os resultados não vieram. É fácil analisar o futebol de trás para frente. É cômodo falar em demora na troca.
Qual é o clube brasileiro com mais trocas de treinadores no século? O Vasco. Qual a razão? Culpa dos técnicos ou das gestões? Fizemos apenas uma troca este ano, indo contra a cultura do próprio Vasco. Seguramos até quando se tornou insustentável a continuidade. E a troca foi eficaz não apenas pela qualidade indiscutível do Ramón e do Emiliano, mas também por outros fatores, como as trocas de atletas e a manutenção da gestão que já estava sendo feita. Ele me enviou uma mensagem congratulando pelo objetivo alcançado, acompanhava todos os jogos e torcia por nós.
Claramente houve uma mudança brusca de mentalidade no Vasco. O time estava bem na Série B, depois quase não sobe, porque os investimentos foram adiados para 2023. E aí o clube começa mal 2023, vai mal no Carioca, começa mal o Brasileiro. Quando o Barbieri cai, o clube muda totalmente o foco…
Há um equívoco aí, se me permite. Não fomos mal no Carioca. Fizemos três clássicos muito competitivos e vencemos dois, contra o Flamengo e o Botafogo, além de vencermos o Fluminense, vice-campeão mundial. Vencemos os três rivais este ano. Perdemos a semifinal para um clube de projeto consolidado. E não fizemos jogos ruins.
Em relação ao planejamento, tudo foi muito claro desde o início, em todas as reuniões formais. Em abril, na França, diante de todos os diretores esportivos da 777. Primeiro, reformular praticamente todo o elenco, dentro da filosofia do grupo. Mudar perfil e qualificar. Segundo, a permanência na Série A para 2024. Isso precisa ficar claro de uma vez por todas, porque já ouvi tantas inverdades de quem não participava do planejamento, e isso acaba virando premissa.
Em relação à mudança de mentalidade na segunda janela, foi pela convicção nossa à 777 de que a filosofia precisava mudar naquele momento. Precisávamos de hierarquia, liderança, experiência.
– Eles precisavam retirar os vetos, que foram vários durante o processo (e julgo todos naturais, não reclamo porque era a diretriz e eu a segui), em cima de atletas com mais de 27 anos. E eu precisava ser agressivo na mudança. Radical, até. Deu certo, não apenas em termos de resultados, mas também na valorização dos ativos que já estavam no clube.
O time montado para 2023 pelo Barbieri é jovem, e depois no meio do caminho vocês equilibram com novas contratações… Levou um ano para perceber que a rota estava errada? os problemas não eram perceptíveis antes? Hoje, olhando para trás, não houve uma demora para essas tomadas de decisão?
O time não foi montado pelo Barbieri! E nem o time da segunda janela foi pelo Ramón! Precisamos entender, ainda que seja no final do ano, o processo de contratações no clube. Os nomes eram aprovados em duas instâncias de análise de mercado, a que trabalhava comigo e a da 777. Eram dois os relatórios técnicos. Depois vinha o relatório financeiro. E depois o sim final.
Em relação ao momento da troca, vou repetir o que já disse. É fácil analisar de trás para frente. Internamente, tínhamos avaliações que indicavam a possibilidade de