O parecer de um juiz recomendando a proibição de São Januário, após um tumulto no estádio em junho, causou indignação, especialmente entre os moradores da Barreira do Vasco, uma comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro.
O Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos enviou um relatório ao Ministério Público solicitando investigação. No entanto, as palavras do juiz plantonista, Marcelo Rubioli, viralizaram.
Rubioli escreveu: ”Para explicar a completa falta de condições de funcionamento do local, desde a área externa até a interna, vemos que todo o complexo é cercado pela comunidade da Barreira do Vasco, de onde frequentemente são ouvidos sons de disparos de armas de fogo provenientes do tráfico de drogas lá estabelecido, o que gera uma sensação de insegurança ao chegar e sair do estádio. São ruas estreitas, sem espaço para escapar, que sempre ficam cheias de torcedores se embriagando antes de entrar no estádio”, afirmou o juiz.
O texto foi escrito após a derrota para o Goiás, na 11ª rodada do Campeonato Brasileiro. Torcedores do Vasco lançaram fogos de artifício, danificaram estruturas e entraram em confronto com a polícia, que chegou a disparar tiros (veja na reportagem abaixo). Não houve relatos de feridos graves.
”Uma tristeza e a certeza de que ainda existe discriminação e racismo em relação a uma favela. Venha conhecer durante os jogos para ver. Não há essa criminalidade, essa violência que nos atribuíram. Favela de paz”, disse Vânia Rodrigues da Silva, presidente da associação de moradores.
Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB, considera o relatório ”enraizado em preconceitos”.
”Estabelece antecipadamente um conceito sobre algo que ele, na verdade, não conhece. Quando ele diz que a Barreira do Vasco é um local conflituoso, com comumente ouvidos sons de disparos de armas de fogo, ele não baseia isso na realidade. Considerando que aquele território é um território com menos conflitos do que regiões da cidade que não são favelas e onde se ouvem mais tiros”, disse Mondego.
Para a coordenadora do Redes da Maré, Pâmela Carvalho, o discurso revela uma perspectiva ”equivocada” e ”até mesmo perversa” em relação às favelas.
”Essa perspectiva não é nova. Ela reflete uma visão histórica que enxerga as favelas apenas como lugares marcados pela violência. E é importante ressaltar também que esse debate não se trata apenas de futebol. Estamos falando também sobre direitos humanos e cidadania”, opinou.
O Vasco também se manifestou contra as palavras do juiz. Em comunicado, afirmou que ”o estádio de São Januário e as comunidades ao seu redor estão sendo alvo de ataques preconceituosos e elitistas”.
”Nosso estádio está sim, e com muito orgulho, localizado na Barreira do Vasco e próximo ao Morro do Tuiutí e à comunidade do Arará, e isso não gera violência nem insegurança para o público”.
Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado revela que, somente neste ano, o número de relatos de tiroteios nas proximidades de São Januário é o mesmo registrado nos arredores do Maracanã: 22 episódios.
O que o juiz diz
Procurado pela TV Globo, o juiz Marcello Rubioli afirmou que apenas relatou o incidente ocorrido no dia da invasão do estádio e que o trecho sobre a Barreira do Vasco foi retirado do contexto.
Rubioli negou que o objetivo do documento fosse ofender a comunidade ou os moradores da região, e sim garantir a segurança dos torcedores.
Prejuízo para o comércio local
Após o parecer, o Ministério Público solicitou e obteve na Justiça a proibição de São Januário. O Vasco recorreu e os jogos puderam retornar ao estádio, mas sem público.
O clube e o MP estão discutindo um acordo na Justiça para permitir a presença da torcida. Enquanto isso não acontece, os moradores da comunidade ao redor do estádio reclamam de prejuízo.
Muitas pessoas dependem do comércio nos dias de jogos. São bares, restaurantes, lanchonetes e ambulantes. Sem vendas, fica difícil fechar as contas.
Há 19 anos, o trailer de lanches da empresária Denise Coutinho é o meio de sustento da família. Agora, ela está preocupada: ”Muito triste de aguentar. Com o pouco que você ganha, coloca comida dentro de casa”.
”O dinheiro não circula e as pessoas precisam ter oportunidades. A Barreira precisa desse evento”, diz o empresário Paulo Arruda.
Fonte: G1