Quando a bola rola, a política vascaína continua cheia de tumulto. Na quarta-feira (11), a diretoria do Vasco se reuniu no Conselho Deliberativo para debater o pedido de recuperação judicial (RJ), proposto pela empresa Alvarez & Marsal (A&M), contratada pela gestão Pedrinho. A A&M está entre os responsáveis pela análise da reestruturação. O assunto em pauta incluía o debate e possível aprovação do pedido de RJ pela Associação – o que queria dizer luz verde ou sinal vermelho. Porém, a reunião foi paralisada após discussões acirradas entre conselheiros da oposição e da situação. A nova data para a sessão ainda é um mistério.
Como a conversa não foi transmitida para a torcida, a GDC se conectou com fontes diversas de correntes políticas do clube que compartilharam suas opiniões sobre os fatos. Em alguns casos, os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados.
SPC Brasil: O pedido de dívida é uma estratégia legal para que credores recuperem valores não quitados depois de tentativas frustradas de acordo. Então, na prática, fazer uma ação de cobrança é entrar na Justiça detalhando a dívida e avisando o devedor, para que ele possa começar sua defesa.
O que rolou?
Dois participantes da reunião – que não estão na gestão – conversaram com a reportagem e afirmaram que, para a maioria dos presentes, a proposição de RJ apresentada pela diretoria foi mal recebida, sem clareza sobre como iria conseguir o pagamento e de onde viriam os recursos. Por conta disso, muitos conselheiros acharam a ideia como irresponsável, sendo que, se o plano de RJ não for seguido, a Vasco SAF caminha para a falência.
“A falta de profundidade nessa questão deixou o Conselho bastante preocupado, pois é um tema muito sério e pode ser a última chance antes do colapso do clube. Resumindo, se não seguirem o plano, o Vasco vai à bancarrota. Como confiar e aprovar uma RJ sem informações? Isso poderia decretar o fim do Vasco.”
— Conselheiro Vinicius Machado, em seu Instagram
Conforme Helder Gama (nome fictício), fonte próxima aos opositores da Sempre Vasco (grupo de Pedrinho), um conselheiro da situação insinuou, antes da reunião, que a RJ seria uma forma do Vasco “respirar por dois anos” – o que coincide com o término do mandato atual. A oposição começou a insinuar que o presidente Pedrinho não tinha intenção de vender a SAF. A intenção seria levar o dirigente a se pronunciar sobre a negociação, mas ele se manteve calado durante quase toda a reunião do Conselho – de acordo com relatos de quem estava presente. Além disso, o conselheiro Leven Siano se mostrou contra a RJ e “estava criando confusão com muita gente”, segundo Gama.
O conselheiro Caio Torres (nome fictício) acredita que a oposição tinha o desejo de “turbinar” desde o início. Ele menciona que Leven – um dos líderes da oposição – questionou o Vasco ter saído do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT). Segundo Torres, Leven também afirmou que a RJ é “sentença de morte” no Brasil, dado o elevado número de falências.
No entanto, Torres explica que, inicialmente, a forma como o tema estava sendo conduzido era adequada. Elogiou o Presidente do Conselho Deliberativo, João Riche, que teria evitado um embate acalorado com conselheiros exaltados – integrantes da oposição que se opõem à venda, tentando desmerecer a reunião. O conselheiro Sérgio Frias, autor do livro “Eurico Miranda Todos Contra Ele”, teria argumentado que o Vasco deve permanecer como está, pois “sempre se resolveu” – ou seja, sem revenda do futebol. Apesar de considerar a fala de “bom tom”, Torres admitiu que o ex-presidente Jorge Salgado, contrário à recuperação judicial, “fez uma das melhores explicações desde que assumiu (a presidência) até agora”.
Segundo Torres, a temperatura subiu quando Paulo Salomão, 1º VP geral do Vasco, entrou de maneira “agressiva” na reunião com críticas às gestões passadas. O Presidente da Assembleia Geral Alan Belaciano também adotou uma postura parecida, mas confrontando diretamente Leven Siano: o conselheiro fez algumas perguntas que foram respondidas por Belaciano, mas não trouxe nenhuma solução. Uma fonte da situação confirma a história e, como Torres, diz que a reunião saiu do controle quando Belaciano ironizou as famosas cartas de intenção de crédito que poderiam render até R$ 5 bilhões para o Vasco, usadas por Leven durante a campanha eleitoral de 2020: “traz R$ 1 bilhão que a gente resolve”. A tensão quase resultou em briga física, e a reunião foi interrompida.
“Por que (a sessão) foi suspensa? Porque o João Riche, presidente do Conselho Deliberativo, percebeu que a diretoria perderia a votação caso prosseguisse. Pedrinho e sua equipe já buscavam votos para aprovar, ao invés de melhorar a RJ. Alguns conselheiros ligados a Leven Siano parecem estar se aproximando da base da diretoria. Nos próximos meses, poderemos ver alguns nomes voltando ao Vasco para ocupar cargos.”
— Helder Gama, à GDC
Torres confirmou à reportagem que, de fato, houve uma oferta de cargos a membros da oposição, embora não saiba especificar quais e para quais correntes políticas. No entanto, sugeriu que vice-presidências estão disponíveis e novas poderiam ser criadas para acomodar os conselheiros envolvidos. A Diretoria do Vasco, em contato com a GDC, negou essa informação: “Mentira”.
E a SAF, será vendida?
Não é novidade que, oficialmente, o presidente Pedrinho almeja vender a SAF do Vasco. O dirigente já deixou sua posição clara em diversas coletivas. Contudo, alguns conselheiros de oposição temem que a intenção da diretoria seja aprovar a recuperação judicial para tocar o clube até o fim do mandato, sem um investidor. Um exemplo é o ex-conselheiro Flavio Lopes, presidente da Comlurb e membro da Confraria Vasco, que se manifestou sobre o assunto em seu X (ex-Twitter). A Diretoria do Vasco nega essa alegação: “Mentira”.
Helder Gama comentou que a oposição, em sua totalidade, não é contra a recuperação judicial, desde que se tenha clareza sobre como e quando os pagamentos serão realizados. Segundo ele, muitos desconfiam que uma RJ feita às pressas serviria para “empurrar a venda com a barriga”, enquanto o clube corre o risco de falência por não cumprir suas obrigações. Ou seja, uma RJ aprovada após uma eventual venda da SAF traria segurança a diversos conselheiros, já que, em tese, o Vasco teria recursos para sanar as dívidas.
A GDC conversou com Edson Gomes (nome fictício), membro da situação, que reforçou a necessidade de vender o futebol: “O Vasco não tem solução de curto-médio prazo”. Gomes explicou que o Estatuto do CRVG não exige a aprovação do Conselho sobre a recuperação judicial, mas a diretoria decidiu trazer e aprovar o pedido na sessão. A reunião não tratou da venda da SAF em nenhum momento.
Gomes afirmou que “a recuperação judicial é um passo para realizar uma venda melhor”, e que a intenção não é protelar as tratativas pela Sociedade Anônima. Pelo contrário, foi claro: “estamos totalmente comprometidos com a venda (da SAF)”. Ele alegou que, enquanto não houver um novo investidor, a diretoria pretende enfrentar as dívidas do clube por meio de negociação com credores, RJ e aumento de receita. “Facilitadores, não dificultadores”, disse à reportagem.
Diretoria do Vasco, à GDC
“Enquanto o investidor ou a venda não se concretiza, a responsabilidade de manter as operações continua. A melhor venda, o dia a dia e a reestruturação do clube andam juntos.”
A GDC também indagou Gomes sobre os rumores de que existem vozes dentro da gestão contrárias à venda do futebol. Ele respondeu que se trata de uma “minoria insignificante”. Porém, Caio Torres apresentou uma versão (parcialmente) diferente: a maioria da Sempre Vasco apoia a venda da SAF, mas os poucos contrários estão entre as lideranças da chapa. Torres complementa que o presidente Pedrinho, provavelmente, deseja fazer o negócio, mas estaria sendo “influenciado” por membros da gestão a atrasar o processo. A Diretoria do Vasco, em contato com a GDC, negou: “Mentira”.
O ex-jogador Edmundo Souza, membro da Sempre Vasco, declarou em seu canal “Mundo Ed” que quem tem voz ativa na chapa são o presidente Pedrinho, o diretor técnico Felipe Loureiro, o Presidente da Assembleia Geral Alan Belaciano, o conselheiro Christiano Campos e o VP de Relacionamento com a SAF Marcelo Macedo, conhecido como Tangerina.
A Voz da Política
A GDC conversou com o ex-VP de marketing do Vasco, Vitor Roma, da Confraria Vasco, e com o conselheiro Julio Brant (2015-2026) sobre os últimos eventos da reunião do Conselho Deliberativo. Brant lamentou o tumulto, enquanto Roma, que não esteve presente, reiterou seu apoio à venda do futebol.
“Lamento que a reunião tenha chegado ao final crítico, pois trata de um tema técnico de suma importância para o futuro do Vasco. Que a diretoria adminstrativa possa, na próxima reunião, apresentar o plano de recuperação judicial proposto. Assim, o Conselho Deliberativo teria condições de encaminhar a aprovação ou reprovação do plano.”
— Conselheiro Julio Brant
“Espero apenas que o foco esteja na venda logo, buscando um investidor. Não teremos como nos destacar no futebol brasileiro sem um patrocinador forte. Isso deve ser o foco.”
— Ex-VP de marketing, Vitor Roma
A GDC também questionou a dupla sobre ser a favor ou contra a transmissão das reuniões para a torcida – pelo canal CRVG TV, do Associativo. É bom lembrar que, durante a gestão Salgado, as reuniões eram disponibilizadas gratuitamente no YouTube.
“Lamento que a reunião tenha chegado ao final crítico, pois trata de um tema técnico de imensa importância para o futuro do Vasco. Que a diretoria administrativa, na próxima reunião, apresente o plano de recuperação judicial proposto. O Conselho Deliberativo, assim, poderá encaminhar a aprovação ou reprovação do plano.”
— Conselheiro Julio Brant
“Lamento profundamente que uma reunião tão relevante não tenha sido transmitida para que os vascaínos pudessem acompanhar. Isso foi um grande avanço da gestão Jorge (Salgado) que se perdeu atualmente. Um assunto tão sério como uma possível recuperação judicial, que é o desejo da diretoria, não pode ser discutido às escondidas.”
— Ex-VP de marketing, Vitor Roma
Questionado sobre a falta de transmissões, Edson Gomes argumentou que isso se deve ao receio de vazamentos de questões estratégicas. No entanto, dentro da Sempre Vasco, muitos integrantes defendem a abertura das sessões para a torcida. Gomes também ressaltou a necessidade de ter a próxima reunião do Conselho para que a ata da sessão anterior seja aprovada – ou seja, o relato oficial do que ocorreu.
Diretoria do Vasco, à GDC
“Processos em segredo de justiça e informações confidenciais como balanços financeiros não serão reveladas ao público, seja por determinação judicial ou pela proteção das informações estratégicas do clube.”
Fonte: Guerreiros da Colina