Enquanto o presidente Pedrinho e demais líderes do Vasco expressavam alegria e confraternizavam para celebrar a aprovação do projeto de lei que possibilitará a renovação do São Januário, o arquiteto Sérgio Moreira Dias se emocionava intensamente no plenário da Câmara de Vereadores do Rio, na última terça-feira. Após secar as lágrimas e recuperar o fôlego, uniu-se aos colegas no tradicional grito de “Casaca”, entoado pelo vereador Alexandre Isquierdo e acompanhado por cerca de 30 apaixonados torcedores presentes na sessão.
Sérgio é o encarregado da concepção que, além de reformar o estádio, buscará aproximar ainda mais o local das comunidades da Barreira, Tuiuti e Arará, situadas em seu entorno. Para tanto, inspirou-se na queda do Muro de Berlim.
Sérgio compartilhou a origem de sua emoção. Desde jovem, ouvia as narrativas de seu avô, Albertino Moreira Dias, um dos pioneiros do futebol do Vasco, acerca da luta do clube contra os adversários da Zona Sul para ter jogadores negros, pobres e operários em seu time. Naquela época, nem imaginava se tornar arquiteto, porém, se encantava com as histórias da união de torcedores para adquirir o terreno e erigir São Januário de forma colaborativa, em uma espécie de “vaquinha”.
Ele enxergou a oportunidade de inscrever seu nome na história do clube de coração quando, ao final dos anos 1990, surgiu uma parceria entre o Vasco e um banco norte-americano para tentar revitalizar o estádio, e ele assumiu o projeto. Contudo, devido a desavenças políticas, a ideia não se concretizou, o que o deixou desapontado. Até que, em 2020, o então presidente Alexandre Campello retomou a iniciativa de modernizar São Januário e o convidou para a empreitada, que continuou com o sucessor, Jorge Salgado, e posteriormente com o atual presidente, Pedrinho.
– O desfecho que presenciamos na terça-feira é fruto de três anos de tramitação legislativa. Três anos se passaram, envelhecemos e finalmente aquele dia chegou. Com um placar de 44 votos, uma torcida entoando cânticos e o hino. Foi emocionante. Até agora, eu não consigo conter a emoção – declarou Dias em entrevista ao ge.
Seu time é composto pelos arquitetos Ana Carolina Dias, Clarissa Pereira, Felipe Nicolau e William Freixo.
Uma das peculiaridades do projeto será a integração com a Barreira do Vasco, localizada próxima ao estádio. Os muros da estrutura atual, situados em frente à entrada da comunidade, serão derrubados e uma praça pública será criada para facilitar o acesso a São Januário. Essa decisão busca, mais uma vez, romper preconceitos e fortalecer os laços com os moradores vizinhos.
No ano anterior, um parecer do Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos, redigido pelo juiz de plantão Marcelo Rubioli, mencionou que “todo o complexo é cercado pela comunidade da Barreira do Vasco, de onde frequentemente se ouvem tiros provenientes do tráfico de drogas local, criando um clima de insegurança para chegar e sair do estádio”. Tal declaração incomodou o arquiteto, que fez alusão a um acontecimento histórico da Guerra Fria.
– Foi uma agressão flagrante. Todos os estádios no Brasil estão rodeados por comunidades e convivemos tranquilamente com elas. Não somente o Vasco, mas todos os cariocas e brasileiros. Impedir a proximidade é absurdo. O Vasco existia antes, e a comunidade surgiu depois. Não há relatos de assaltos a torcedores nos jogos. A interação sempre foi pacífica e colaborativa. Os moradores da comunidade vendem alimentos, estacionam carros, gerando fluxo, receita e empregos em decorrência do estádio – frisou.
– A inspiração para criar a praça foi o Muro de Berlim, que separava duas cidades. Por conta de um acordo de paz (…). Milhares de pessoas derrubaram a barreira e reintegraram as cidades. Esse simbolismo é bastante significativo. Estamos destruindo as barreiras que separavam o estádio da comunidade. Para mostrar que estamos tão integrados que não há mais barreiras – complementou.
Confira mais trechos da entrevista:
Ampliação da capacidade de público
– Os designs e conceitos foram evoluindo. Inicialmente, a capacidade precisava ser superior a 40 mil lugares, devido a uma exigência da Conmebol. Superamos esse número, chegando a 43 mil. Em seguida, outra gestão almejou ampliar para 47 mil. Agora, sob a nova gestão e as demandas de Pedrinho, com algumas considerações que estamos fazendo, não posso dar detalhes. Provavelmente, teremos uma nova configuração maior, e ainda precisamos apresentá-la à nova diretoria. Nesta semana, na segunda-feira, serão discutidas as alternativas para definirmos os próximos passos.
Caldeirão
– No século passado, existia uma pista de atletismo ao redor, foi o que ocorreu com o Maracanã. Não havia o conceito de torcida dentro do jogo, influenciando e desejando interferir mais do que a qualidade dos jogadores. Priorizamos a proximidade. A arquibancada norte, atualmente, está a 40 metros do campo. Será reduzida para 10 metros. Nossa torcida, a Força Jovem, cantando atrás do gol. Fizemos isso em todo o estádio, transformamos a arquibancada sul em norte. Na arquibancada leste, a torcida permanecerá em pé. Isso tem outro significado: o Vasco é popular, queremos uma torcida com ingressos acessíveis. Estabelecemos um quantitativo de torcedores em pé que não existe no Brasil e no mundo.
Será realizado um trabalho para intensificar o som da torcida por meio da reverberação do concreto, marquises, sem uso de equipamentos eletrônicos. Ela estará mais próxima, e pretendemos que se torne mais potente.
Passos futuros para a construção do estádio
– O próximo passo é elaborar o projeto para aprovação e obter as devidas licenças, bem como buscar as fontes de financiamento e iniciar a construção. Seria um sonho inaugurar no centenário. Essa é a nova meta. Se eu estiver lá, certamente irei me emocionar novamente.
A entidade responsável por licenciar qualquer projeto é a Prefeitura. Inicia-se um processo de apresentações e aprovações. O primeiro passo é interno, com a nova diretoria definindo o projeto. Em seguida, desenvolveremos o projeto legal e o submeteremos ao Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, seguido pelos órgãos de urbanismo, trânsito e meio ambiente. São diversos licenciamentos que culminam na autorização final. Também será necessário aprovação do Corpo de Bombeiros. Estimo que levará cerca de 3 meses para passar por todas essas etapas. A meta é obter a licença até o final do ano, iniciar a construção e concluir em 2 anos e meio a 3 anos.
Praça aberta à Barreira do Vasco
– Houve um episódio lamentável e discriminatório, quando um juiz proibiu os jogos do Vasco por estar localizado dentro da comunidade. Foi uma agressão extrema. Todos os estádios no Brasil estão inseridos em comunidades e convivemos harmoniosamente com elas. Não apenas o Vasco, mas todos os cidadãos cariocas e brasileiros. Impedir a proximidade é um absurdo. O Vasco existia antes, e a comunidade surgiu depois. Não temos registros de assaltos a frequentadores de jogos. A interação sempre foi pacífica e colaborativa. Os moradores da comunidade vendem churrasquinho, sanduíches, trabalham como flanelinhas, no estacionamento, pois o estádio é um polo gerador de tráfego, receita e emprego. A inspiração para criar a praça foi o Muro de Berlim, que separava duas cidades. As pessoas derrubaram a barreira, e esse simbolismo é poderoso. Estamos quebrando as barreiras que separam o estádio da comunidade. Para mostrar que estamos tão integrados que não há mais barreiras. Estamos estabelecendo uma conexão.
Esse espaço também possui a finalidade técnica de dispersão de público. Conta com área para reunião e dispersão, evitando assim possíveis conflitos. Juntamos a função técnica com a social. As crianças poderão jogar bola nessa praça nos dias em que não houver partida no estádio.
Estamos falando de 20% da área total. Obviamente, o estádio, a piscina pertencem ao clube, com limitações de segurança por questões patrimoniais. São duas instâncias coexistindo, mas de forma separada. Além da praça, próxima à torre norte, será construída uma parede de granito com um texto histórico gravado para que todas as gerações possam apreciar.
Preservação da fachada histórica
– Manter a fachada era algo inegociável para nós, pois representa o principal aspecto de nossa história. Surgiram diversas propostas para manter a fachada, mas construir edifícios modernos sobre ela. Optamos por preservar integralmente a fachada.
Aprimoramento da estrutura para os associados
– Atualmente, o clube carece de uma função social efetiva. A piscina atende somente aos atletas, a quadra de tênis atende a poucos. O campo é utilizado pela base. Queremos um novo espaço para os sócios, um local para frequentar, como era nos tempos de minha juventude. Desejamos trazer o associado de volta, para que seja o quintal da casa dos vascaínos. Teremos uma piscina recreativa, playground.
Criação do primeiro projeto de renovação de São Januário
– Vencemos um concurso para revitalizar a orla carioca. Projetamos toda a orla marítima do Rio, que totalizava 33 km. Ampliamos os calçadões, construímos ciclovias, impedimos a instalação de estacionamentos à beira-mar. Se você observa as praias, verá meu trabalho. Obtive sucesso profissional nos anos 90 e comecei a atuar em uma empresa de Pelé. Naquela época, o Vasco firmou parceria com o Bank of America em um projeto pré-SAF, que visava investir no esporte brasileiro e estabeleceu um contrato com o Vasco para criar um novo São Januário. Foi realizado um concurso para remodelar São Januário, que ganhamos entre 1999 e 2000. Desenvolvemos o primeiro projeto de expansão, envolvendo cerca de U$350mi, financiado pelo Banco. Contudo, o Vasco rompeu com o banco por divergências e perdeu uma grande oportunidade.
O novo projeto
Em 2000, o projeto não avançou. Posteriormente, fui convidado por Campello para liderar o projeto do estádio em sua gestão. Soçobram as finanças. Todavia, entrei. Assim como um dos 10 mil que construíram a história do clube, eu contribuiria com o que fosse possível. Adentrei voluntariamente, junto a uma equipe de outros voluntários. Alcançamos a primeira versão, porém, sem recursos. Foi então que entrou Salgado, que apresentou o projeto ao prefeito Eduardo Paes. Fui secretário de Urbanismo na administração de Eduardo Paes. Ele disse: “Sergio, elabore uma lei convincente, respaldada em princípios e fundamentos, que possibilite benefícios para a construção do estádio”. Foi uma grande responsabilidade que ele me atribuiu. Passei 6 meses estudando a legislação, consultando o estatuto da cidade – o plano diretor – e a legislação federal de uso do solo. O plano diretor estabelece a base da transferência de potencial construtivo. O Vasco é um patrimônio tombado, de relevância histórica e social para a cidade. Apresentamos a proposta ao prefeito, que a acolheu.
Acessibilidade
Para entrar para a história do clube
– O desfecho que vocês presenciaram na terça-feira foi resultado de três anos de tramitação legislativa. Três anos se passaram, envelhecemos e finalmente aquele dia chegou. Com um placar de 44 votos, uma torcida entoando cânticos e o hino. Foi emocionante. Até hoje, não consigo conter a emoção. Assim como o estádio de 1927 representou um elo entre pessoas anônimas, talvez, quem sabe, estejamos novamente alterando a história do clube, com um estádio maior, moderno, para atender essa torcida que não cabe mais em nossa casa.
Fonte: ge