Uma reunião especial. Neste sábado, o título da Libertadores de 1998 do Vasco completa 25 anos, e o programa “Tá na Área”, da sportv, trouxe quatro jogadores que fizeram parte de uma das maiores conquistas da história do clube: Carlos Germano, Luisinho, Felipe e Pedrinho. Em uma conversa animada e divertida que durou mais de uma hora, os campeões da América recordaram histórias dos bastidores, relembraram a trajetória desafiadora até o troféu e clamaram por mais reconhecimento dos ídolos pelo clube.
Assista à reportagem sobre o encontro no vídeo abaixo:
O bate-papo começou na hora do almoço. O primeiro a chegar foi Luisinho Quintanilha, volante que jogou no Vasco de 1991 a 2000 e foi campeão da Libertadores, duas vezes do Brasileirão, da Mercosul, do Rio-São Paulo e tricampeão carioca pelo clube.
Pouco depois, Carlos Germano, um dos maiores goleiros da história do clube, chegou ao bar do “Cachembeer”, na Zona Norte do Rio, cujo proprietário Marcelo é torcedor fanático do Vasco. Germano presenteou Marcelo com uma camisa personalizada, a histórica camisa verde que ele usava quando defendia o clube.
A conversa esquentou quando Felipe e Pedrinho chegaram juntos. A dupla inseparável desde o futsal do Vasco chegou com muito entusiasmo, assim como fizeram quando estrearam no time profissional do clube, em 1995. Até mesmo Germano e Luisinho não quiseram interromper a sintonia entre eles na mesa do bar.
– Deixa eles se sentarem juntos, formando a ala esquerda ali na mesa – comentou Germano, agora chamado por todos de “Vegetti”, devido à semelhança com o atual atacante do Vasco.
A vitória
– Foi uma alegria imensa. Depois de tanto tempo, é muito bom receber o carinho dos torcedores. Fico muito feliz em ser reconhecido por isso. No ano do centenário, no mês de aniversário do clube. Foi perfeito para o torcedor vascaíno – disse Carlos Germano.
E que alegria! O caminho até o título não foi nada fácil, é claro. Na fase de grupos, o Vasco enfrentou equipes fortes como Chivas e América, ambas do México, e o Grêmio. Sem vitórias nos três primeiros jogos fora de casa, os vascaínos brilharam em São Januário e se classificaram em segundo lugar. Luisinho lembrou das dificuldades e também comentou sobre uma brincadeira feita por Felipe e Pedrinho durante a conquista.
– A construção do time veio do Campeonato Brasileiro. Fizemos uma campanha incrível. Se fosse por pontos corridos, teríamos sido campeões muito antes em 1997. Foi quando surgiram vários craques habilidosos, como o Pedrinho e o Felipe, que arrasavam na esquerda. Eles falavam no vestiário: “Se a gente não subir, vocês vão acabar conquistando o tricampeonato estadual”. Depois que eles chegaram, os títulos começaram a surgir mais – disse Luisinho, que completou:
– Com as saídas de Edmundo e Evair, vieram Donizete e Luizão, jogadores que tinham as características necessárias para a competição. Isso foi muito importante para nós. Tivemos um começo difícil, mas, em São Januário, nos reunimos como grupo. Conversamos entre nós e conseguimos avançar para a próxima fase.
– Em termos de habilidade técnica, Edmundo e Evair eram muito melhores. Mas, como o Luisinho disse, Donizete e Luizão se encaixaram melhor na Libertadores. Aquele duo foi perfeito para a Libertadores. Eles eram lutadores, incansáveis – destacou Felipe.
Pedrinho mencionou a combinação entre jogadores experientes e jovens no elenco. O ex-jogador disse que os jogadores do time profissional assistiam aos jogos dele e do Felipe no futsal desde jovens, então os mais velhos já tinham uma proximidade e uma conexão com os mais novos. O diálogo a seguir demonstra como era essa intimidade.
Felipe: Agradeço a Deus por ter subido quando era jovem. Eu não me importava se ia jogar contra Cruzeiro, Grêmio ou em campeonatos estaduais. Eu só queria jogar futebol e me divertir. Essa foi a chave para o sucesso do Vasco. Tínhamos jogadores experientes, que sabiam da responsabilidade, e tínhamos jogadores jovens com muito talento. Não importava se eu enfrentasse o River Plate, eu só queria me divertir.
Pedrinho: Por isso que você tomava bronca, né? Você queria driblar na área.
Luisinho: Essa saída de tocar a bola na defesa e driblar lá atrás não existia naquela época. Ele fazia isso antes dessa moda.
Felipe: Quando a bola estava saindo, mandavam eu me virar. Por causa dessa “irresponsabilidade”, eu fazia várias coisas. Tem seu lado bom e ruim. No jogo contra o River na Argentina, na semifinal, tentei dar um drible na defesa, o cara roubou a bola, cruzou e o Sorín acertou a trave com a cabeçada. Queriam me matar. Aí eu falei: “Nas outras vezes em que eu driblei todo mundo, ninguém falou nada”.
Germano: Isso foi nos últimos minutos, não é, Felipe? Nos momentos finais, aos 40 e poucos minutos, você tentou aquele drible, perdeu a bola, ela foi cruzada e acertou a trave. Nós fomos atrás de você. E você respondeu: “calma, vou fazer de novo”. Mas era isso que o Vasco era, essa era a nossa força.
No mata-mata, o título veio com uma campanha derrubando gigantes – os últimos três campeões da Libertadores. O Vasco eliminou o Cruzeiro nas oitavas de final, o campeão de 97. Nas quartas, eliminou o Grêmio, que conquistou o título em 95. A classificação contra o Tricolor gaúcho veio dos pés de Pedrinho – com um gol no empate do primeiro jogo e outro na vitória do segundo jogo.
– Pedrinho foi importante nos jogos eliminatórios, nos jogos decisivos. Eu dei uma assistência para ele, isso também era normal. Ele nunca me deu nenhuma assistência – brincou Felipe.
O jogo mais marcante da campanha foi contra o River Plate, no Monumental, que até virou música com o gol de falta de Juninho Pernambucano. Sobre o confronto com os argentinos, que eram os campeões da competição em 96, Luisinho destacou que aquela foi a “final antecipada”, antes da decisão contra o Barcelona de Guayaquil, e deu aos jogadores a sensação de que eles seriam os campeões.
– Aquela semifinal foi emblemática, nos fez sentir que seríamos campeões da Libertadores. Pelo menos eu saí da Argentina com a sensação de que venceríamos o torneio. As pessoas mais experientes, que já tinham visto o rival vencer, sabiam do peso e das oportunidades que tínhamos. E o River Plate era o grande rival a ser batido. Nós vencemos aqui com uma bela vitória, que poderia ter sido ainda maior, e em Buenos Aires sabíamos que enfrentaríamos um time muito bem montado, com Gallardo, Estrada, Sorín, treinado pelo nosso técnico de hoje (Ramon Diaz). No segundo tempo, Juninho marcou aquele gol incrível que garantiu a classificação – disse Luisinho.
– Estávamos com um acerto a fazer com o River Plate. Em 1997, sofremos uma derrota expressiva lá. Aquele time era praticamente a seleção argentina. Quando voltamos de lá com o empate e a classificação, tínhamos a certeza de que seríamos campeões da Libertadores – destacou Germano.
Ainda havia a final contra o Barcelona de Guayaquil. Depois da vitória convincente por 2 a 0 em São Januário, com gols de Donizete e Luizão, o Vasco enfrentou um ambiente hostil no Equador para confirmar o título. O vestiário estava cheio de pó de macaco, as paredes tinham tinta fresca e os jogadores tiveram que passar por um corredor policial com escudos para entrar no campo, mas a equipe tinha as bênçãos do Pai Santana e uma vontade ainda maior de conquistar o troféu.
– Na verdade, a qualidade do nosso time era muito superior à do Barcelona. Eles tentaram nos prejudicar com algumas artimanhas, mas isso apenas nos motivou ainda mais a confirmar o nosso favoritismo – afirmou Felipe.
Entre os bastidores do título, os jogadores relembraram a festa que a torcida do Vasco fez para receber os campeões da América. Luisinho contou que Válber, um dos mais animados no vestiário, pediu para que a volta olímpica fosse realizada na Lagoa, o que resultou no famoso episódio da comemoração em frente à Gávea, sede do Flamengo. Pedrinho destacou o incrível apoio da torcida vascaína.
– A chegada foi emocionante. Nunca tínhamos vivido algo assim. Foi durante a semana, em uma quinta-feira, e o Rio de Janeiro parou. Sempre que chegávamos em São Januário era assim. Quando saíamos pela cancela, antes de entrar no estádio, não dava nem para ver o ônibus visualmente. As ruas estavam lotadas. O ônibus se movia praticamente junto com os torcedores. É emocionante recordar disso.
Críticas pela falta de reconhecimento
Ao serem questionados sobre se os jogadores que fizeram parte da histórica conquista do Vasco ainda mantêm contato, o quarteto revelou que trocam mensagens em grupos, ligam um para o outro e conversam regularmente. Para Carlos Germano, a relação continua forte como uma família, graças aos anos que passaram juntos no clube.
– Íamos assistir aos jogos do Pedrinho e do Felipe no futsal, como eles disseram. O pessoal ficava empolgado com o Pedrinho, porque ele fazia muitos gols quando era criança, com uns oito ou sete anos. Depois, nós que morávamos embaixo das arquibancadas, voltávamos para casa. Assim, construímos uma família desde cedo.
No entanto, Felipe criticou o fato de que deveria ser responsabilidade do clube manter esse contato entre os jogadores, além de mantê-los envolvidos com o Vasco, e fez uma crítica à falta de reconhecimento por parte do clube.
– Pessoalmente, a vida continua do lado de fora. Cada um tem suas próprias coisas para fazer, conversamos no grupo, às vezes, para perguntar como as pessoas estão. Mas eu acho que o reconhecimento deveria partir do clube. Eu fico chateado. As pessoas só querem prestar homenagens depois que a pessoa morre. Reconhecer a importância… estamos aqui gravando os 25 anos da conquista. Quantas vezes o Vasco reconheceu a gente e nos chamou para algo nesses 25 anos? Eu joguei mais tempo que eles, mesmo com algumas lesões, retornei ao Vasco em 2010 e conquistei a Copa do Brasil. Acho isso muito triste – disse Felipe, que acrescentou:
– Se, um dia, eu fosse presidente do Vasco – não que eu tenha essa pretensão – eu respeitaria e gostaria que os ídolos comparecessem. Gostaria que houvesse um lugar especial para os ídolos serem recebidos. Infelizmente isso não acontece. Principalmente com esses caras aqui (Germano e Luisinho), que foram importantes antes de nós, acho que não recebem o reconhecimento adequado. As pessoas esperam até que eles morram para fazer homenagens. Acho que não deveria ser assim. As homenagens devem ser feitas em vida, isso é o mais importante.
Pedrinho reforçou o pedido de reconhecimento feito por Felipe e enfatizou que não há críticas à torcida, que os homenageia de várias maneiras, mas destacou que os ídolos deveriam ser mais reconhecidos pelo clube.
– Em relação à torcida, não temos do que reclamar. A torcida nos homenageia o tempo todo de várias maneiras: canções, quando nos encontram, é a maneira que eles têm. A torcida tem muito carinho pela nossa geração e pela época de vitórias. O clube é construído pela sua própria história, mas os ídolos, pelos seus feitos, conseguem fortalecer e dar mais destaque ao nome do clube.
– Eu sou muito homenageado. Não tenho do que reclamar da torcida, tá? Quando o Roberto Dinamite era o presidente, tive a oportunidade de ter uma despedida. Felipe é o maior campeão da história do Vasco. Germano e Luisinho conquistaram tudo pelo Vasco. Eles passaram por momentos difíceis e depois conquistaram tudo. Seria bom ter um lugar especial, talvez, porque há muitas pessoas jovens que trabalham lá e não sabem quem é Pedrinho, quem é Luisinho. Quando você chega a São Januário, a pessoa pergunta o que você quer? – questionou Pedrinho.
Felipe destacou que esse não é um problema exclusivo do Vasco, mas ressaltou que os ídolos também são torcedores do clube. Germano e Luisinho concordaram e se juntaram ao pedido.
– É importante homenagear todos eles. Independentemente do que tenham conquistado, os ídolos merecem. Às vezes, eles só querem assistir a uma partida. Na verdade, eles são torcedores. Além de terem feito história no clube, eles são torcedores. Acho que isso deveria ser considerado com mais cuidado – ressaltou Felipe.
– O Vasco tem essas lacunas. E não deveria ter – concluiu Germano.
O bate-papo chegou ao fim. Pedrinho e Felipe voltaram juntos para casa, Luisinho e Carlos Germano ficaram para o almoço. Os quatro atenderam aos torcedores que apareceram no local e esperaram para conhecer os ídolos, que autografaram camisas e tiraram fotos, que serão expostas no mural do bar.
Registros de um reencontro para celebrar os 25 anos de uma conquista que ficará para sempre na memória dos vascaínos, que têm esperança em dias melhores.