Nelson da Conceição, um dos primeiros ídolos do Vasco, deixou sua marca na seleção brasileira em 1923, o mesmo ano em que o clube conquistou seu primeiro título carioca. Há 100 anos, em 11 de novembro, o Brasil entrava em campo contra o Paraguai com o primeiro arqueiro negro da história da Seleção.
Na época, a seleção brasileira, liderada por Pelé, o maior jogador brasileiro de todos os tempos, contava com poucos negros em seu elenco. Até a estreia de Nelson, todos os arqueiros que haviam defendido a Seleção eram brancos. No entanto, a qualidade do jogador do Vasco falou mais alto, mesmo em meio ao racismo presente no país, ele se destacava como o melhor arqueiro do Rio, então capital do Brasil.
Neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o ge se baseia na pesquisa do historiador Walmer Santana, intitulada “As mãos negras do motorista Nelson da Conceição: futebol e racismo na cidade do Rio de Janeiro”, para contar a história de um dos integrantes dos Camisas Negras, lendário time do Vasco.
Quem era Nelson da Conceição?
Nelson nasceu em 12 de agosto de 1899, em Nova Friburgo, no interior do Rio de Janeiro. Mudou-se para a capital e começou a jogar partidas oficiais de futebol aos 15 anos. Iniciou a carreira em 1915, no Paladino Football Club, agremiação filiada à Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA). Em 1916, já atuava pelo Engenho de Dentro Athletico Club, onde conquistou o tricampeonato da Liga Suburbana. Em 1919, foi contratado pelo Vasco.
“Ao ingressar no Vasco, Nelson era motorista de praça (taxista) no Engenho de Dentro, profissão proibida pela Liga Metropolitana. Jornais do Rio de Janeiro destacavam esse fato, denunciando sua condição, que para parte da elite carioca era considerada inapropriada para a prática do futebol na entidade mais rica que administrava esse esporte”, contou o historiador Walmer Santana em entrevista ao ge.
“Há relatos do ex-jogador Paschoal, campeão com o Vasco em 1923, de que os jogadores vascaínos eram insultados e agredidos com pedras devido à presença de negros na equipe. Mario Filho, na obra ‘O Negro no Futebol Brasileiro’, também relata acontecimentos envolvendo Nelson a partir de 1925, quando o goleiro era alvo de pedradas por parte de sócios dos clubes adversários durante as partidas”, complementou.
Para ser aceito pela liga, Nelson precisou abandonar a profissão de taxista. Com auxílio do Vasco, o arqueiro passou a trabalhar na Casa Alberto, uma chapelaria pertencente a um torcedor do clube.
Fora do comum
Apesar de todas as retaliações, principalmente vindas de dirigentes e torcedores rivais, além da própria imprensa, Nelson resistiu ao pedido de exclusão feito pela AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos), que resultou na famosa Resposta Histórica do Vasco em 1924.
Na ocasião, a liga demandou que o clube excluísse 12 atletas, negros e operários, de seu elenco para poder continuar participando do campeonato. O Vasco se recusou a atender à solicitação e não disputou a competição em 1924. No entanto, Nelson não estava entre os listados. Por quê?
“A diferença estava na excepcional qualidade dele como arqueiro e em seu desempenho nos principais palcos do Rio de Janeiro. Nelson já despontava como um dos melhores arqueiros da cidade em 1919, tendo conquistado três títulos na Liga Suburbana com o Engenho de Dentro”, explicou Walmer.
“No Vasco, ele conseguiu levar seu futebol para a principal liga da então capital do Brasil e foi peça fundamental na ascensão do clube à elite carioca, além de contribuir para as principais conquistas vascaínas. Em 1923, quando o Vasco se sagrou campeão carioca, as atuações de Nelson foram determinantes, o que foi amplamente noticiado por diversos jornais da época. Foi graças a essas atuações que Nelson foi convocado para a seleção brasileira. O título de 1923 consagrou sua posição como melhor arqueiro do Rio de Janeiro”, acrescentou o pesquisador.
Seleção brasileira
Em alta no Rio de Janeiro, como titular da seleção carioca, Nelson conquistou seu espaço na seleção brasileira em 1923. Ele foi o arqueiro do Brasil no Campeonato Sul-Americano, no qual a equipe não teve um bom desempenho. Porém, houve a conquista da Taça Rodrigues Alves e da Taça Confraternidad Brasil-Argentina.
Jogos de Nelson pela seleção brasileira:
- 11/11/1923: Brasil 0x1 Paraguai – Campeonato Sul-Americano
- 18/11/1923: Brasil 1×2 Argentina – Campeonato Sul-Americano
- 22/11/1923: Brasil 2×0 Paraguai – Taça Rodrigues Alves
- 25/11/1923: Brasil 1×2 Uruguai – Campeonato Sul-Americano
- 28/11/1923: Brasil 9×0 Combinado de Durazno (Uruguai) – Amistoso
- 02/12/1923: Brasil 2×0 Argentina – Taça Confraternidad Brasil-Argentina
- 09/12/1923: Brasil 0x2 Argentina – Copa Roca
Um artigo do jornal “O Paiz”, de 27 de novembro de 1923, destacou a boa atuação de Nelson pela seleção brasileira, apesar dos resultados negativos no Campeonato Sul-Americano:
“O trio brasileiro foi o melhor do campeonato: Dos quatro trios que competiram no 6º campeonato sul-americano, o melhor, segundo informações recebidas de Montevidéo, foi o da equipe brasileira. Nelson Conceição, Sylvio Serpa (Allemão) e Orlando Pennaforte, formaram o trio de destaque do certame em Montevidéo.
Nos três jogos, esses três valentes e destemidos jogadores brasileiros demonstraram seu jogo excepcional, empolgando constantemente as grandes plateias. A esse trio de jogadores cariocas, o time brasileiro deve o fato de não ter sofrido derrotas expressivas.
Houve partidas em que os três futebolistas brasileiros suportaram durante 90 minutos os ataques dos oponentes, exigindo deles muito esforço para marcar um gol. Aos protagonistas do destaque sul-americano, nossas congratulações.
Ídolo do Vasco
Nelson da Conceição estreou pelo Vasco em 23 de março de 1919, no triunfo por 1 a 0 sobre o River/RJ, pelo Torneio Início da 2ª Divisão da LMDT (Liga Metropolitana de Desportos Terrestres). Sua última partida pelo clube aconteceu em 17 de julho de 1927, na vitória por 2 a 1 sobre o América do Rio, em jogo válido pelo Campeonato Carioca.
A pesquisa de Walmer Santana é crucial para compreender a trajetória de um grande ídolo do Vasco em um contexto social que não facilitava a ascensão de pessoas negras.
“Ele representa parte da história da ocupação de espaços antes reservados apenas para brancos por negros. Graças à sua qualidade técnica, ele chegou à posição de arqueiro da seleção carioca e da seleção brasileira. Nelson se encaixa no papel de ídolo histórico do Vasco, sendo um dos melhores arqueiros da história do clube. Ele simboliza o êxito da política de inclusão de pessoas socialmente excluídas que o Vasco promove desde o Remo”, ressaltou Walmer.
Mesmo após o título de 1923 e a convocação para a seleção brasileira, Nelson não foi bem recebido pela sociedade carioca. No Campeonato Carioca de 1925, ainda sem São Januário, o Vasco optou por mandar suas partidas no Estádio das Laranjeiras.
“Nas crônicas, Mario Filho relata que os torcedores e sócios do Fluminense posicionavam-se atrás da meta de Nelson para insultá-lo”, apontou Walmer em sua pesquisa.
Nesse contexto, o Vasco decidiu jogar no campo do Flamengo, na Rua Paissandu: “Além das ofensas, Nelson tinha que lidar com pedras atiradas pelos sócios do Flamengo, que se agrupavam atrás dele”. Apenas quando o clube passou a atuar no campo do Andaray e permitiu somente a presença de torcedores vascaínos atrás da meta defendida por Nelson, é que o arqueiro encontrou paz. Ainda em 1925, ele recebeu a braçadeira de capitão da equipe, coroando seu prestígio no clube.
Mesmo após deixar o Vasco, o arqueiro permaneceu como sócio do clube. Ao todo, Nelson da Conceição disputou 192 jogos pelo Vasco, com 123 vitórias, 27 empates e 42 derrotas. Nelson faleceu em 24 de abril de 1942, no Hospital Graffrée e Guinle, onde estava internado custeado pelo clube.
Fonte: ge