Vitor se destacou como o único jogador brasileiro a conquistar a Copa Libertadores por três clubes diferentes. Antes de chegar ao Vasco, ele já havia triunfado com São Paulo e Cruzeiro. Contudo, três meses depois de sua chegada, o lateral-direito se tornou alvo de críticas por um erro decisivo em um dos maiores torneios: o Mundial. Um drible de Raúl em cima dele resultou na virada do Real Madrid, aos 38 minutos do segundo tempo, e a vitória garantiu o título aos merengues.
Ao longo das últimas duas décadas e meia, aquela jogada ainda assombra Vitor, que lamenta não ter conseguido dar ao torcedor vascaíno a alegria de um título que ele mesmo conquistou em 1992, quando ainda defendia as cores do São Paulo, ao vencer o Barcelona no Japão.
O ge conversou com o atleta após uma entrevista com Antônio Lopes, o técnico do Vasco em 1998, divulgada em agosto. Na ocasião, Lopes selecionou o lateral-direito entre os 11 melhores jogadores que treinou no clube. O vídeo foi compartilhado por Vitor nas redes sociais e trouxe uma sensação de alívio.
– Quando vi essa entrevista, me senti revigorado. Foi como se estivesse dirigindo com o tanque na reserva e alguém enchesse meu combustível. Isso renovou minha mente. Eu ainda me culpo pelo erro, mas essa lembrança me traz energia neste momento da minha vida – afirmou Vitor ao ge.
Durante uma entrevista de mais de duas horas, o lateral-direito que reside em Mogi Guaçu, no interior de São Paulo, compartilhou momentos marcantes de sua carreira vitoriosa. Além dos três títulos da Libertadores e do Mundial, Claudemir Vitor Marques também foi campeão brasileiro com o São Paulo e bicampeão da Copa do Brasil pelo Corinthians e Cruzeiro.
A novidade do segurança e o aprendizado com Telê Santana
Nascido em uma família humilde no interior de São Paulo, Vitor trabalhou nas lavouras para perseguir o sonho de ser jogador de futebol. Após passar pelas categorias de base do Guarani e da Ponte Preta, chegou ao São Paulo em 1988. Três anos depois, recebeu a boa notícia de que subiria para o time principal através de um segurança que acompanhava os garotos da base.
– No meu último ano na base, tive a oportunidade de jogar a Copa São Paulo, que é quando o técnico avalia se estamos prontos para o profissional. No jogo contra o Grêmio, na semifinal, Telê estava lá. Infelizmente, não conseguimos avançar. Estava jogando muito bem, indo pra cima, driblando… Fiquei muito triste pela eliminação, mas o segurança, chamado Julião, chegou e disse: “Por que a tristeza? Levanta a cabeça, ouvi que segunda-feira você se apresenta no profissional.” E foi exatamente isso que aconteceu – relembrou Vitor.
– Os ensinamentos do Telê foram fundamentais para mim. Ele nos fazia levar tudo a sério, era como uma escola. Telê era como um pai. Tudo o que ele dizia tinha fundamento. Na época, eu e os outros jovens achávamos que ele era exigente. O Moraci, o preparador físico, dizia que se Telê exigia, é porque se preocupava conosco. Eu sentia que ele me cobrava mais por eu ser mais jovem. Ele realmente se importava com nossas atuações nos treinos e queria que fizéssemos os cruzamentos corretamente. Telê foi quem me fez jogador – completou Vitor.
A parceria com Cafu e a busca pelo “bicho”
Vitor é apenas três anos mais jovem que Cafu, ícone também revelado pelo São Paulo. Os dois jogaram juntos no início dos anos 1990. Com Vitor se destacando, Telê Santana teve a audácia de deslocar Cafu para a meia direita, mas o multicampeão do mundo com a seleção brasileira em 2002 não se incomodou e até ajudou o novato a se consolidar no time.
– Para mim, ele era excepcional. Sempre destacado e determinado. Nunca reclamava, não discutia e respeitava a todos. Eu ficava no banco e buscava meu espaço. Se você entrasse em um jogo, seja como titular ou para a Seleção, isso contava. Estava construindo a casa da minha mãe e Telê sempre falava: “Não compre um carro, senão você vai acabar morando dentro dele”, por causa da experiência dele com jogadores que não souberam administrar seu dinheiro. Acompanhei os pedreiros nos cálculos, sempre esperando que o “bicho” me ajudasse – analisou o ex-jogador, completando:
– Assim que começava o jogo, quem jogava pegava o prêmio integral. Se você não entrasse, não ganhava. Eu dizia: “Cafu, eu preciso entrar nessa partida”. Se a gente estivesse ganhando e o final do jogo se aproximasse, ele simulava uma lesão e eu entrava. Mas não era só pelo dinheiro, eu observava os adversários, notava se o lateral estava atuando mal, e aproveitava os minutos para jogar pra cima. Fazia as jogadas e os cruzamentos, e a torcida ia à loucura. O pessoal brincava que Cafu não me daria espaço, mas ninguém sabia do nosso combinado. Ele me ajudava muito, sempre serei fã dele, foi com ele que minha carreira começou.
– Telê decidiu tirar Cafu da lateral para me colocar no time. Eu unia força, velocidade e impulsão. Era fácil chegar à linha de fundo e, se eu errasse um cruzamento, Telê ficava furioso. Ele ficava gritando do banco: “Não é possível, treinamos a semana toda”. Fazer um cruzamento errado fazia Telê levantar do banco: “Isso não existe”.
A contusão no Mundial do Vasco
Após conquistar a Libertadores com duas vitórias sobre o Barcelona de Guayaquil, o Vasco enfrentou o Real Madrid pela final do Mundial Interclubes em Tóquio, no dia 1º de dezembro de 1998. Os espanhóis abriram o placar com um gol contra de Nasa, aos 25 minutos do primeiro tempo. Na etapa final, Juninho Pernambucano igualou o marcador aos 11 minutos. O lance que ainda é lamentado pelos torcedores do Vasco aconteceu aos 38 minutos.
Vitor foi chamado para entrar no lugar de Vágner aos 36 do segundo tempo. Apenas dois minutos depois, Seedorf fez um lindo passe para Raúl. O lateral do Vasco foi tentar dar um carrinho, mas acabou driblado pelo atacante. Raúl rapidamente passou por Odivan e balançou a rede de Carlos Germano. A derrota por 2 a 1 deu o título ao Real Madrid.
A frustração dos torcedores vascaínos é compartilhada por Vitor, que acredita que não deveria ter participado daquela partida. O lateral-direito não jogava desde o dia 10 de outubro, quando se machucou em uma partida contra o Santos, pelo Campeonato Brasileiro. Ele torceu o joelho esquerdo e foi substituído por Maricá no segundo tempo (veja no vídeo acima). Ficou surpreso ao ser convocado para ir ao Japão e ainda se arrepende de não ter feito um exame mais detalhado.
– Fiquei muito abalado no Vasco, pois o erro foi em cima de mim. Faz parte, claro, mas não queríamos errar. Estou triste pela torcida. Peço desculpas, pois sei o quanto eles se dedicam ao time. Fico lamentando por não ter tido a sorte de trazer alegria a eles. Reconheço. Quanto ao torcedor do Vasco, não há o que discutir. No fim do Brasileiro, me machuquei contra o Santos e não joguei mais. Juninho Pernambucano também se machucou e rapidamente fez uma ressonância. Perguntei ao doutor Clóvis se eu poderia fazer também, pois ainda sentia meu joelho. Ele disse que não havia necessidade.
– Eu estava emprestado ao Vasco, meu passe ainda pertencia ao Cruzeiro. Não estava treinando, apenas me recuperando, mas decidiram que todos iam para o Mundial. Eu era o único com uma lesão mais séria, tanto que ficamos lá uma semana e não treinei, só me recuperei. Fui apenas para o treino final, que era um jogo de dois toques, e depois fui para o jogo. Isso não aconteceria no São Paulo ou no Cruzeiro. Hoje, diria que não deveria nem ir para o banco. Naquela época, meu ligamento cruzado estava rompido, e por isso fiquei receoso de fazer a ressonância. Como estava fortalecendo, não sentia dor.
– Depois de voltar, fui fazer um trabalho com o Nivaldo Baldo (fisioterapeuta) em Campinas e fiz a ressonância. Descobri que tinha o ligamento cruzado rompido. Acabei passando por uma cirurgia. Veja como isso afetou minha trajetória. Se tivesse feito a ressonância, tudo teria mudado. Não é desculpa, é fato. Eu não deveria ter jogado, mas não podia simplesmente recusar ir ao jogo, pois estava tratando lá. Isso me entristece. Não por mim, mas pelos torcedores, que não merecem isso. Quem joga está sempre sujeito a erros.
Vitor foi campeão da Libertadores com o Vasco em 1998 — Foto: Reprodução
Quatro dias depois, Vitor entrou em campo na final da Copa Interamericana, contra o D.C. United. O Vasco havia vencido o primeiro jogo por 1 a 0, mas perdeu a volta por 2 a 0. Ao todo, o lateral disputou 32 partidas com a camisa do Vasco. Apesar do percalço no Mundial, ele guarda lembranças afetuosas do tempo com Antônio Lopes e Eurico Miranda.
– Vejo o Lopes hoje como um paizão também. Era exigente, mas era honesto. Um homem de caráter. Por ser o comandante, era rígido. E sempre sabia quem estava enrolando. Tinha uma maneira espontânea de se comunicar com os jogadores. Antônio Lopes é uma pessoa que me renova, como se estivesse dirigindo com pouco combustível e alguém enchesse meu tanque. Isso renova minha mente. Eu me culpo pelo erro, mas ele me renova neste momento da minha vida. Para mim, Eurico foi um dos melhores dirigentes com quem trabalhei, sempre sincero. Não havia como enganá-lo, ele sabia quem realmente poderia vestir a camisa do Vasco. Eurico era autêntico, muito divertido e espontâneo – relembrou o ex-lateral.
A queda da arquibancada
Em 1995, enquanto atuava pelo Corinthians, Vitor viveu um episódio aterrador no Estádio Joaquim de Moraes Filho, em Taubaté. Após vencer o Vitória por 3 a 0, o lateral lançou sua camisa para a torcida. Nesse momento, a estrutura de proteção cedeu e várias pessoas caíram. O jogador pulou no fosso para socorrer os feridos. Por sorte, ninguém ficou gravemente ferido.
– Estava em um ótimo momento, sentindo a torcida vibrando, aplaudindo e gritando meu nome. Quando joguei a camisa, a cena foi chocante. A estrutura não era reforçada, todos correram para pegar a camisa, e o muro desabou. Parecia uma cena saída de um filme. Os outros jogadores já tinham saído do campo. Em segundos, pulei para ajudar os feridos. Depois de voltar ao vestiário, alguns colegas não tinham ideia da gravidade da situação. Isso me causou um trauma e, naquela semana, não consegui treinar. Às vezes, recordo e me emociono.
O golpe do “empresário” português
Antes do jogo contra o Real Madrid no Mundial de 98, Vitor teve a oportunidade de usar a camisa do clube espanhol. Sua passagem foi breve, mas a experiência no exterior foi positiva, apesar de um golpe que lhe custou US$ 50 mil.
– Durante os torneios Ramón de Carranza, Teresa Herrera… Minha forma de jogar despertou o interesse do Real Madrid. Eles queriam o Cafu, mas se interessaram por meu estilo agressivo. Naquela época, não tínhamos um agente que cuidasse de nossas carreiras. Fui emprestado, mas as pessoas sugeriram que eu permanecesse e jogasse o Mundial de 93 contra o Milan. O Cerezo sugeriu que eu segurasse, para que eu tivesse um tempo para me adaptar. Como poderia recusar? Eu queria ir para o Real Madrid naquele momento. Era uma aposta. Como meu estilo de jogo era muito energético, acabei me lesionando na coxa e demorei a me recuperar – revelou Vitor, concluindo:
– Eu tinha bônus a receber, e eles atrasaram o pagamento. Eram US$ 50 mil. Começaram a sair notícias de que eu estava machucado, e um cara me ligou dizendo que era de Portugal e que o Benfica estava interessado: “Você estava muito bem no São Paulo, você precisa jogar”. Eu, carente e em recuperação, fiquei impressionado. Ele perguntou se o Real Madrid tinha feito todos os pagamentos certinho, e eu comentei sobre o valor das luvas. Ele se ofereceu para ir a Madri resolver tudo. Ele chegou em um carro simples, mas disse que ajudaria a resolver meus assuntos e que ia levar o dinheiro para o Brasil. Peguei o dinheiro e, quando avisei a um amigo para recebê-lo no aeroporto, ele nunca apareceu. Acabei caindo em um golpe.
Vitor mora com a família em Mogi Guaçu — Foto: Arquivo pessoal
A temporada no Vasco marcou o fechamento de um ciclo glorioso para Vitor. Teve uma passagem pelo Botafogo, mas sofreu outra lesão que dificultou a continuidade de sua carreira: “Demorou para eu entender”, admitiu ele. Aposentado desde meados de 2007 – quando jogou a Segunda Divisão paulista pelo Inter de Limeira – Vitor se tornou coordenador de um projeto social de futebol para crianças e atualmente possui uma empresa que organiza eventos com times masters em várias cidades do Brasil.
Fonte: ge