Em 1969, houve uma reunião no Conselho Deliberativo do Vasco para votar a cassação do presidente Reynaldo Reis. Na época, o vice de Patrimônio se chamava Eurico Miranda, que tinha 25 anos.
No momento em que a votação caminhava para uma derrota de Reis, a luz da sede náutica do clube foi apagada. No dia seguinte, o jornal “O Globo” estampou a manchete “Mão do Eurico” acima de uma foto dos disjuntores da sede vascaína.
Essa história é a primeira de muitas contadas na série documental “A Mão do Eurico”, que terá sua estreia nesta segunda-feira no Globoplay. Serão cinco episódios diários ao longo desta semana – sendo que o último episódio estreará na sexta-feira – para contar a trajetória de um dos dirigentes mais polêmicos da história do futebol brasileiro.
– O Eurico não passa despercebido por ninguém. Alguns o consideram o maior dirigente da história do futebol brasileiro, enquanto outros o veem como um dos maiores malefícios da história do Vasco. Existe um lado vitorioso e também um lado controverso, polêmico e agressivo. Nossa intenção não é mudar a opinião de ninguém, mas sim contar a história completa do personagem – explica Rafael Pirrho, o diretor do documentário.
Eurico faleceu em 2019. Sua esposa, Sylvia, concedeu uma longa entrevista para a série, assim como os quatro filhos: Mário Ângelo, Eurico Brandão, Álvaro e Sylvia. Ex-jogadores, dirigentes, políticos e jornalistas também aparecem em depoimentos.
– Quem viveu o futebol dos anos 80 para cá não deve perder. É a história do dirigente mais marcante do fim do século XX e início do século XXI, com seus altos, baixos, sucessos, fracassos, suspeitas, conquistas, derrotas, acusações, conflitos… E o depoimento de sua esposa e de seus filhos, que viveram o lado pessoal dessa história. É um retrato do futebol brasileiro – e do Brasil – em cinco capítulos – ressalta Gustavo Poli, um dos responsáveis pela produção executiva do documentário.
O amor e o ódio despertado por Eurico ficam evidentes nas entrevistas dos familiares, assim como a obsessão pelo Vasco. O primogênito, Mário Ângelo, conta que o rádio do carro da família nunca tocava música, apenas programas esportivos. Quando o pai ouvia algo que desgostava, estacionava o carro e, nos tempos pré-celular, ia até o bar mais próximo, pedia o telefone e ligava para entrar ao vivo na rádio. Ouvir xingamentos de pessoas na rua era comum.
– Para mim, era perturbador. Sair com ele era ter certeza de que algo iria acontecer – revela o filho.
A viúva do dirigente reconhece que o Vasco ocupava quase todo o tempo do marido, que ingressou na política do clube ainda na juventude. Vice de Futebol de 1986 a 2000, Eurico assumiu a presidência vascaína em 2001, onde permaneceu até 2008 e para a qual retornou entre 2015 e 2017.
– Para ele, o Vasco vinha em primeiro lugar, seguido pelos compromissos e eventos do Vasco. Tudo que envolvesse o Vasco, envolvia também o Eurico. Tudo que envolvesse o Eurico, envolvia também o Vasco – relembra Sylvia.
Dentre as histórias contadas na série, estão algumas que entraram para o folclore do futebol brasileiro. O documentário revela, por exemplo, os bastidores da inclusão da logo do SBT na camisa do Vasco na final da Copa João Havelange de 2000, com entrevistas de pessoas ligadas ao clube naquela época, além de executivos da Globo e do SBT.
Já no primeiro episódio, lançado nesta segunda, a série detalha o retorno de Roberto Dinamite ao Vasco em 1980, primeira grande realização de Eurico Miranda à frente do clube. Após passagem pelo Barcelona, o ídolo vascaíno já concedia entrevista como reforço do Flamengo quando o dirigente pegou um avião para a cidade catalã. Eurico gostava de contar que, em reunião na sede do Barça, rasgou o contrato que seria firmado com o clube rubro-negro e garantiu o retorno do artilheiro a São Januário.
– Eurico mobilizou o Brasil inteiro para trazer o Roberto de volta – admite Michel Assef, dirigente do Flamengo à época.
O retorno do ídolo tornou o dirigente popular entre os vascaínos, reconhecimento que aumentou com os títulos e anos depois com outro “chapéu” no maior rival, a contratação de Bebeto em 1989. O documentário explica como o acirramento da rivalidade entre Vasco e Flamengo teve a participação direta e intencional de Eurico Miranda.
– Não há um dirigente no planeta Terra que seja insultado pela torcida do maior rival. Isso mostra que o Eurico prejudicou o Flamengo, prejudicou a torcida do Flamengo – diz o filho Eurico Brandão, conhecido como Euriquinho.
– Ele sempre quis que Vasco x Flamengo fosse o maior clássico do Brasil. Ele sabia que brigar com o Flamengo era a forma que ele tinha de fazer o Vasco se destacar do padrão do Fla-Flu – explica o repórter Eric Faria.
As polêmicas também fazem parte da série, como o assalto sofrido por Eurico ao retornar para casa com parte da renda de um Vasco x Flamengo em 1997 e as descobertas das CPIs instaladas no Congresso em 2001. Na ocasião, documentos mostraram que dinheiro do Vasco passava pelas contas de Aremithas José de Lima, um funcionário simples do clube que foi usado como laranja.
– Foi muito evidente na documentação o envolvimento direto do senhor Eurico Miranda. Naquela época, R$ 20 milhões desapareceram. Isso foi visualizado na conta do senhor Eurico Miranda e do senhor Aremithas, que era o laranja do senhor Eurico Miranda. Isso realmente mostra um saque. As provas são claras. As transações, os pagamentos. Pagamento de gráfica no período eleitoral da conta do Vasco da Gama. Houve uma promiscuidade que ocorreu, lamentavelmente – afirma o ex-senador Geraldo Althoff, relator da CPI do Futebol.
Entre os admiradores e críticos, há um consenso: a relevância do dirigente no futebol brasileiro nas últimas quatro décadas. É essa história que “A Mão do Eurico” aborda a partir desta segunda-feira no Globoplay.
A série tem direção de Rafael Pirrho, roteiro de Rafael Pirrho e Chico Trigo, produção de Vanessa Santilli e Gabriel Rigoni, produção executiva de Gustavo Gomes, Gustavo Poli e Renato Ribeiro, direção de fotografia de Edu Bernardes, montagem de Eric Romar, Clarisse Dworschak e Gabriel Barata e apoio técnico de Raphael Cyrne.
Fonte: ge