O Santos está prestes a fechar negócio com o executivo de futebol Paulo Bracks para ocupar o cargo de CEO (sigla em inglês para Chief Executive Officer, ou diretor-executivo) do clube. Bracks se reunirá com o presidente Marcelo Teixeira para liderar a reestruturação do futebol do clube visando a Série B.
Com mais de 15 anos de experiência no mundo do futebol, Bracks é advogado de formação e se especializou em gestão. Ele ganhou destaque por seu trabalho no América-MG, onde começou como responsável pelas categorias de base e chegou à equipe profissional em 2019. Durante sua gestão, o Coelho conquistou o acesso à primeira divisão e alcançou as semifinais da Copa do Brasil.
Depois de passar por Internacional e Vasco, o profissional concedeu uma entrevista exclusiva ao ge sobre sua participação na Conferência Global da Associação dos Diretores de Esportes em junho.
Bracks compartilhou suas experiências no congresso e discorreu sobre o atual panorama das Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs) no Brasil e no mundo.
ge: Você foi o único brasileiro a participar da Conferência Global da Associação dos Diretores de Esportes. Como foi o convite e sua participação?
O convite surgiu devido a abordagem global do congresso, abordando temas relevantes para o ecossistema do futebol na Europa e América Latina. Entre os assuntos discutidos estava a Major League Soccer (MLS), a liga de futebol dos Estados Unidos, a Belgian Pro League, cujos clubes operam sob a estrutura dos donos, e o recrutamento de jogadores – termo utilizado internacionalmente para se referir à identificação de jovens talentos e ao sistema de transferências.
ge: As cifras envolvendo jovens atletas estão em constante crescimento, com clubes alcançando recordes de receita ano após ano. Como os dirigentes encaram essa realidade?
Vivemos um momento em que as questões financeiras exercem um papel crucial. O futebol torna-se cada vez mais profissional. Um exemplo é a UEFA precisar analisar a admissão de dois clubes sob o mesmo controle na Liga dos Campeões, caso do Manchester City e Girona na próxima edição de 2024/25. Essas situações estão presentes no Brasil com o movimento das SAFs, impactando e transformando continuamente o cenário do futebol nacional.
ge: Após interagir com diretores executivos e de futebol de diversos países, a pergunta que fica é: como é a estrutura do futebol no Brasil comparada com a de outros lugares?
Na Europa, a estrutura do futebol é mais complexa, com funções e papéis mais definidos do que no Brasil. Aqui, por uma questão de maturidade, o diretor de futebol acumula diversas responsabilidades, como as áreas administrativa, jurídica e esportiva. Na Europa, há uma segmentação maior de funções. Por exemplo, o Liverpool reorganizou toda sua estrutura de futebol em uma semana durante a transição de Jurgen Klopp para Arne Slot. Isso evidencia a importância da gestão. Não se trata da superioridade dos clubes estrangeiros, mas sim da organização e da eficiência na estruturação.
ge: Você considera que a estrutura enxuta dos clubes no Brasil é reflexo de questões financeiras ou de maturidade?
Principalmente de maturidade. O cargo de diretor de futebol é relativamente novo no Brasil. Até o início dos anos 2000, a gestão do futebol era centralizada em poucas pessoas, como o diretor estatutário e o presidente, que acumulavam essa função em paralelo a suas profissões, geralmente advogados. Atualmente, observamos uma estrutura mais diversificada, com profissionais responsáveis por áreas específicas, como jurídico, logística e desempenho. Esse modelo evolutivo é comum na Europa, onde diversos diretores respondem a um diretor geral, resultando em uma gestão mais eficaz e refinada.
ge: Você apontou a evolução nas comissões técnicas como exemplo. Como essa mudança impacta o cenário do futebol nacional?
É uma evolução significativa. Durante muito tempo, a comissão técnica se resumia ao treinador e seu auxiliar, posteriormente adicionando o preparador físico. Atualmente, é comum os treinadores montarem equipes maiores. Por exemplo, em 2010, Vanderlei Luxemburgo no Atlético Mineiro trouxe uma comissão técnica com seis profissionais, algo atípico na época. Hoje, é comum os treinadores trazerem suas equipes completas, refletindo uma abertura do futebol brasileiro para essas mudanças e um maior profissionalismo. Dos 20 clubes da Série A, metade possui técnicos estrangeiros, sinalizando a receptividade do país para novas tendências e aprendizados externos.
ge: Dentre os desafios de gerir clubes como Internacional e Vasco, está o período sem conquistas. Como essa realidade impacta a gestão esportiva?
O contexto sem títulos representa um desafio, pois a pressão é intensa. É fundamental uma comunicação eficiente sobre os objetivos do clube, compreender os diferentes atores e lidar com a cobrança da torcida. A transparência na comunicação institucional é essencial para alinhar as expectativas e engajar os torcedores. A estabilidade é importante mesmo em momentos sem conquistas, a fim de manter um rumo claro e evitar turbulências que afetem os torcedores. Um planejamento consistente é indispensável para superar esses períodos difíceis.
ge: Como administrar a pressão por resultados em clubes que não estão preparados para competir em alto nível?
Os resultados esportivos não surgem rapidamente, especialmente para clubes que enfrentam dificuldades por longos períodos. É necessário trabalhar com metas específicas e progressivas, sempre considerando os objetivos do clube. Questões como a estrutura do centro de treinamento, dívidas e contratos com os jogadores devem ser avaliadas em diferentes prazos. A organização e a manutenção são cruciais para clubes em transição, exigindo tempo e uma comunicação transparente com torcedores e mídia para garantir apoio durante o processo de reestruturação. No futebol atual, a eficiência na gestão é mais determinante do que a tradição ou a força do elenco.
ge: Existe algum caso de gestão exemplar que ainda não conquistou títulos?
O Arsenal é um exemplo relevante. Sob a gestão de Stanley Kroenke, que também é proprietário do Colorado Rapids, o clube transformou-se em um celeiro de jovens talentos. O Arsenal, apesar de não ter conquistado títulos expressivos, mantém-se competitivo na Premier League, demonstrando evolução contínua sob uma gestão profissionalizada e voltada para a formação de atletas. O sucesso no futebol não está atrelado apenas ao modelo de gestão, mas sim à eficiência e planejamento adequados. O foco na estrutura organizacional é primordial para o êxito a longo prazo.
ge: Você tem experiência em clubes tradicionais do Brasil e também em uma SAF, como foi o caso do Vasco em 2023. Como você avalia a evolução desse modelo no cenário futebolístico recente? Quais são os acertos e deslizes?
No Brasil, estamos em um estágio atrasado em relação à implementação das SAFs, em comparação com países como Itália, Espanha e Inglaterra, que possuem legislação há décadas. Dos 20 clubes da Série A, 8 adotam o modelo SAF, sendo 4 do tipo MCO, com grupos esportivos controlando a gestão – exemplos incluem o Bahia (Grupo City), Botafogo, Vasco (até recentemente com o 777) e a estrutura da Red Bull. A lição das SAFs reside na gestão eficiente, não na simples adoção do modelo. Os campeões recentes do Brasileirão e Libertadores não são SAFs, mas sim clubes bem administrados. A chave do sucesso está na competência gestora, evidenciando a importância da estruturação sólida e eficaz para o progresso do futebol.
ge: Acredita que clubes bem geridos podem perdurar, mesmo sem a tradicional ‘grife’ de campeões?
A tendência atual é reduzir a influência de gestões amadoras e focar em uma administração eficiente. Embora casos pontuais envolvam proprietários com vínculos emocionais aos clubes, a gestão profissional é o caminho para a sustentabilidade. No Brasil, há uma resistência devido às tradições dos grandes clubes vitoriosos. Atualmente, o sucesso no futebol não está mais ligado apenas ao histórico ou a individualidades excepcionais, mas sim à gestão organizada e planejamento estratégico. A trajetória de clubes como Palmeiras e Flamengo ilustra a importância da gestão consistente ao longo do tempo. O gestor assume uma herança complexa ao ingressar em um clube e deve lidar com desafios acumulados, como erros do passado e a pressão da torcida, demandando tempo para estruturação e resultados sustentáveis.
ge: Em uma coletiva de imprensa diferenciada no ano passado, você reconheceu publicamente um erro no planejamento do Vasco. Como foi esse momento de transparência em um ambiente usualmente marcado por egos inflados?
O episódio representou um ponto de inflexão. Durante um período complicado, no qual o Vasco enfrentava uma sequência negativa, senti a necessidade de estabelecer uma conexão direta com a torcida. A experiência difícil demandava clareza e transparência na comunicação institucional, o que confrontava o estilo anteriormente adotado pela gestão do clube. Decidi compartilhar detalhes sobre o planejamento, as dificuldades financeiras enfrentadas, as expectativas e as limitações. Essa abordagem gerou empatia e compreensão por parte dos torcedores, fortalecendo o engajamento e a relação de confiança. O momento de vulnerabilidade e sinceridade foi crucial para estabelecer uma conexão genuína e mostrar o compromisso com um futuro mais transparente.
Fonte: ge