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Com amuletos do Candomblé pendurados no pescoço, guiado por seus Orixás, Oxóssi e Yemanjá, Paulinho trilha um caminho diferente do estereótipo habitual do jogador de futebol: busca se conectar com o mundo, a política e não se esquiva de expressar suas opiniões. O atacante do Atlético-MG retornou ao Brasil no ano passado após sua transferência do Vasco para o Bayer Leverkusen quando ainda era bem jovem. Enfrentou dificuldades na Alemanha e encontrou apoio em sua família, raízes, religião e práticas de autocuidado.
“Meu pai sempre diz que o samba tem o poder de curar.”
Logo em sua estreia no futebol brasileiro, ele foi o goleador do Brasileirão, somando 20 gols em 2023. Agora, com o Galo prestes a enfrentar duas semifinais, o camisa 10 falou sobre redescobrir o prazer por jogar futebol.
“Hoje, sou um cara muito feliz e realizado no Galo, vivendo momentos incríveis”.
Enfrentando uma lesão na canela da perna direita, Paulinho tem jogado sentindo dores, mas evita dar muitos detalhes sobre sua condição, tratamento e recuperação. Os jogos estão sendo cuidadosamente escolhidos para garantir sua presença em campo.
— Não posso entrar em muitos detalhes. Estou fazendo de tudo para estar pronto, especialmente para os jogos decisivos, pois quero contribuir de qualquer maneira para que o Galo atinja seus objetivos.
Paulinho em entrevista ao Abre Aspas do ge — Foto: Reprodução/ge
Sem evitar perguntas, ele comentou sobre sua ligação com o clube, a saída do Vasco, e o título com a seleção olímpica. O camisa 10 também abordou questões sobre intolerância religiosa e sua visão política sobre o Brasil e o mundo. Ao ser questionado sobre como enfrenta a intolerância religiosa, ele declarou:
— Minha família e eu seguimos nossos princípios e ideologias. Não se trata de fanatismo, mas de enxergar o que nosso país realmente necessita do nosso ponto de vista – Paulinho sobre seu posicionamento político.
“É algo que não deveria existir mais no mundo de hoje, e eu tento usar minha voz para combater esse preconceito através da informação e do diálogo. Sabemos que ainda é difícil enfrentar isso, não apenas nas redes sociais, mas também nos estádios, onde escuto muitos gritos de hostilidade, até mesmo da torcida do Galo”.
Volta ao Vasco
Paulinho iniciou sua carreira profissional no Vasco aos 16 anos. No dia seguinte ao seu 18° aniversário, ele já estava embarcando para a Alemanha para jogar pelo Bayer Leverkusen. Relembrando sua trajetória, o atacante admitiu que não estava emocionalmente preparado para deixar o Vasco.
— Eu não estava pronto para ir embora. (…) Emocionalmente, eu não estava preparado, especialmente para um país com uma cultura tão diferente da nossa — comentou o jogador.
“Naquela época, o Vasco precisava muito da minha venda. Se olhar para trás, a venda foi uma das únicas saídas financeiras para o clube na época, e eu fui praticamente forçado a sair. Foi uma jornada muito difícil”.
Vasco x Ponte Preta São Januário Paulinho gol — Foto: André Durão/ge
Na partida de ida, na Arena MRV, Paulinho balançou as redes e garantiu a vitória do Galo sobre o Vasco, com um placar de 2 a 1. Neste sábado, pela primeira vez, o camisa 10 retornará a São Januário, o templo onde começou.
“Vou entrar em campo em São Januário com um misto de emoções, pois será a primeira vez que jogarei contra o Vasco. A gratidão por tudo que o clube fez por mim é imensa. Contudo, hoje reconheço bem a camisa que represento, uma camisa gigante, que é a do Galo.”
Dados pessoais
Nome completo: Paulo Henrique Sampaio Filho
Nascimento: 15 de julho de 2000, no Rio de Janeiro, RJ
Carreira: Vasco, Bayer Leverkusen, Atlético-MG, seleção brasileira de base, olímpica e principal
Títulos: Sul-Americano sub-15 (2015), Sul-Americano sub-17 (2017), Campeonato Carioca sub-20 (2017), Torneio de Toulon (2019), Olímpiadas (2020), Campeonato Mineiro (2023 e 2024)
Abre Aspas: Paulinho
ge: quem é o Paulinho?
— Sou um cara determinado, consciente do que quero na vida, tanto no âmbito pessoal como na minha carreira profissional. Sou sonhador, lutador, guerreiro e muito valoroso à minha família. Também gosto de aproveitar a vida. Até aqui, aos 24 anos, sou feliz e realizado por ser um jogador de futebol e estar fazendo tudo que sonhei, tudo que planejei.
Como você se apresentaria?
— Nasci em 2000, no Rio de Janeiro, e fui criado na Vila da Penha, Zona Norte. Desde cedo, passei muito tempo jogando bola, sempre acompanhado por meu pai no mundo do futebol. Sempre tive uma família que me deu muito apoio, orientando-me nas diversas etapas da minha vida e carreira.
“Comecei a jogar futebol muito jovem, entrei para os profissionais aos 16 anos e tive que amadurecer rapidamente. No futebol, há uma exigência constante de amadurecer, e tive o privilégio de ter uma família que me apoiou nisso, algo que muitos jogadores não têm.”
Memórias da infância e do Rio de Janeiro?
— Minha infância foi marcada por muitas idas ao estádio, especialmente ao Maracanã. Quase todo fim de semana estava lá com meu pai, irmão e tios. Também fazíamos churrascos aos domingos. Meu pai jogava bola, e sempre corríamos atrás dele. Essas foram as melhores memórias. É verdade que, com 11 ou 12 anos, não tive uma infância convencional, pois as responsabilidades começaram a surgir; tinha que estudar e treinar muito.
— Perdi um pouco a vida comum, mas, ao mesmo tempo, a parte do futebol foi muito gratificante, e minha família sempre esteve ao meu lado. Apesar das privações, ganhei muito. Assim como meu pai e mãe, eles sempre trabalharam duro para nos proporcionar o essencial.
Como é sua relação com seu irmão? É verdade que você quase foi registrado com o nome de Edmundo?
— Meu irmão sempre foi meu fiel companheiro. Eu tenho três irmãos, mas o Romário foi quem mais cresceu comigo. Minha irmã casou-se jovem, tendo filhos cedo, e se afastou de casa. Com meu irmão, jogamos juntos, assistimos jogos e conversamos sempre, e isso continua até hoje. Hoje, estamos trabalhando juntos, cada um em sua área.
Paulinho com irmão, Romário, que é fotógrafo — Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal
— Quanto ao nome, meu pai sempre foi fã do Romário, então para ele seria uma honra nomear meu irmão como Romário. Já minha mãe, torcedora fanática do Vasco, queria que eu me chamasse Edmundo. Meu pai, sendo tricolor, manteve o nome dele, então meu nome é Paulo Henrique Sampaio Filho. Então, meu pai, que é Paulo Henrique Sampaio, acabou ficando com a responsabilidade de alçar o nome do filho ao Romário, e a minha mãe teve que se adaptar à escolha.
Quem eram seus ídolos na infância? E suas referências?
“Sempre torci para o Fluminense. Minha família era majoritariamente vascaína. Meu pai sempre nos levou aos estádios desde cedo. Uma das primeiras vezes que fui ao Maracanã foi quando Edmundo jogou pelo Fluminense, fazendo dupla de ataque com Romário. Meus pais sempre lembram disso”.
— Com o tempo, passei a ir a quase todos os jogos, especialmente durante a Libertadores de 2008. Estar ali despertou minha ambição de ser jogador, observando toda a festa, a grandiosidade do evento, ver os torcedores vibrando.
Como foi se tornar profissional no Vasco?
— Minha trajetória no Vasco começou antes de entrar no clube. Minha família sempre foi vascaína. O primeiro aniversário do meu irmão foi todo temático do Vasco. Quando jogávamos bola pelo bairro, meu pai era bem conhecido e sempre ouviamos que “nossos filhos jogam bem”. O diretor das categorias de base do Vasco, Humberto Rocha, que era amigo da família, nos incentivou a fazer testes no clube.
— Nos testes, o Vasco já estava montado, então fui para o Madureira, onde me destaquei em várias competições. Acabei artilheiro e embora houvesse propostas do Vasco e de outros clubes como Fluminense e Flamengo, minha conexão com o Vasco sempre foi forte. Com 10 anos, eu já estava jogando futsal no Vasco, e em um fundo emocional, minha história começou ali, e permaneci até os 18 anos, onde cresci não apenas como atleta, mas também como ser humano.
Expectativa para o confronto decisivo contra o Vasco pela Copa do Brasil?
— Ao entrar em São Januário, sentirei emoções intensas. A gratidão pelo clube que me formou é enorme, mas hoje carrego uma responsabilidade imensa ao vestir a camiseta do Galo. Este clube ajudou-me em momentos cruciais da minha vida, especialmente pessoas como Rodrigo Caetano, que foram fundamentais na minha recuperação e no meu prazer de jogar futebol.
Sobre o último jogo contra o Vasco no Maracanã, como foi ser xingado pela torcida?
“Na época, fiquei chateado com os xingamentos, mas entendo a paixão do torcedor brasileiro. É muito mais intensa do que na Europa, onde joguei. Já fui torcedor, sei o que significa ver um ídolo vestindo a camisa do adversário. Apesar disso, meu carinho pelo Vasco e pelo torcedor vascaíno ainda permanece”.
O que espera para este sábado?
— Espero um ambiente hostil. Sei que será uma partida muito desafiadora, com uma atmosfera que todo jogador gostaria de vivenciar, mas vou defender as cores do Galo e desejo garantir nossa passagem para a final da Copa do Brasil.
Como foi a sua convivência com Eurico Miranda? O que mais te marcou nesse período?
— Trabalhei sob a gestão do Eurico a partir de 2014. O ambiente era completamente diferente e a gestão familiar. Foi uma experiência boa, onde ele sempre fazia questão de passar a importância da história do Vasco.
“Nas partes da base, existia sempre o costume de respeitar a história do clube e isso impregnava, gerando uma característica admirável no jogador. Ele se certificava de que os atletas respeitassem a história do Vasco e se comprometiam com ele.”
Da estreia até a venda para a Alemanha, tudo foi muito rápido. Como foi sua chegada e adaptação na Alemanha?
“Quando fui para a Alemanha, emocionalmente, eu não estava pronto. Meu pai, no entanto, insistiu que eu fosse. O Vasco precisava da venda e eu fui praticamente forçado a sair. Isso foi muito difícil, fiz 18 anos um dia e no outro já estava viajando. Os seis primeiros meses foram complicados, mas depois me adaptei.”
— Sempre busquei o que desejava. Na segunda temporada, tive uma lesão grave e passei um ano fora. O acompanhamento das Olimpíadas foi fundamental para minha recuperação. Voltei maduro e mais focado após os Jogos. Minha vontade de voltar ao Brasil foi crescente, e quando o Galo me procurou, não hesitei.
Como cuidou de sua saúde mental enquanto estava na Alemanha?
“Meus pais e meu irmão vieram comigo. Se não fosse por eles, provavelmente teria voltado logo. O primeiro ano foi complicado, com a diferença cultural. Minha mentalidade sempre focou na recuperação e, por isso, consegui me manter firme. A falta de apoio psicológico na Europa também afetou, algo que os jovens jogadores que migram cedo também enfrentam.”
Como foram os primeiros contatos do Atlético? O que pesou na sua escolha? Quais outros clubes te procuraram?
“A confiança do Rodrigo Caetano foi fundamental, e o Palmeiras também demonstrou interesse. Eu senti que o Galo era o lugar ideal para eu retornar. O Coudet foi outro que me apoiou muito na minha decisão, e me ajudou na adaptação ao clube.”
O ano de 2023 é o auge da sua carreira até agora?
“Individualmente, sim. Foi o ano em que alcancei os melhores números e fui convocado para a Seleção. Espero conquistar os títulos que ainda busco na Libertadores e na Copa do Brasil, o que contribuirá para minha evolução e para a da equipe.”
Algum preconceito relacionado a sua religião?
“No Galo, não. Na época do Vasco, ainda estava me descobrindo no Candomblé. Aqui, o respeito sempre foi a prioridade, e os jogadores sempre me apoiaram.”
Como lidou com ataques nas redes sociais?
“Não me atinge, trabalho com minhas redes sociais de maneira restrita. Busco me cercar de boas energias, apesar de toda a toxicidade que existe. Exponho minha voz para lutar contra o preconceito.”
Você sente que houve uma quebra de paradigma ao se posicionar sobre questões relevantes?
“Sim, a repercussão foi muito maior do que eu esperava. Para mim, era natural abordar esses assuntos, e ver tantas pessoas se sentindo representadas foi importante.”
A cobrança para que jogadores se posicionem é justa?
“O futebol vive em sua bolha, mas entender a realidade de cada jogador é crucial. Nem todos tiveram as mesmas oportunidades e bagagem.”
Na eleição presidencial de 2022, você declarou seu voto abertamente. Se arrepende ou faria novamente?
“Nunca me arrependi. Defendemos nossos princípios e procuramos contribuir para um mundo melhor através da educação.”
Como sua passagem pelo Vasco moldou suas visões políticas?
“O Vasco é um clube que sempre lutou contra preconceitos. O Eurico acreditava que a história e a educação eram fundamentais para o futuro dos atletas.”
O Instituto Paulinho, como surgiu essa ideia?
“Minha mãe sempre esteve envolvida com a educação. Queríamos retribuir ao futebol e à educação. O projeto surgiu enquanto estávamos na Alemanha, percebendo a diferença em relação ao Brasil.”
Como é o trabalho do Instituto? E como vocês escolhem as escolas?
“A capacitação dos professores é o primeiro passo. Buscamos ver o aluno além das notas. Importante reconhecer que todos têm potencial.”
Qual é o perfil de Gabriel Milito como treinador?
“O Milito é intenso, motivador e sempre busca a vitória. Ele tem uma habilidade única de envolver toda a equipe e nos manter focados em nossos objetivos.”
Sobre sua emoção após a eliminação na Libertadores no ano passado. Como lida com pressão no futebol?
“Sou passional e minha emoção é uma parte crucial de meu jogo. Aceito minhas cobranças internas e externas, mas meu objetivo é desfrutar e dar tudo em campo.”
O que achou do rendimento da dupla entre você e Hulk, que diminuiu neste ano?
“A dinâmica mudou um pouco. No passado, jogávamos com uma estratégia mais reativa, enquanto agora estamos em um formato que permite maior distribuição de protagonismo entre os jogadores.”
Você teve o privilégio de marcar os primeiros gols da Arena MRV. Como isso te faz sentir?
“Foi emocionante. O Rodrigo me vendeu um projeto inspirador e é uma honra estar na história do clube.”
Como está o campo da Arena nesse momento?
“Tivemos dificuldades com o gramado que estamos tratando; as melhorias estão a caminho para facilitar nosso jogo.”
E sobre a lesão na perna, por que você não comentou antes de marcar?
“Eu tive um choque durante um treino, e com o tempo, jogando muitos jogos, isso se agravou. Agora, estamos ajustando minha carga de treinos para minimizar o impacto durante as competições.”
Expectativa para enfrentar o River do Gallardo?
“É uma semifinal de Libertadores, e sabemos da importância da partida. Nós vamos a campo determinados para lutar pela vaga na final.”
Você ainda sonha com a Copa do Mundo? E tem aspirações de jogar na Europa novamente?
“Hoje meu foco está no Galo e quero conquistar títulos aqui. A Seleção é um sonho, representar o país é algo extraordinário que buscarei sempre.”
Como ser criado por mulheres fortes impactou suas relações?
“Meu histórico familiar é repleto de mulheres robustas. Elas sempre estiveram ao meu lado, me apoiando em momentos difíceis e alegres.”
Além do futebol, sobre o que você gosta de conversar?
“Gosto de debater política, vida e cotidiano. Fui criado envolvido com música, meu pai era músico e sempre me incentivou a viver esses momentos culturais.”
Um samba que toca seu coração?
“Um samba que tem uma letra marcante é ‘Conselho’ do Almir Guineto. Meu pai sempre diz que o samba tem poder de cura.”
“Deixe de lado esse baixo astral
Erga a cabeça enfrente o mal
Que agindo assim será vital
para o seu coração
é que em cada experiência
Se aprende uma lição
Eu já sofri por amar assim”
Fonte: ge
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