Em um sábado ensolarado antes do clássico entre Vasco e Botafogo, um som alto com uma música do saudoso rapper Sabotage chamava atenção para um estabelecimento que surgiu como um encontro entre amigos vascaínos usuários de cannabis e se tornou um local fixo de produtos relacionados à planta. Denominada de “Vasconha”, a loja está localizada a apenas 110 metros da entrada principal de São Januário.
No local, os clientes encontram uma variedade de itens ligados à maconha: sedas, piteiras, dichavadores, cuias, isqueiros, tesouras, camisas, bonés, além de outras curiosidades, como cervejas e chocolates com aroma e sabor de cannabis, que, apesar das características, não possuem substâncias psicoativas.
“Não comercializamos nada ilegal. Pode até causar curiosidade o chocolate e os produtos com terpenos que vendemos, mas não infringem a lei. Nosso chocolate contém terpeno [elemento orgânico responsável pelo aroma e sabor de vegetais] e não possui CBD e THC [princípios ativos da maconha]. Vendemos principalmente artigos de tabacaria e têxteis. Não negociamos drogas. Creio que a polícia, em dia de jogo, não se preocupa tanto com a Vasconha, pois não causamos problemas. Aqui é pura tranquilidade, as pessoas vêm para relaxar, tomar algo e se preparar para o jogo”
– Vinícius Santos, conhecido como “Cabeça”, membro da Vasconha
Judicialização da maconha no Supremo Tribunal Federal: ‘Primeiro passo’
Recentemente o STF optou por descriminalizar a cannabis no Brasil. Anteriormente desanimado com a abordagem do país em relação ao tema, Vinícius “Cabeça” agora enxerga esse movimento como um primeiro passo para possíveis avanços necessários.
“Estava bastante desanimado. Acredito que o Brasil está progredindo de forma gradual, foi um avanço importante. Essa questão dificilmente teria avançado nos governos anteriores. Dessa vez, houve uma aceitação um pouco maior na votação. Isso não significa a legalização do uso da maconha, mas acredito que beneficia o uso medicinal, que é uma preocupação nossa. Considero que é o início de um processo, mas não o bastante. Não podemos regredir, é crucial permanecermos vigilantes. Agora há um pouco mais de esperança”, ponderou.
Contudo, “Cabeça” ainda questiona como essa decisão será aplicada na prática, nas ruas e nos estádios. O STF estabeleceu um limite de 40 gramas para diferenciar usuários de traficantes.
“Ainda não sei como os policiais vão lidar com isso, acredito que eles mesmos tenham dúvidas, os profissionais que lidam com a questão ainda devem ter incertezas. Existe um limite aí, mas quem vai estar com uma balança para pesar na hora? Isso será motivo para interpretações diversas, cada um agirá de uma forma. É necessário um entendimento amplo, e não sei se temos isso no momento. Para mim, permanece tudo igual”.
Reconhecimento na Câmara Municipal
Em 24 de maio, a Vasconha foi um dos grupos que recebeu uma menção honrosa na Câmara Municipal como “coletivo antiproibicionista”. A iniciativa partiu da vereadora Luciana Boiteux (PSOL).
“São conquistas que vamos acumulando. Essa essência da causa não pode ser perdida de modo algum. É ótimo propagar a ideia, porém, se não partirmos para a prática, o que podemos fazer diante do que observamos… Buscamos o debate. E para haver debate, precisamos estar engajados. Estamos avançando e acredito que conquistaremos cada vez mais”, analisou.
Atuação em prol do autismo
Estudos sobre a influência da cannabis medicinal em pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm despertado interesse na comunidade científica. Muitos relatos apontam benefícios em aspectos comportamentais e cognitivos.
André “Pintinho”, membro da Vasconha e pai de um filho autista, abraçou a causa e a levou para dentro do coletivo. Desde então, o grupo tem desenvolvido ações nessa linha e em breve disponibilizará gratuitamente abafadores de ouvido durante os jogos do Vasco em São Januário.
“O trabalho social da Vasconha na área do autismo é muito intenso. Vendemos adesivos e todo o valor arrecadado é destinado a ações sociais. A partir do próximo mês, emprestaremos abafadores de ouvido para crianças com deficiência. Não apenas autistas, mas qualquer pessoa com alguma necessidade especial. As famílias poderão vir até aqui, pegar os abafadores, assistir aos jogos e depois devolvê-los. A Vasconha não se resume ao universo da cannabis, mas também possui um viés cultural que vale a pena conhecer”, afirmou André “Pintinho”.
Fonte: UOL