Até aquele momento, o Flamengo estava vencendo o rival por 1 a 0, com gol de Vágner Love, e teve a possibilidade de ampliar a vantagem. No entanto, o Vasco conseguiu virar o jogo para 2 a 1 com gols de Alecsandro e Diego Souza, avançando assim para a final da Taça Guanabara contra o Fluminense.
Em uma entrevista exclusiva fornecida ao ESPN.com.br pela Betfair, Deivid relembrou o fatídico dia e revelou que há uma história interessante por trás do gol inesquecível. E, curiosamente, envolvendo o ídolo rubro-negro Zico.
Naquela época, Deivid estava em sua terceira temporada no Fla, após retornar da Europa em 2010. Devido ao lance, o atacante acabou se tornando alvo da torcida do Flamengo, o que resultou em sua saída para o Coritiba em agosto daquele ano.
“Foi realmente um lance incrível, pois a partida estava indo bem para nós, estávamos vencendo por 1 a 0, e de repente, em uma bola perdida, Léo Moura conseguiu salvar com um carrinho e fazer o cruzamento. Quando a bola passou por mim, na verdade, eu nem acreditava. E quando vi o Fernando Prass se aproximando, eu queria colocá-la no cantinho. No entanto, acabei acertando a trave. Lembro que, enquanto o jogo continuava, a imprensa já aguardava para entrevistar, houve até menção ao quadro “Inacreditável Futebol Clube” (da TV Globo), onde todos os que perdiam gols inacreditáveis colocavam a camisa. Eu fui o único que não participou”, recordou.
“Não estava acostumado a perder lances desse tipo. Tinha retornado da Europa, havia feito uma excelente Champions League pelo Fenerbahçe, marcando gols contra o Chelsea e Inter de Milão. De repente, perdi aquele gol. O que realmente marcou os torcedores do Flamengo (durante minha passagem) foi esse gol, pois ao chegar, foi criada muita expectativa em torno de mim. Todos queriam o Deivid campeão pelo Cruzeiro, Santos e Corinthians, um goleador. Quando me transferi para o Flamengo com 31 anos, houve essa expectativa. Estávamos reconstruindo a equipe, Vágner Love e Adriano haviam saído, então com minha chegada, veio o peso de ser a maior contratação daquele ano. Ficamos sete meses invictos, e depois, ao perder, sendo eliminados da Libertadores e do Campeonato Carioca com esse gol”, acrescentou.
Mesmo diante de toda a repercussão do lance, Deivid não se deixou abater. Antes de ingressar no Flamengo, o jogador havia alcançado sucesso em clubes como Santos, Corinthians e Cruzeiro, onde inclusive conquistou a Tríplice Coroa em 2003 com Vanderlei Luxemburgo. O ex-atacante também contou com o apoio de seus colegas de equipe para superar o momento delicado.
“Sempre fui muito resiliente. Não me deixava abater facilmente, tinha muita personalidade, muita força. Após perder o gol, todos no vestiário vieram conversar comigo. Todos os jogadores. ‘Mantenha a cabeça erguida, faz parte. Sabemos da sua importância na equipe’. Nosso grupo era muito unido. Claro que fiquei abalado, pois quando se perde um gol e logo em seguida a partida, se perdesse o gol e o Flamengo tivesse vencido, avançando para a final, não teria tanta repercussão. No entanto, por sairmos da Libertadores contra o Olimpia e, imediatamente depois, do Campeonato Carioca. Uma rivalidade intensa, numa semifinal, deixou uma marca muito forte. Mas é algo que faz parte. Quando você está em campo, precisa estar preparado para críticas, para situações como essa”, relembrou.
“Após perder o gol, vi todos os veículos de mídia. Ao chegar no centro de treinamento, a imprensa toda queria me entrevistar. Nosso diretor de comunicação disse: ‘Você não dará entrevista’. Eu respondi ‘eu irei, o foco sou eu, quero dar a entrevista’. E falei que as perguntas seriam sobre o gol perdido, inacreditável, e a consequente eliminação. Realmente, a culpa foi minha, foi um gol impressionante, se tivesse marcado, talvez teríamos feito 2 a 0, o Vasco não teria virado o jogo, mas são coisas do futebol. É preciso admitir, aceitar e seguir em frente. Ficamos um mês sem treinar, sem jogar, pois faltavam duas semanas para a final, e precisávamos do Campeonato Carioca para nos classificarmos no Campeonato Brasileiro, entre 20 a 30 dias até o início do Brasileirão. Isso também pesou muito, foi muito marcante, pois então vieram novas contratações, jogadores saindo e chegando”, explicou.
“Lembro da torcida do Vasco gritando meu nome, algo normal pelo contexto de rivalidade. Por exemplo, conquistei vitórias contra o Vasco, eliminando-os nas quartas de final pelo Cruzeiro, sendo campeão brasileiro pelo Santos enfrentando o Vasco, marcando vários gols contra o Vasco pelo Corinthians. Era conhecido por marcar gols contra times como Vasco, São Paulo e Atlético-MG. Ficou marcante a torcida do Vasco gritando meu nome, faz parte do futebol e deve ser encarado com leveza. Claro que preferimos ouvir elogios, mas críticas também são importantes para o crescimento pessoal e profissional. Esse episódio me fez evoluir em todos os aspectos”, concluiu.
Deivid encerrou sua passagem pelo Flamengo com 94 jogos, 31 gols marcados e 6 assistências. Em 2011, foi campeão carioca, conquistando seu único título pelo clube.
‘Foi uma maldição do Zico’
O que muitos desconhecem é que, anos antes do gol perdido, uma espécie de “praga” proferida por Zico, que atuava como diretor executivo do Flamengo em 2010 e repatriou Deivid, tornou-se realidade. Obviamente, tudo não passou de uma brincadeira, que é relembrada com bom humor pelo ex-atacante, que é um amigo próximo de Zico.
Isso porque, nos tempos de Fenerbahçe, quando a lenda rubro-negra treinava o clube turco ao lado de uma legião brasileira com Alex e outros jogadores, Deivid fazia piadas sobre o pênalti perdido por Zico na Copa do Mundo de 1986, nas quartas de final contra a França.
“Foi uma maldição do Zico. Eu costumava brincar com ele sobre o pênalti que ele desperdiçou na Copa, que decepcionou muita gente no Brasil. Então, depois que eu perdi aquele gol contra o Flamengo, ele disse: ‘nunca mais vai me zoar, agora você também ficou marcado'”, mencionou Deivid.
“Ele ia frequentemente em minha casa (na Turquia), fazíamos churrascos, os brasileiros se reuniam. Ele sempre comentava ‘aquele pênalti na Copa…’. Ele ficava bravo comigo”.
“Tínhamos uma amizade muito próxima, quase de ‘pai e filho’, isso culminou em minha volta ao Brasil. Tudo começou com uma ligação do Zico.”
“Ele me ligou e disse: ‘preciso de você. Preciso de um atacante e você é o nome’. Respondi: ‘ainda tenho mais dois anos de contrato aqui (no Fenerbahçe), não posso simplesmente abrir mão’. E ele: ‘venha, vamos cuidar disso. Pode vir’. Rescindi com o Fenerbahçe e retornei ao Brasil para jogar no Flamengo”, revelou.
“Eu senti a necessidade de voltar ao Brasil, Zico precisava de ajuda lá. O Flamengo estava desmantelando o elenco. Fui apenas por causa dele. Era o Flamengo, e eu já havia trabalhado com ele”, concluiu.
Fonte: ESPN