A Comissão de Ética Pública da Presidência da República determinou que há um conflito de interesses no presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Cordeiro Macedo, assumir uma posição no Conselho de Administração da Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do Vasco. A decisão frustra os planos de Cordeiro de ocupar o cargo.
O órgão liderado por Alexandre Cordeiro é responsável por garantir a competição justa no mercado e tomar decisões sobre fusões e aquisições, incluindo aquelas envolvendo clubes de futebol.
A determinação foi aprovada por seis votos a um. Os membros da Comissão de Ética Pública consideraram a lei que trata de conflitos de interesses na gestão pública federal.
O artigo que fundamenta a determinação da comissão estabelece que é considerado um conflito de interesses “exercer, de forma direta ou indireta, atividades que, devido à sua natureza, sejam incompatíveis com as funções do cargo ou emprego, incluindo atividades desenvolvidas em áreas ou assuntos correlatos”.
A legislação que estrutura o sistema brasileiro de defesa da competição proíbe que o presidente e os conselheiros do Cade participem de sociedades civis, comerciais ou empresas de qualquer tipo na condição de controladores, diretores, administradores, gerentes, prepostos ou mandatários. Esse dispositivo também foi considerado pelo colegiado.
A indicação de Alexandre Cordeiro para a posição foi feita pelo presidente e ex-jogador do Vasco, Pedrinho. A SAF do Vasco é composta por sete membros: cinco da empresa 777 Partners, que é a principal proprietária do clube, e outros dois do time. O Conselho Deliberativo do Vasco vai se reunir na noite de quinta-feira (21) para ratificar a indicação.
A possibilidade de Cordeiro se tornar membro do conselho da Sociedade Anônima de Futebol do Vasco causou desconforto na Presidência e no governo. Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avaliam que há um conflito de interesses nesse caso e que uma possível aprovação da Comissão de Ética abriria um precedente perigoso.
Cordeiro é ligado politicamente ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro (PL). Um relatório elaborado pela Polícia Federal em abril de 2022 revelou que Ciro Nogueira se referiu a Cordeiro como “meu menino” em uma conversa gravada por Joesley Batista.
“Uma pessoa sensata. Meu menino, ele era meu chefe de gabinete, eu o coloquei lá [no Cade]”, disse o senador ao empresário.
A Comissão de Ética Pública se reuniu nesta quarta-feira. A agenda da reunião mencionava apenas o número do processo que seria analisado e as iniciais do servidor que apresentou a solicitação que seria revisada pelo colegiado. O item 13 da pauta indicava as mesmas iniciais “ACM”, que correspondem a Alexandre Cordeiro Macedo.
O Cade destaca em seu site que a lei das SAFs permitiu aos clubes adotarem um novo regime jurídico, ao se transformarem em uma empresa com CNPJ próprio.
“Ao se tornarem empresas (no modelo das SAFs), os clubes de futebol passam a ter dinâmicas societárias semelhantes a outras atividades empresariais. Portanto, as transações envolvendo essas empresas passam a ser passíveis de serem consideradas atos de concentração e também devem estar sujeitas a regulamentos tipicamente empresariais, como o controle de estruturas realizado pelo Cade”, afirma o órgão.
Em agosto de 2022, o Cade promoveu um debate sobre a lei das SAFs no contexto do direito da concorrência, relacionado às fusões e aquisições de clubes de futebol. O encontro contou com a participação de Alexandre Cordeiro e representantes do Vasco.
“Nesse sentido, a transformação de clubes de futebol em empresas gerou um novo debate sobre a necessidade de notificação formal para o órgão antitruste, a partir da criação de uma SAF e da subsequente aquisição por um grupo econômico”, dizia um comunicado do Cade após o evento.
Cordeiro fez parte da mesa de abertura do evento. O presidente do Cade ressaltou, segundo o órgão, que o objetivo do evento era antecipar soluções para possíveis questões, oferecer transparência sem burocratização e garantir segurança jurídica para esse mercado em fase inicial.
Os principais painéis do debate foram compostos por representantes do Cade, por especialistas em direito comercial, concorrencial e esportivo, além de advogados e representantes do Botafogo e do Vasco da Gama, que desejam ter Cordeiro como um dos conselheiros de sua SAF.
Em outubro de 2022, a Superintendência-Geral do Cade arquivou processos relacionados a investigações sobre as aquisições das SAFs do Botafogo e do Cruzeiro. Em outubro do ano passado, aprovou a compra do controle da Atlético Mineiro SAF por uma holding de investimentos controlada pela Conedi Participações.
Mais recentemente, em um artigo publicado no portal JOTA no final de janeiro, Cordeiro defendeu a notificação do Cade sobre aquisições de SAFs. Na visão do presidente do Cade, a partir da criação do instituto jurídico da SAF e considerando as circunstâncias de cada ato de concentração, o órgão deveria ser informado.
De acordo com Cordeiro, caberia ao Cade avaliar “se a operação resultará em preocupações concorrenciais capazes de eliminar a competição, criar ou reforçar uma posição dominante e/ou dominar o mercado relevante”.
“Assim, é esperado que o Cade venha a analisar futuramente operações relacionadas à comercialização de participações acionárias de SAF. Esse é o assunto em destaque no cenário esportivo que cruza com o direito da concorrência e que certamente precisa evoluir e amadurecer”, escreveu Cordeiro em parceria com um advogado especializado em direito empresarial.
Fonte: CNN