Vânia Rodrigues passou o dia anterior ao jogo entre Vasco e Coritiba — nesta quinta-feira, às 19h — indo de casa em casa e de estabelecimento em estabelecimento nas principais ruas perto de São Januário. Ela informou aos moradores sobre a proibição de estacionar carros na rua, pediu que tivessem cuidado com o lixo nas calçadas e transmitiu as novas regras da Prefeitura para aqueles que trabalharão antes, durante e depois do jogo do lado de fora do estádio.
— É como organizar um casamento, onde você precisa verificar se o salão, o buffet e os preparativos da noiva estão em ordem. É essa a sensação — resume Vaninha, como a presidente da Associação de Moradores da Barreira do Vasco é mais conhecida.
Um casamento que dura décadas
A relação entre a comunidade e o clube já dura mais de sete décadas. E a partida de hoje é como uma festa de renovação de votos. O jogo contra o Coritiba marca o retorno do público a São Januário após 91 dias. Esse período afetou muito a vida dos moradores e colocou a favela no centro das discussões.
— Quando fizemos aquele evento com a torcida no jogo contra o Bahia (que aconteceu em Salvador e foi transmitido em um telão no entorno de São Januário), teve morador que veio falar comigo: “Vaninha, você não imagina como vou poder quitar minhas dívidas” e “Vaninha, faz mais de dois meses que não faço compras para casa” — relata a presidente da associação. — Eles sabem quantos jogos terão no mês, fazem as contas: “Vou vender tanto com bebidas, tanto com churrasquinho…” e se planejam. Mas sem jogo, como fazer?
Essa relação vai além do lucro nos dias de jogos. Quando a história da Barreira começou nos anos 1930, o Vasco já estava lá. O terreno, que foi nivelado após a remoção do morro que existia ali e deu origem ao apelido Gigante da Colina, foi doado pelo presidente Getúlio Vargas à Igreja Católica. O objetivo era permitir que pessoas em busca de moradia (especialmente as removidas de favelas da Zona Sul) construíssem barracos. A região cresceu gradualmente, assim como a estrutura, e o clube não ficou de braços cruzados durante esse processo.
— Nos anos 1960, o Vasco doou o terreno para a construção da Escola Municipal João de Camargo, que atende os moradores da Barreira. Não apenas doou como ajudou na construção — conta Walmer Peres, coordenador do Centro de Memórias do Vasco.
Durante décadas, a piscina do complexo era aberta aos moradores. Atualmente, isso não ocorre mais. No entanto, o clube oferece aulas de natação e polo aquático, além de oficinas de teatro e audiovisual. O Vasco também emprega mão de obra local e tem estudantes da comunidade na escola que funciona dentro do clube, com o nome de João de Camargo — atualmente, há 36 crianças da região matriculadas.
Um símbolo dessa união é o atacante Rayan, de 17 anos, e seu pai, o ex-zagueiro Valkmar. Os dois cresceram na Barreira e têm uma relação com o Vasco. Rayan é uma promessa do sub-20 e já marcou gols pelo time principal. Ele nasceu do amor entre seu pai e Vanessa, funcionária do clube.
Esperança e desafios
A esperança é um sentimento predominante na Barreira. Primeiramente, é esperado que não ocorram mais interdições no estádio e que a torcida não provoque cenas de violência, como ocorreu no jogo contra o Goiás em junho. Vânia Rodrigues lembra que as confusões externas obrigam os moradores a se abrigarem em suas casas e causam preocupação com crianças e idosos. Em alguns casos, o spray de pimenta usado pela polícia entra nas residências. Após um desses episódios, uma faixa foi erguida na região informando que a principal organizada do clube não era mais bem-vinda.
O que a Barreira espera com o retorno dos holofotes é mais atenção do poder público. As principais demandas incluem a troca de postes que correm risco de cair, mais projetos sociais e melhorias no sistema de escoamento de chuvas. E, é claro, eles querem uma festa nos dias de jogos do Vasco.
Fonte: Extra