Marina de Beth relata ter sido abordada por um funcionário conhecido como Doca, do centro de treinamento onde seu filho, de 10 anos, está matriculado, no bairro de Santa Cruz da Serra, por volta de maio, para comunicar-lhe que um olheiro entraria em contato. A mãe recorda que o suspeito fez diversas promessas.
— Um olheiro se apresentou, um estelionatário, na verdade, por intermédio de Doca, que é uma pessoa séria, caso contrário, não teria tido contato com o fraudador. Ele me telefonou, disse que estava interessado, enviou várias mensagens pelo WhatsApp, mencionando que haveria uma viagem para Santa Catarina, que a criança iria com um acompanhante e precisava dos meus dados. Ele atuava em conjunto com uma mulher chamada Adriana, que acredito que nunca existiu. Sempre que eu tentava contatá-la, não tinha sucesso, não podia atender chamadas, apenas enviar mensagens. Afirmou que não seria necessário pagar nada, somente a bolsa atleta no valor de R$ 370. E, caso desejasse, o montante de R$ 380 para exposição midiática, com a promessa de reembolso no mês seguinte em oito parcelas de R$ 1.150 — relatou ao GLOBO.
Na proposta encaminhada pelo fraudador, ele descreve que a bolsa atleta seria “uma garantia para o atleta caso ocorressem quaisquer lesões. E auxílio nas despesas pessoais do atleta (transporte, alimentação, entre outros)”. Para assegurar a vaga na viagem, que ocorreria de 6 a 15 de julho, era essencial realizar o pagamento antecipadamente.
Marina ainda destaca que seu filho passou por avaliações médicas para ingressar no clube, momento em que percebeu que algo estava errado no acordo. O jovem, que atua como goleiro, realizou consulta com cardiologista, ecocardiograma e exame oftalmológico.
— Agendaram exame oftalmológico em Botafogo, e foi a partir daí que fiquei desconfiada. Quando cheguei lá, o tal olheiro não conseguiu pagar e solicitou que eu fizesse um Pix do valor, afirmei que não podia, inventei uma desculpa sobre o aplicativo bancário e ele acabou pagando. Nesse momento, começou a inventar muitas histórias, que meu filho era a salvação para ele, que o contrato estava tudo certo, mas nada de assinaturas — detalhou.
Após esse episódio, a notificação aguardada por Marina chegou: não havia mais vaga no Vasco da Gama para seu filho. Assim, o falso recrutador levou a criança para treinar na Portuguesa, assegurando que no clube já havia lugar garantido.
— Quando fomos à Portuguesa, a farsa foi descoberta. Cheguei lá e descobri que qualquer pessoa podia treinar por lá pagando R$ 30 a diária. Logo em seguida, um grupo foi criado no WhatsApp com outros 38 pais que foram vítimas dele — relatou Marina, que não recuperou o valor investido.
Confira a proposta completa enviada pelo golpista:
“Olá, tudo bem?
Surgiu uma oportunidade de viagem para Santa Catarina de 6 de julho a 15 de julho.
O atleta que for viajar precisa pagar uma Bolsa Atleta, que é um INVESTIMENTO de R$535,00 com um RETORNO de 8 parcelas de R$ 1.150,00 de auxílio. Também há uma Taxa (Não obrigatória) de Direito de Imagem no valor de R$420,00 com retorno de 2 parcelas de R$900,00, com a primeira parcela de direito de imagem até 12/06/24, podendo sofrer alterações. E a Primeira parcela do Bolsa Atleta até o dia 23/06/24, podendo sofrer alterações. A viagem é do Clube de Regatas Vasco da Gama com direito a UM acompanhante, como Pai, Mãe, Tio ou Primos maiores de 18 anos para acompanhar o Atleta.
O que está incluso na Viagem do ATLETA + ACOMPANHANTE
• Passagem Aérea Ida e volta
• Hospedagem (Café da Manhã, almoço e jantar)
Tudo financiado pelo Vasco Da Gama.
O Clube também irá Custear todos os exames do Atleta
• Exame de vista
• Exame odontológico
• Eletrocardiograma
• Ecocardiograma
• Nutricionista
• Psicólogo
O que é a Bolsa Atleta
• Um seguro para o Atleta caso ocorra qualquer tipo de lesão.
• E ajuda nas despesas pessoais do Atleta (Transporte, alimentação, etc.)
Para confirmar a presença do Atleta na Viagem, o pagamento da Bolsa Atleta deve ser efetuado imediatamente. Para agilizar os procedimentos legais com os órgãos responsáveis.
Quaisquer dúvidas, contatar em privado para maiores esclarecimentos”.
Assim como Marina, Tamires Tavares também caiu na armadilha em junho. Ela menciona que o processo foi conduzido pelo mesmo colaborador da escolinha, apelidado de Doca, e que ele estaria envolvido na fraude ou possivelmente teria sido enganado, uma vez que “sumiu”.
— O Doca resolvia tudo conosco, ele era um dos treinadores da escolinha, o conhecíamos, mas não o Raphael. As coisas ficaram estranhas quando o Doca me passou o contato da suposta Adriana, que nunca existiu. O número dela era o mesmo do Raphael, tudo estava muito suspeito. Tratávamos tudo com o Doca, e quando as coisas desandaram, ele também sumiu, começou a dizer que também tinha caído no golpe, que também investiu nos meninos com o Raphael e saiu no prejuízo — declarou.
Tamires ainda desabafa que o pior para ela foi perceber a decepção de seu filho, de 6 anos, torcedor do Vasco da Gama, que estava empolgado para jogar no clube.
— Meu filho estava muito ansioso, ele é vascaíno, assim como nós. Já queria comprar chuteiras para estrear no clube, fez planos, entende? Quando contamos a ele, ficou muito desanimado, até com febre ficou. Agora está lidando bem com a situação e nem toca mais no assunto — mencionou.
Tanto Marina quanto Tamires não registraram um boletim de ocorrência sobre o caso. Elas informam que estão recebendo apoio do advogado criminalista do Vasco da Gama, Marcel Macedo, e foram instruídas a procurar a 17ª DP (São Cristóvão). O advogado e o clube não se manifestaram.
Em comunicado, a Polícia Civil informou que “o suspeito foi preso em flagrante pela 37ª DP (Ilha do Governador). A investigação está em andamento e sob sigilo”.
Fonte: O Globo