Uma mensagem que, para os seguidores do Vasco, tem o valor de um prêmio. Razão de orgulho para os adeptos do time, a Resposta Histórica, ícone na batalha contra o preconceito racial, completa um século hoje (7), e, dentre os inúmeros “sucessores”, existem dois que, de fato, têm laços familiares com o documento.
O que representou a Resposta Histórica?
Em 1924, um ano após ganhar o primeiro Campeonato Carioca, o líder do Vasco, José Augusto Prestes, redigiu uma carta abrindo mão de integrar a nova liga que surgia no Rio de Janeiro. Por qual razão? Para não precisar excluir jogadores humildes e negros do time, indo contra uma solicitação dos fundadores.
O clube só teria permissão para integrar a nova associação de futebol (AMEA) se removesse 12 jogadores. Um dos critérios para tal era baseado no analfabetismo e nas ocupações dos jogadores vascaínos. Esse grupo de atletas englobava negros ou brancos de origem mais modesta. José Augusto Prestes recusou, levando o Cruzmaltino a disputar uma liga alternativa.
A carta afirmava na linguagem utilizada há cem anos:
“Quanto à necessidade de retirarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, a Diretoria do C.R. Vasco da Gama decidiu por unanimidade não aceitar essa solicitação, por não concordar com o modo como foi conduzida a verificação das condições sociais desses nossos colegas, investigação realizada em uma instância onde eles não tiveram representação ou defesa”, trecho do documento vascaíno.
“Esses doze jogadores são jovens, praticamente todos brasileiros, no início de suas carreiras, e o ato público que os poderia manchar, jamais será executado com o respaldo daqueles que comandam a instituição que os acolheu, nem sob a insígnia que eles com tanto valor revestiram de glórias. Dessa forma, lamentamos informar a Vossa Excelência que abandonamos a participação na A.M.E.A. Aceite Vossa Excelência os protestos da máxima consideração e estima de quem subscreve”, finaliza a carta.
Vínculo familiar
O UOL entrevistou os irmãos Ana Luiza e Gabriel. Eles são descendentes de José Augusto Prestes, líder do Vasco em 1924 e autor, de próprio punho, do documento no qual o clube se recusa a excluir jogadores negros e operários a mando da associação daquela época.
“Para o meio social ao qual pertencia, ele estava quebrando barreiras ao redigir a Resposta Histórica. Foi um marco inicial para muitos acontecimentos no futebol brasileiro”, Ana Luiza Soares.
Família cedeu raridades ao Vasco
Relatos sobre José Augusto Prestes fizeram parte da rotina de Ana Luiza e Gabriel desde pequenos. José Luiz Macedo Soares, pai deles, sempre se orgulhava das conquistas do bisavô e buscava transmitir esse legado adiante.
“Meu pai admirava muito o Prestes, sempre contava as histórias. Tinha um quadro dele em casa e sempre contou como foi importante para o Vasco. Isso fortaleceu a nossa conexão com o nosso antepassado e com o Vasco”, Ana Luiza Soares.
José Luiz foi um dos responsáveis por restabelecer a relação entre o Vasco e a família. Ele faleceu em abril de 2022 e foi sepultado no túmulo do bisavô.
No ano passado, em julho, Ana Luiza e Gabriel doaram ao Vasco uma escultura e um quadro de Prestes, itens que faziam parte do acervo pessoal do pai.
Quem foi José Augusto Prestes
Nascido em Portugal, José Augusto Prestes seguiu um longo caminho profissional e político até ocupar a presidência do Vasco. Formado em engenharia mecânica nos Estados Unidos, ao retornar para seu país, participou, em 1891, do primeiro movimento para tentar estabelecer o republicanismo em solo português.
O insucesso do levante o trouxe ao Brasil, onde obteve grande êxito como empresário, ao fundar a primeira fábrica de gelo do país. Mais tarde, tornou-se superintendente da Companhia Docas do Rio de Janeiro e responsável pela primeira usina siderúrgica da América Latina, a Usina Santa Luzia.
No âmbito político, sobreviveu a um atentado à bomba no Brasil, em 1912, e foi preso e solto em Portugal, em 1917. Em sua terra natal, foi condecorado com a Ordem Militar de Cristo no grau de Grande Oficial.
Sua passagem pelo Vasco foi breve, porém marcante e histórica. Ele assumiu a presidência em 1923, redigindo a célebre carta no ano seguinte. Pouco tempo depois, ainda em 1924, o português renunciou ao cargo devido à sua agitada vida profissional. “Nada como alguém da elite carioca para confrontar e debater com Arnaldo Guinle [presidente da AMEA e do Fluminense]. Ele teve coragem, escreveu a Resposta Histórica com suas próprias mãos”, salientou o historiador Henrique Hübner, que acrescentou: “Era a pessoa certa, no momento certo e para o feito certo”.
Os desdobramentos da Resposta Histórica
O intuito da AMEA com as imposições era manter o futebol como exclusividade de uma elite. Em resposta à carta, Arnaldo Guinle, presidente da comissão organizadora da AMEA e patrono do Fluminense, refutou os argumentos da Resposta Histórica. Na carta, ele expressa a esperança de que o clube constitua um time “genuinamente português” por entender não haver outra colônia capaz de apresentar “as verdadeiras virtudes desta nobre raça secular”.
A entrada do Vasco na AMEA foi aprovada a tempo para o campeonato de 1925, com os mesmos direitos dos clubes fundadores. Os “camisas negras”, apelido do time vencedor de 1923, o primeiro campeão carioca da história do clube, conquistaram a terceira posição no primeiro ano e o vice-campeonato no ano seguinte.
A Resposta Histórica tornou-se uma fonte de orgulho para o Vasco. O clube digitalizou os documentos da época por intermédio do Centro de Memória no ano anterior, além de promover ações e camisas especiais sobre o feito na data comemorativa.
Fonte: UOL