Recentemente, escrevi um novo artigo para o @ludopedio intitulado “100 anos da unificação da AMEA e o papel do Vasco na garantia de seus direitos”. Esse evento também marcou o início da construção do estádio de São Januário.
Leia aqui para conferir o artigo completo.
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100 anos da unificação da AMEA e o papel do Vasco na garantia de seus direitos
Leandro Tavares Fontes 22 de abril de 2025
A Associação Metropolitana de Esportes Atléticos – AMEA, criada em 1924 por Fluminense, Flamengo, Botafogo e América, surgiu como uma resposta conservadora à conquista do campeonato carioca de 1923 pelos Camisas Negras do Vasco da Gama, expressando ideais racistas e elitistas. A resposta oficial, assinada por Arnaldo Guinle (presidente da AMEA e associado ao Fluminense), à Resposta Histórica de José Augusto Prestes não escondia a natureza de seu conteúdo:
OFFICIO QUE A A.M.E.A. RESPONDE AO PEDIDO DE CANCELAMENTO DE FILIAÇÃO DO VASCO
Rio de Janeiro, 17 de abril de 1924 – Exmo. Sr. José Augusto Prestes (…) alimentamos a esperança de que, para o futuro, ele fizesse todos os esforços para construir equipes genuinamente portuguesas, porquanto ao nosso ver não havia em nosso meio outra colônia capaz de apresentar melhores elementos que a portuguesa para uma demonstração esportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular (…)” (jornal O Paiz, 19 de abril de 1924).
Pergunta-se, quais foram os motivos e as circunstâncias que levaram o Vasco a se filiar à AMEA em 1925? Esta questão precisa ser analisada à luz das razões que levaram o Vasco a não se juntar à AMEA em 1924. O Vasco foi forçado a participar de uma espécie de repescagem, chamada de “disputa olímpica”, envolvendo três clubes para garantir uma vaga na primeira divisão da AMEA. O Vasco, já campeão da cidade, não aceitou essa imposição. Além disso, havia a determinação que proibia o Vasco de jogar aos domingos, prejudicando sua torcida que trabalhava no comércio e, consequentemente, afetando a renda dos jogos. Logo, após uma análise das inscrições dos jogadores, a direção da AMEA excluiu de forma sumária doze atletas do Vasco, sendo sete do time principal e cinco do segundo time. Entre os excluídos estavam Leitão, Ceci, Bolão, Negrito e Russinho. Curiosamente, o goleiro Nelson da Conceição (“Chauffeur”) não foi excluído devido à sua convocação para o selecionado carioca e brasileiro, apesar de ser negro.
Com o golpe cometido contra o Vasco pela direção da AMEA, o campeão carioca de 1923 optou por não participar do campeonato que reunia os clubes mais tradicionais da cidade. O Vasco decidiu disputar o campeonato paralelo da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres – LMDT, junto a equipes de menor prestígio, principalmente do subúrbio. Assim como em 1922 e 1923, os Camisas Negras se tornaram campeões novamente, desta vez de forma invicta. Além disso, no mesmo ano, o Vasco conquistou seu oitavo campeonato de remo, afirmando-se como o maior vencedor em ambas as modalidades esportivas, e ainda no campeonato da LMDT, superou o da AMEA em público e renda, como relatado na tese “Revolução Vascaína: a profissionalização do futebol e a inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934)” de João Manuel Casquinha Malaia Santos.
Portanto, o Vasco protagonizou um embate com o bloco unido de Flamengo, Fluminense, Botafogo e América. Essa posição levou líderes da AMEA, convencidos por Carlito Rocha do Botafogo, a convidar novamente o Vasco a se unir à “nova” liga. A proposta ofereceu ao Vasco da Gama o status de clube fundador, garantindo que todos os jogadores campeões de 1922, 1923 e 1924 seriam aceitos no campeonato unificado de 1925.
A nova proposta para o Vasco parecia vantajosa, especialmente após o Vasco ter atraído grandes públicos na LMDT de 1924, beneficiando financeiramente os clubes menores do subúrbio. Contudo, essa movimentação não resultou em um benefício proporcional para os cofres do Vasco. O retorno ao convívio com os clubes da elite foi visto de forma positiva, mas não sem resistência, como apontado pela revista “Theatro & Sport” em 18 de abril de 1925.
O Vasco deixará novamente a AMEA?
Quinta-feira, uma bomba ecoou nas rodas sportivas: o Vasco pode sair da AMEA caso a diretoria persista em excluir vários de seus principais jogadores.
Confirmando essa versão, a diretoria do Vasco devolveu oficialmente o officio notificando a exclusão de atletas do time principal.
A diretoria do Vasco encarou essa decisão da associação, da qual se filiou em um momento inadequado, como não apenas um desrespeito ao acordo verbal entre as partes, mas também uma repercussão da recente derrota do Fluminense para o time do Vasco.
Foi decidido que o Vasco não participaria do campeonato da AMEA até que a questão fosse resolvida a seu favor.
Estando claro que a associação dos “grandes” não estava disposta a recuar em suas decisões, a situação do esporte carioca ficou mais complicada. Isso se deve ao fato de que o Vasco, após sua saída da Metro, não poderia contar com os mecanismos que utilizou no ano anterior. As ações dos “ameitas” eram esperadas.
A propósito, havia rumores a respeito de um entendimento entre o Vasco e alguns outros clubes, visando a formação de uma nova organização esportiva destinada a desafiar a aristocrática associação dos grandes.
Tudo isso estava no programa, já previsto em nossas colunas. Era apenas uma questão de tempo.
Dessa forma, a situação política de 1925 ainda era repleta de polêmicas e lutas por posições nos bastidores do futebol carioca. A unificação do campeonato não ocorreu apenas porque os vascaínos ofuscaram as torcidas dos outros grandes clubes nas bilheteiras. A pressão sobre a AMEA para seu retorno teve que ser balanceada com o desejo do Vasco de proteger seus princípios. Como resultado, a liderança da AMEA, sob pressão para aumentar a arrecadação da liga, resolveu atender às exigências do Vasco. Dessa maneira, a revolução do Vasco superou mais uma etapa. Essa transição é descrita com detalhes na série “Um cinquentenário desportivo” do jornal A Noite, publicada em 6 de setembro de 1948:
Afonso de Castro, do Fluminense, compartilhou com um amigo vascaíno: “é evidente que há interesses mútuos na presença do Vasco entre os clubes da AMEA”. Ele enfatizou: “neste aspecto, estou confiante de que tanto o Vasco quanto a AMEA encontrarão uma solução digna para a união”.
A solução foi apresentada por Oscar Costa, diretor do “Jornal do Comércio” e presidente da C.B.D. Após reuniões entre algumas figuras influentes, Arnaldo Guinle concordou em se encontrar com os diretores do Vasco para discutir a situação e assegurar condições favoráveis de filiação. Antes, o presidente da C.B.D. havia escrito uma carta ao vascaíno conhecido como Castrinho, incentivando-o a avançar no assunto, acreditando que tal entendimento beneficiaria os esportes nacionais. A reunião, com a presença do comendador Almeida Pinho, Jordão Cansado Conde, Manoel Joaquim Pereira Ramos representando o Vasco, e Arnaldo Guinle pela AMEA, resultou em um acordo satisfatório, garantindo todos os direitos do clube. Nesse mesmo dia, os dirigentes vascaínos informaram a Guinle que estavam prestes a assinar a escritura de compra de um grande terreno.
A oficialização da unificação do campeonato carioca de futebol sob a bandeira da AMEA contou com a participação decisiva do Vasco da Gama, contrariando a narrativa de que o clube foi apenas “aceito” por questões de público e renda em 1925. O aspecto pragmático foi um dos argumentos em uma luta que tinha como fundo as políticas excluídas da entidade. A aprovação do acordo, assegurando todos os direitos do clube, simboliza a vitória do Vasco sobre os clubes que defendiam posições reacionárias. Contudo, os “ameitas aristocráticos” exigiram que o Vasco apresentasse um campo com instalações compatíveis à AMEA. Essa demanda foi vista como um desafio pela vanguarda vascaína, resultando na imponente construção de São Januário, que simbolizou a materialização de tudo que foi estabelecido na Resposta Histórica assinada por José Augusto Prestes.
Referências
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; SANTOS, Ricardo Pinto dos. (Orgs.). Memória social dos esportes: futebol e política. A construção de uma identidade nacional. Rio de Janeiro: Mauad, Faperj, 2006.
MALHANO, Clara E. S. M. B.; MALHANO, Hamilton Botelho. Memória social dos esportes: São Januário – arquitetura e história. Rio de Janeiro: Mauad, Faperj, 2002.
SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia. Revolução Vascaína: A profissionalização do futebol e a inserção sócio-econômica de negros e portugueses na cidade do Rio de Janeiro (1915-1934). 2010.489 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
FONTES, Leandro Tavares. Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958). Livros de Futebol. 2020.
Jornal O Imparcial (1924)
Jornal A Noite (1948)
Jornal dos Sports (1974)
Site: memoriadotorcedor.blogspot.com/
Site: www.memoriavascaina.com
Site: Netvasco.
** Este texto não reflete necessariamente a opinião do Ludopédio.
Leandro Fontes
Professor de geografia, colunista da Revista Movimento, do Expresso Cascadura e autor do livro Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958).
Como citar
FONTES, Leandro Tavares. 100 anos da unificação da AMEA e o papel do Vasco na garantia de seus direitos. Ludopédio, São Paulo, v. 190, n. 22, 2025.
Fonte: Ludopédio–>