No dia 18 de janeiro de 2001, antes da final da Copa João Havelange entre Vasco e São Caetano, no Maracanã, uma cena chamou a atenção. Antes mesmo do jogo começar, o time da casa entrou em campo e revelou um segredo para milhões de pessoas que assistiam à partida na Globo: a equipe usaria a marca do SBT na camisola.
Os detalhes dos bastidores dessa história são contados em minúcias na série documental “A Mão do Eurico”, lançada na segunda-feira no Globoplay. A série consiste em cinco episódios diários ao longo desta semana – o último episódio será lançado na sexta-feira – e conta a história do dirigente.
A série apresenta imagens de acervo e depoimentos de ex-jogadores, funcionários do clube da época e jornalistas. Eles relatam que a surpresa ao ver o logo do SBT na camisola não foi apenas dos torcedores.
– Quando saímos da sala de aquecimento do Maracanã e fomos pegar a camisola, lá estava aquele símbolo gigante do SBT. A primeira coisa em que pensamos foi que o Silvio Santos estivesse patrocinando e que receberíamos os salários atrasados – diz Pedrinho, ex-meia e atual presidente eleito do clube.
Próximo aos dirigentes do Vasco na época, Romário conta na série que tinha ouvido uma sugestão dias antes. No entanto, até minutos antes do jogo, ele não sabia qual decisão seria tomada.
– Eu não sei se foi o Euriquinho (filho de Eurico Miranda) ou alguém que deu essa ideia. A frase foi assim: “Bem que a gente podia prejudicar a Globo”.
A disputa de Eurico com a Globo teve início em 30 de dezembro de 2000, quando parte do alambrado de São Januário caiu durante a final entre Vasco e São Caetano. O dirigente sentiu-se injustiçado com a cobertura do episódio nos telejornais da emissora.
Renato Ribeiro, repórter da Globo no gramado de São Januário naquele dia e atual diretor de Conteúdo do Esporte da empresa, explica na série os bastidores da relação na época.
– No sábado (dia do jogo), a reportagem do Jornal Nacional foi ao ar e não houve contestação dos vascaínos, do Eurico ou do Vasco. O problema surgiu nas reportagens de domingo. Por causa dessas reportagens, o Vasco fez uma queixa formal à Globo. E, neste caso, o Vasco tinha razão. As reportagens foram infelizes, porque não seguiram a ordem cronológica dos fatos. No entanto, não houve uma intenção deliberada da Globo de vilanizar o Eurico. Tanto que na segunda-feira pediram para que eu fizesse uma reportagem contando de forma bem didática e na ordem cronológica tudo que tinha acontecido no jogo – diz Renato.
No lado vascaíno, Euriquinho revelou à série que a ideia original não era incluir o logo do SBT na camisola.
– O objetivo inicial era colocar o Ratinho. Tinha um boneco com um bigode, parecido com o do Ratinho. Era para colocar esse boneco na camisola. No entanto, ele (Eurico) acabou decidindo que seria o símbolo do SBT.
Quando o Vasco entrou em campo no Maracanã em 18 de janeiro de 2001, um sentimento de surpresa tomou conta inclusive de executivos do SBT.
– Aqui dentro do SBT ninguém sabia. Foi uma surpresa total – revela Fernando Pelegio, diretor da emissora na época.
O quarto episódio da série documental, disponível a partir da quinta-feira, mostra em detalhes a reação dentro do Vasco, da Globo e do SBT.
Disputa de colecionadores
Depois de vencer o jogo no Maracanã por 3 a 1, o Vasco nunca mais utilizou a camisola com a marca do SBT. A partir daí começou a disputa dos colecionadores para obter o uniforme. As circunstâncias tornaram aquela peça uma relíquia. Utilizada em um único jogo, nunca foi vendida em lojas e guarda memória do quarto título brasileiro do clube.
A dificuldade para encontrá-la desperta a curiosidade: que destino tiveram as camisolas usadas pelos jogadores vascaínos na conquista do título brasileiro de 2000? A reportagem do ge buscou a resposta com os próprios campeões.
Não se sabe ao certo quantas camisolas com o patrocínio do SBT foram produzidas – os colecionadores acreditam em pelo menos três para cada jogador, com a possibilidade de existirem mais exemplares destinados a dirigentes e funcionários.
Para evitar fraudes, quem conhece do assunto sabe identificar rapidamente se uma camisola é autêntica. Enquanto as réplicas podem ser vistas nas arquibancadas, a original foi confeccionada com o número (frente e costas) em tecido aveludado.
– O primeiro passo é pegar a camisola, sentir o tipo de tecido, os bordados. A marca da Kappa no peito é bordada. Geralmente nas réplicas eles apenas colam, então é possível ver a diferença. O veludo é algo que as pessoas conseguem reproduzir hoje em dia, mas é diferente, você percebe ao tocar numa e outra. Tendo um conhecimento básico de camisolas de futebol, você logo percebe se é atual ou antiga – explica o colecionador Paulo Pires, dono da página “Museu Vascaíno” no Instagram.
Veja onde foram parar as camisolas
2 – Jorginho
O ex-lateral-direito guardou tanto a camisola quanto o calção utilizados naquela partida. Estão preservados em seu apartamento na Barra da Tijuca, no Rio. Ele em breve vai enquadrá-los.
3 – Odvan
Ficou com a camisola e, logo após a partida, deu de presente para seu irmão, Odvaldo, que mora em Campos dos Goytacazes, cidade do Norte do Rio. Está guardada lá até hoje.
4 – Junior Baiano
O ex-zagueiro conta que participou do programa dominical comandado por Gugu Liberato e presenteou o apresentador com a camisola.
– Eu não tenho mais. Eu dei uma para o Gugu, porque logo em seguida fui ao programa dele. Na verdade, eu não tenho mais nenhuma camisola. Eu peguei as duas do jogo e mais uma ou duas. Dei todas elas. Na Bahia há muitos vascaínos. Minha família tem muitos vascaínos.
5 – Paulo Miranda
A camisola 5 está no acervo do colecionador Casimiro.
6 – Felipe
O Maestro, que à época atuava na lateral esquerda, nem entrou em campo na final. Ele não sabia que sua camisola, assim como a número 5 de Paulo Miranda, faz parte do acervo de Casimiro.
7 – Pedrinho
O meio-campista foi um dos três atletas que entraram durante o jogo, substituindo Juninho Paulista. Ele não guardou o uniforme, mas sabe seu paradeiro.
– Eu tinha apenas uma, dei para um amigo. Não sei se troquei a outra.
8 – Euller
Pouco tempo atrás, ele deu a camisola para um amigo e a última informação que teve é que ela foi vendida para um colecionador no Japão. No entanto, a reportagem descobriu que a peça original está com Allan Vieira, um colecionador de Curitiba.
10 – Juninho Paulista
Está exposta em sua casa, em São Paulo, num espaço onde ele guarda todo o material da carreira.
11 – Romário
O autor do terceiro gol do Vasco não se recorda do destino da camisola 11. No entanto, na série “A Mão do Eurico”, o ex-diretor artístico do SBT, Fernando Pelegio, afirma que uma das camisolas está com Silvio Santos.
– O Alê (Alexandre Souza), filho de Silvio Luiz, é colecionador de camisolas e tem uma coleção enorme. Ele foi atrás da camisola como pessoa física, embora fosse funcionário do SBT. Quando souberam que ele foi ao Rio e pegou a camisola do Romário, disseram: “Não, essa camisola é para o Silvio (Santos)”. Atualmente, essa camisola do Romário está com Silvio Santos.
De acordo com colecionadores contatados pela reportagem do ge, várias camisolas 11 foram produzidas, não apenas para que Romário usasse em campo, mas também para distribuir para possíveis patrocinadores e pessoas influentes.
12 – Fábio
Reserva do goleiro Helton, Fábio, ainda no início de carreira, eternizou a camisola na sala de sua casa, em um quadro, juntamente com a camisola listrada em preto e dourado utilizada quando era titular em 2004.
15 – Henrique
Pôs a camisola num quadro pendurado na parede de sua casa, no Rio de Janeiro.
22 – Mauro Galvão
O ex-zagueiro e ídolo do clube não faz ideia do paradeiro da camisola que utilizou na final da Copa João Havelange. Até hoje ele critica a decisão de Eurico Miranda de expor gratuitamente a marca do SBT na indumentária.
27 – Jorginho Paulista
A camisola número 27 está guardada na casa dos pais, em São Paulo. O elenco autografou a peça. Além disso, o lateral-esquerdo, que marcou um dos três gols do Vasco na partida, ainda possui a faixa oficial de campeão.
29 – Clebson
O jogador faleceu cinco meses após a partida, em um acidente de automóvel na rodovia BA-409, próximo à cidade de Serrinha. A maioria das relíquias de sua carreira, incluindo a camisola utilizada por ele na final contra o São Caetano, ficou com sua mãe em Itiúba, no interior da Bahia. No entanto, há quatro anos atrás, um incêndio na casa destruiu a camisola e vários outros itens de seu acervo, conforme familiares informaram ao ge.
31 – Juninho Pernambucano
O Reizinho saiu do Vasco após cinco anos nesta partida. O autor do primeiro gol da decisão não lembra o que aconteceu com a camisola 31.
– Só percebi depois que parei que dei a maioria das minhas coisas do futebol. Eu quase não guardei nada, minha esposa guardou poucas coisas. Uma pena, mas não tenho mais.
O goleiro Helton (camisola 1), o volante Nasa (camisola 17) e o atacante Viola (camisola 9) não responderam ao contato da reportagem.
Escalação do Vasco na final
Helton, Clebson, Odvan, Júnior Baiano e Jorginho Paulista; Jorginho (Henrique), Nasa, Juninho Pernambucano (Paulo Miranda) e Juninho Paulista (Pedrinho); Euller e Romário.
Relacionados que não entraram em campo: Fábio, Mauro Galvão, Felipe e Viola.
Fonte: ge