Há um século, José Augusto Prestes enviou uma carta que transformou a trajetória do Vasco e do futebol brasileiro. No dia 7 de abril de 2024, a Resposta Histórica celebra seu centenário, marcando uma luta incansável contra o preconceito e a discriminação no meio futebolístico.
O pronunciamento comunicava a saída do Vasco da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), que havia demandado a exclusão de 12 jogadores do time campeão carioca de 1923, em sua maioria compostos por negros e brancos de origem humilde.
Reinaldo, ídolo do Atlético-MG, atuante no combate ao preconceito nas décadas de 70 e 80, enalteceu o papel do Vasco e da Resposta Histórica. O artilheiro ressaltou que sem a resistência ao racismo, o Brasil não teria conhecido o Pelé.
— O Vasco da Gama é uma instituição de destaque no futebol brasileiro. Ao tomar essa posição, dando o primeiro passo contra o preconceito, o clube elevou sua grandiosidade. É crucial continuarmos lutando contra o racismo e o preconceito. São atitudes criminosas e ofensivas — declarou Reinaldo, complementando:
— Essa batalha contra o racismo já tem cem anos, mantemos a luta contra o preconceito em curso. Segui o exemplo do Vasco, de José do Patrocínio. Considere o Brasil sem a presença dos negros em sua história, sem Pelé, nosso rei, paradigma de negritude.
Em entrevista de 2007, Pelé também enalteceu a relevância da história e da influência do clube em sua carreira, já que o Vasco foi essencial em sua convocação para a seleção em 1957.
— Minha jornada teve início no Vasco. Os mais novos talvez não se recordem, mas houve um amistoso entre Santos e Vasco, no Maracanã, em 1957, no qual vestimos a camisa vascaína. Nos consagramos campeões. Independente de ter sido o primeiro passo para os negros ou não, foi o que me abriu as portas na seleção brasileira. Deixo os parabéns ao Vasco por me proporcionar essa oportunidade — revelou Pelé em entrevista à TV Lance, em 2007,.
Inspiração e identificação com Léo
No atual elenco, os Camisas Negras influenciam positivamente o zagueiro Léo. Identificado com o Vasco, o jogador mencionou sua empatia com aqueles que enfrentaram a ameaça de exclusão no passado e almeja um futuro mais equitativo para todos.
— Eu consigo me colocar no lugar daqueles que transformaram a história. Foram alvos de tentativas de exclusão. “Ah, agora é preciso erguer um estádio”. E eles construíram. Existe a ideia equivocada de que nós, negros, almejamos superioridade em relação a alguém. Não buscamos isso. Desejamos igualdade, equidade de oportunidades. Essa carta não impactou apenas o futebol, impactou a sociedade como um todo.
Léo revelou que a narrativa vascaína influenciou sua integração ao clube e expressou sua identificação com a carta da Resposta Histórica, afirmando que, sem ela, não estaria no futebol.
— Muitos alimentam o sonho de ser advogado, jornalista, jogador de basquete. Essa carta reverbera globalmente. Minha conexão com o Vasco é profunda. Em apenas um mês aqui, parecia que eu já havia completado um ou dois anos de clube. Eu me vi naquela carta, nas palavras ali escritas. Um presidente que teve a coragem de redigir aquilo em um momento de oposição generalizada. Sou extremamente grato a Prestes (presidente à época), pois, sem essa carta, eu não estaria aqui. Faço parte dessa história, e por isso agradeço ao Vasco.
Constituição da equipe de 1923
O Vasco conquistou seu primeiro título em 1922, ao vencer a segunda divisão carioca. O time já era composto por jogadores, em sua maioria negros e oriundos de classes desfavorecidas, que seriam peças-chave no título da primeira divisão no ano seguinte. O historiador João Malaia explicou que o dirigente Raul Campos contratou destaques de outros times da liga suburbana, à margem dos grandes clubes, para formar os “Camisas Negras”.
— Anteriormente, o Vasco era uma equipe vulnerável. O dirigente Raul Campos desafiou as normas ao contratar jogadores, já que os times não podiam remunerar os atletas. Ele buscou em clubes proeminentes da liga suburbana os talentos que reforçaram o Vasco.
Estreante no campeonato carioca, o Vasco surpreendeu as potências futebolísticas do Rio de Janeiro daquela época, que abandonaram a Liga Metropolitana para fundar a AMEA.
— A maioria desses jogadores era negra ou proveniente de origens humildes, remunerados por suas atuações no esporte. As principais agremiações cariocas não tinham como contestar isso, então optaram por criar uma nova liga. Condição para a participação do Vasco era a exclusão de vários jogadores, incluindo os principais do clube, vitoriosos no Carioca de 1923 — divulgou João Malaia.
— O Vasco campeão evidenciou que, em circunstâncias equitativas, não há superioridade étnica ou racial. Para triunfar, é necessário estar em condições de igualdade. E prevalece o melhor — ponderou Walmer Peres, historiador vascaíno.
A Importância da Resposta Histórica
Nesse contexto emerge a Resposta Histórica. Em 7 de abril de 1924, o Vasco enviou uma carta, assinada por José Augusto Prestes, a Arnaldo Guinle, presidente da AMEA, recusando-se a libertar os 12 jogadores impostos a serem excluídos do elenco vascaíno pela associação.
— A Resposta Histórica não abordava raça, nem exclusão, nem na carta. Nós que posteriormente associamos esses temas, uma vez que a questão transcendia a raça. Além dos negros, havia a exclusão de brancos pobres do esporte — enfatizou Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
Assim, o Vasco optou por não participar do Campeonato Carioca organizado pela AMEA e manteve-se na Liga Metropolitana, onde conquistou novamente o título estadual em 1924.
— Em 1924, a AMEA, sem a presença do Vasco, somou 170 mil torcedores no somatório dos jogos. Em 1925, com o Vasco, o público ultrapassou 394 mil pessoas. Desenvolveu-se, então, um movimento político para readmitir o Vasco na AMEA — relatou o historiador João Malaia.
— O futebol se popularizou. A inclusão de negros possibilitou que muitos indivíduos de origem negra começassem a praticar futebol por questões econômicas. O debate iniciado a partir da Resposta Histórica do Vasco foi fundamental — acrescentou Marcelo Carvalho.
Fonte: ge