Em um julgamento na tarde da última quarta-feira, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu manter a proibição de público em São Januário. Por dois votos a um, o estádio continuará com os portões fechados, mas poderá receber jogos sem torcida. O Vasco irá recorrer da decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
No acórdão – a decisão em grupo publicada após o julgamento -, a desembargadora e relatora do recurso em segunda instância do Vasco apresentou as razões pelas quais manteve o estádio inaugurado em 1927 fechado para receber torcedores vascaínos.
Ela mencionou até mesmo um caso anterior ao jogo contra o Goiás em 22 de junho, quando se referiu ao vandalismo praticado por alguns “torcedores” – termo colocado entre aspas pela própria relatora do voto – após o clássico contra o Flamengo no Maracanã, com vitória do Flamengo por 4 a 1. O jogo aconteceu no início do mês de junho.
“E, a situação se torna ainda mais evidente quando relembramos o que aconteceu no último dia 05 de junho, quando, após uma derrota do Vasco da Gama para o time do Flamengo, no estádio do Maracanã, um grupo de indivíduos se dirigiu a São Januário e lá promoveu mais atos de vandalismo e desordem, colocando em risco desnecessariamente um grande número de pessoas”, diz um trecho do voto da relatora.
A desembargadora também culpou o próprio Vasco pelo atraso na realização da perícia, que ainda não tem data marcada. Isso também depende da aceitação dos termos do pedido da perita indicada – segundo informações, os honorários pedidos são de quase R$ 1,4 milhão.
“…o fato é que a perícia determinada pelo juízo de origem na decisão contestada ainda não foi realizada, e a perita nomeada apresentou seus honorários em 22.08.2023, já que somente no dia 31.07.2023, o clube recorrente cumpriu com o comando judicial e apresentou as questões a serem respondidas/esclarecidas pela profissional designada.
Portanto, o atraso justificado na elaboração do laudo pericial decorre inevitavelmente da atuação do clube na primeira instância, já que, conforme se pode perceber da simples leitura da decisão questionada, o prazo determinado pelo juízo para a entrega só começaria quando as questões fossem apresentadas pelas partes, o que, como visto, ocorreu há menos de 30 dias”, relata a desembargadora Renata Cotta.
A magistrada também observou que o Vasco não apresentou “nenhuma prova” de prejuízo financeiro e cancelamento de sócios-torcedores por não poder atuar em seu estádio. Ela concluiu que, pelo menos neste momento do processo, não é possível afirmar que o clube está cumprindo adequadamente sua obrigação de fornecer a segurança necessária aos eventos realizados no estádio de São Januário.
Veja a íntegra do voto no acórdão
“V O T O
O presente agravo de instrumento é interposto pelo Vasco da Gama Sociedade Anônima do Futebol contra a decisão que deferiu o pedido de tutela provisória de urgência, em ação civil pública, nos seguintes termos:
“A presente lide trata de um pedido do Ministério Público para garantir a segurança dos torcedores e participantes de eventos esportivos realizados no Estádio de São Januário, especialmente após a ocorrência de atos generalizados de violência, dentro e fora do estádio, no dia de ontem (22/06/2023), que colocaram em risco torcedores e participantes do evento esportivo.
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que a concessão da tutela provisória de urgência requer a demonstração dos requisitos estabelecidos no artigo 300 do Código de Processo Civil, ou seja, a probabilidade de existência do direito material alegado pelo demandante, o perigo de dano e a reversibilidade dos efeitos da decisão. Ao analisar os autos, verifico que estão presentes os requisitos para a concessão da medida. É importante lembrar que a segurança é um princípio fundamental do esporte, de acordo com o artigo 2º, XVI, da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023):
Art. 2º São princípios fundamentais do esporte:
XVI – segurança. Além disso, o legislador, consciente da importância da segurança nas competições esportivas, tratou detalhadamente do assunto na
Subseção II da Seção II do Capítulo IV da Lei nº 14.597/2023: Subseção II.
Da Segurança nas Arenas Esportivas e do Transporte Público.
Art. 146. O espectador tem o direito à segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a disputa ou jogo. Parágrafo único. Deve-se garantir a acessibilidade para espectadores com deficiência ou com mobilidade reduzida. Ressalta-se, ainda, que, de acordo com o art. 149 da Lei Geral do Esporte, a responsabilidade pela segurança do espectador em um evento esportivo é da organização responsável pelo evento e de seus diretores, que devem:
I – solicitar a presença de agentes de segurança pública devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos espectadores dentro e fora dos estádios e locais de eventos esportivos, ao poder público competente;
II – informar imediatamente os órgãos de segurança, transporte e higiene pública sobre a realização da partida, com dados como local, horário de abertura do estádio, capacidade do estádio, expectativa de público;
III – disponibilizar orientadores e serviços de atendimento para que os espectadores possam registrar reclamações durante o evento em local amplamente divulgado e de fácil acesso, especialmente pela internet, e localizado no estádio;
IV – disponibilizar um médico e dois enfermeiros devidamente registrados em seus conselhos profissionais para cada 10.000 torcedores presentes;
V – informar a autoridade de saúde sobre a realização do evento.
§ 1º O responsável por direitos de arena deve disponibilizar uma ambulância para cada 10.000 torcedores presentes ao evento. § 2º A organização esportiva responsável pelo evento deve resolver imediatamente e, sempre que possível, as reclamações feitas no serviço de atendimento mencionado no inciso III deste artigo, bem como relatá-las ao ouvidor da competição e aos órgãos de proteção e defesa do consumidor quando violarem direitos e interesses dos consumidores.
Portanto, ao examinar os elementos probatórios apresentados, especialmente as imagens constantes nos links abaixo, entendo adequada e razoável a decisão de acolher o pedido de liminar do Ministério Público para proibir o acesso ao Estádio de São Januário até que seja demonstrado que o estádio possui as condições necessárias para sediar eventos esportivos:
Devo destacar que fica claro com as informações constantes nos autos que, no dia 22/06/2023, torcedores e demais participantes do evento tiveram seu direito à segurança violado pelos atos criminosos de um grupo de indivíduos e pela falta de estrutura física básica e preparação dos funcionários do clube para lidar com a situação e garantir a evacuação rápida dos torcedores do caos que se instalou dentro e fora do estádio. Além disso, mesmo que não haja uma ligação direta entre os atos de violência e o clube, é necessário garantir a segurança dos torcedores, interditando temporariamente o Estádio de São Januário até que se comprove a existência de condições de segurança através de laudos técnicos atualizados emitidos por órgãos estatais e pela perícia técnica determinada pelo juiz. Nomeio a perita ELEONORA GASPAR SCARTON, engenheira civil, CREA-RJ 42362D. Portanto, considerando o último incidente no Estádio de São Januário, é evidente, pelo menos em uma análise preliminar, que o estádio não possui as condições mínimas para a realização de partidas de futebol. Com base nisso, concedo a tutela provisória para interditar o Estádio de São Januário até que seja comprovada a presença das condições necessárias para sediar eventos esportivos através de laudos técnicos atualizados emitidos por órgãos estatais e pela perícia técnica determinada pelo juiz. Nomeio a perita ELEONORA GASPAR SCARTON, engenheira civil, CREA-RJ 42362D. Intime-se a perita para confirmar se aceita o encargo e cumprir o estabelecido no artigo 465, §1º, do Código de Processo Civil, no prazo de cinco dias. Os honorários periciais serão pagos no final do processo, conforme o artigo 18 da Lei 7.347/1985. Devido à urgência da medida, estabeleço um prazo de até 30 (trinta) dias para a elaboração do laudo técnico, a partir da data de apresentação das questões pelas partes. Intime-se as partes para apresentar suas questões no prazo de cinco dias. Comunique-se a suspensão ao GEPE, à FFERJ, à CBF e ao Club de Regatas Vasco da Gama. Intime-se e cite-se o clube réu.” (Págs. 40/46)
Em seu recurso, protocolado durante um plantão judiciário, o clube alega que:
(i) possui todos os laudos exigidos pela legislação mais recente e atualizados; (ii) tomou todas as medidas de segurança aplicáveis e até mesmo realizou uma fiscalização conjunta com o Ministério Público há menos de um ano; (iii) já foi punido pelo STJD com a determinação de jogar sem torcida por 30 dias, o que afastaria a alegada urgência; e (iv) o relatório que embasa a decisão contestada foi elaborado pelo coordenador do CEJESP, que não teria competência para tal ato.
O clube busca a concessão de efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, a liberação dos jogos no estádio de São Januário.
Em decisão proferida durante o plantão judiciário (pgs. 145/150), o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso foi indeferido.
O Vasco interpôs um recurso interno (pgs. 175/192), reiterando os argumentos apresentados no recurso de agravo de instrumento e solicitando novamente a concessão de efeito suspensivo.
Foi proferida uma decisão monocrática (pgs. 196/198) pelo desembargador José Roberto Portugal Compasso, que inicialmente recebeu o recurso, concedendo parcialmente o efeito suspensivo solicitado e determinando que a interdição prevista na decisão contestada se limitasse à proibição da presença de torcedores/consumidores no estádio de São Januário. Também julgou prejudicado o recurso interno anteriormente apresentado.
As contrarrazões ao agravo de instrumento foram apresentadas (pgs. 210/225) pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que defende a manutenção da decisão contestada. Foi proferida uma decisão de declínio de competência (pgs. 245/246), determinando o envio dos autos à 1ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para redistribuição a uma das Câmaras de Direito Privado.
A decisão de ratificação da decisão anteriormente proferida (pgs. 196/198), nos termos do disposto no art. 64, §4º do CPC, também foi proferida.
O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, devendo ser conhecido. A concessão da tutela antecipada está prevista no nosso sistema jurídico desde a Lei nº 8.952/94, como uma forma de acelerar o processo e garantir a efetividade da prestação jurisdicional.
O artigo 273 do CPC/73 estabeleceu os requisitos para a sua concessão. É necessária a prova inequívoca, que é definida pela doutrina como uma prova que não deixa qualquer dúvida razoável sobre sua autenticidade ou veracidade. Além disso, deve haver o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. O §3º do artigo 300 do CPC estabelece que a medida não pode ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
A análise do pedido de tutela antecipada requer atenção redobrada, pois sua concessão antecipa a prestação jurisdicional solicitada. Se o julgador não tiver condições de verificar a verossimilhança do direito alegado, é melhor aguardar uma fase processual posterior, após uma análise mais ampla dos fatos.
O Enunciado nº 08 do I Encontro de Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro prevê que a concessão da antecipação dos efeitos da tutela só pode ser reformada se for teratológica, contrária à lei ou à prova dos autos. Esse enunciado foi convertido na Súmula 59 do TJRJ, que orienta as decisões proferidas em agravo de instrumento. A concessão da antecipação dos efeitos da tutela em grau de recurso está sujeita aos casos previstos na referida súmula.
No caso em questão, a decisão contestada merece ser parcialmente reformada. As provas apresentadas pelo Ministério Público mostram que o estádio de São Januário não possui as condições mínimas de segurança para sediar eventos esportivos. Portanto, até que seja comprovada a presença das condições de segurança por meio de laudos técnicos atualizados emitidos por órgãos estatais e da perícia técnica determinada pelo juiz, a interdição do estádio para o acesso do público é justificada.
No entanto, é importante ressaltar que, durante as partidas realizadas com portões fechados, não houve registros de incidentes dentro ou fora do estádio, o que confirma a validade da medida adotada. Portanto, é razoável permitir que o Vasco continue realizando seus jogos no estádio, desde que sem a presença do público em geral, até que a perícia técnica seja concluída.
Em relação aos argumentos apresentados sobre a liberação do acesso ao estádio para mulheres, crianças e pessoas com deficiência, eles não são suficientes para justificar a revisão da decisão que concedeu parcialmente o efeito suspensivo ao recurso. Além disso, é necessário ressaltar que as alegações não foram apresentadas previamente ao juiz de primeira instância e sua análise direta pelo tribunal configuraria uma supressão indevida de instância.
Em relação à petição e documentação apresentadas posteriormente, a eventual evidência de cumprimento parcial da decisão contestada deve ser analisada pelo juiz de primeira instância, pois sua análise direta pelo tribunal também configura supressão indevida de instância.
Com base nos fundamentos apresentados, conheço parcialmente o recurso e dou provimento para limitar a decisão contestada à proibição da presença de torcedores/consumidores nos eventos realizados no estádio de São Januário até que sejam comprovadas as condições adequadas de segurança. Essa comprovação deve ser feita por meio de laudos técnicos atualizados emitidos por órgãos estatais e pela realização da perícia técnica determinada pelo juiz de primeira instância.
Vasco busca acordo com o Ministério Público
Após o julgamento da semana passada, o Vasco mobilizou políticos locais e realizou um evento em São Januário para apoiar a liberação do estádio. O clube também está em conversas com o Ministério Público do Rio de Janeiro para chegar a um acordo por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Se isso acontecer, o processo será encerrado.
– Vamos continuar lutando. O Vasco, a torcida do Vasco e a Barreira do Vasco não podem ser prejudicados. Vamos tomar todas as medidas possíveis para garantir os direitos do Vasco. Não só em relação ao Maracanã, mas também para a liberação completa de São Januário – disse Gisele Cabrera, diretora jurídica do Vasco.
O desembargador Carlos Santos de Oliveira votou junto com a relatora. Ele afirmou que ainda deve haver uma perícia para a liberação do estádio e que a decisão em liminar deve ser mantida “enquanto a segurança não estiver comprovada” no local.
A desembargadora Andréa Pacha foi o único voto dissidente no julgamento e defendeu a liberação do estádio para receber público. Ela argumentou que o clube não tem poder de polícia e tomou todas as medidas possíveis. Citou também o apedrejamento de ônibus do Botafogo na véspera para destacar a violência dentro e fora dos jogos de futebol.
– A torcida organizada não tem nada a ver com a segurança do estádio. O lugar dos criminosos é na cadeia – afirmou a desembargadora durante seu voto.
Desembargador faz alerta sobre “torcida” no julgamento
O caso foi julgado na última quinta-feira pela Segunda Câmara de Direito Privado, em uma sessão presencial na sede do tribunal, no Palácio da Justiça, no centro do Rio de Janeiro. São Januário está com os portões fechados há mais de 70 dias, desde o dia 22 de junho, quando o Vasco enfrentou o Goiás pela 11ª rodada do Brasileirão.
O desembargador Fernando Foch, que presidia a sessão, iniciou o julgamento refletindo sobre o que “emociona ou não”, mencionando o número de moradores de rua no Rio de Janeiro e em São Paulo, falou sobre a “escória humana” na “cracolândia” e disse que nada disso “nos emociona, mas o futebol nos emociona”.
Ele falou que havia um processo do Vasco em questão e ameaçou prender qualquer pessoa que se comportasse “como em uma arena” no tribunal.
– Devo dizer que isso aqui não é uma arena, as emoções devem ficar restritas a uma arena. Exijo compostura – disse o desembargador durante a sessão.
Fonte: ge