– Boa tarde, tudo tranquilo? A senhora reside aqui?
Dona Sueli ficou surpresa com a pergunta. Afinal, todos que passam por ali sabem que aquela é sua residência. A amiga com quem estava conversando logo se despediu para que a catarinense de Lages pudesse compartilhar sua história. A história de quem habita há mais de 30 anos dentro do estádio do Marcílio Dias.
Ao adentrar no estádio, o torcedor depara-se com a secretaria, onde existe um centro de memória dedicado à história e conquistas do clube. Logo em seguida, encontra-se o departamento médico e, posteriormente, a casa de Sueli, que está localizada sob uma das arquibancadas.
– Acredito que este seja o único estádio de um clube profissional que tem famílias residindo aqui dentro – frisou um colaborador do Marcílio Dias.
O Maneca do Marcílio
Sueli foi cônjuge de Manoel Theotonio Santana, que a “vida toda” desempenhou a função de massagista no clube de Itajaí. O Maneca do Marcílio, como era conhecido por todos, veio a óbito em 2017 em decorrência de complicações do Diabetes.
– Ele veio para cá e não tinha quase nada. Quando eu o conheci ele já morava aqui. Era massagista, mas fazia de tudo no estádio. Ele conhecia todos os cantos, chamavam ele pra tudo – narrou Sueli ao ge.
Maneca era natural de Itajaí e Sueli nasceu em Lages, porém foi residir na cidade do esposo. Quando chegou a Itajaí, ela já era viúva e mãe de três proles. A residência escolhida tinha o Estádio Dr Hercílio Luz do outro lado da rua. E o futuro esposo dentro dele.
– Fomos morar juntos e posteriormente nos casamos. Ficamos casados por 25 anos, contudo coabitamos por mais de 30. Ele foi um excelente marido e padrasto, amava meus filhos. Vivíamos muito bem – afirmou.
– A partir dele construí muitas amizades, até porque eu o acompanhava para todo lugar, já que ele não dirigia, eu que o conduzia. Em todo lugar era “oi, Seu Maneca” – completou ela.
Após a aposentadoria no Marcílio Dias, Maneca continuou residindo dentro do estádio, porém passou a trabalhar no Itamirim Clube de Campo. Sua dedicação ao Marcílio rendeu homenagens. O departamento médico e uma das arquibancadas do Hercílio Luz carregam o nome do massagista.
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A residência de Dona Sueli passou por melhorias ao longo dos anos, com auxílio de dirigentes que passaram pelo Marcílio Dias. A cor da fachada, no entanto, permanece a mesma: azul e vermelha, cores do time. Ela ponderou sobre sair dali em algumas ocasiões para residir com os filhos, porém aprecia o lar que construiu ao lado do esposo.
– Para sair, seria necessário entrar em acordo com o presidente, buscar uma contrapartida, porém é complicado. Sigo por aqui, mas gosto muito de viver nesse local. A todo instante passa alguém, toma um café, e a porta está aberta para aqueles que são amigos – esclareceu Dona Sueli.
Uma “ex-aficionada” do Vasco
Sueli assegura que não enfrenta contratempos em dias de jogo. Mesmo com a janela da cozinha tendo vista direta para o campo – hoje, ela não consegue mais avistar o que ocorre no gramado porque a diretoria instalou uma proteção para restringir a área: “Não gostei, pois agora gera muita sombra na minha cozinha”, alfinetou ela. No entanto, em pouco tempo deu para perceber a agitação.
Para uma partida de grande magnitude como essa de terça-feira, contra o Vasco, o estádio necessita de uma estrutura mais eficiente. Por este motivo, enquanto escutávamos a narrativa de Dona Sueli, passava um grupo considerável de pessoas que estava trabalhando na preparação do evento. Ademais, o Marcílio Dias treinava ali próximo.
– Não há barulho, não. Cercaram aqui, a bagunça ficou para outro lado. Porém contra o Vasco, não sei, né? Vai lotar, imagino que até sairei de casa amanhã à noite.
A afirmação é de alguém que deseja se afastar da agitação, porém nem sempre foi assim. Sueli revelou que o Vasco foi o único clube para o qual torceu. Nem mesmo o Marcílio Dias teve esse espaço, apesar de ser grata e amiga de colaboradores e torcedores. Agora, aos 90 anos, ela não quer mais saber de futebol.
– Eu não torço para nenhum time. Maneca vivia pelo Marcílio e pelo Flamengo. Eu, quando jovem, torcia pelo Vasco, quando tinha por volta de 20 anos. Não sei por qual motivo, mas gostava. Possuía foto e autógrafo de jogadores. Morava em Blumenau e uma vez vim aqui a Itajaí para assistir a um jogo do Vasco – concluiu Sueli.
“Lene”, a vizinha
Se não tem mais a companhia do marido há mais de seis anos, Sueli conta com uma vizinha, Elenir. Lene, como é conhecida, cresceu no Hercílio Luz. É filha de Osny, que desempenhou as funções de zelador e roupeiro no Marcílio Dias. Ele divide com Maneca o nome de uma das arquibancadas do estádio.
Lene foi casada com um ex-jogador do Marcílio, que também passou pelo Botafogo: José Carlos, o Careca, falecido em 2016. Atualmente, reside com a filha Morgana na casa acima da de Sueli, onde viveu com o marido após seu retorno do Rio de Janeiro.
– Morar em um estádio é algo muito peculiar. Até mesmo pela curiosidade das pessoas. Temos uma história aqui, que iniciou com meus avós matern