Rio – No dia de hoje (7), o Vasco comemora os 100 anos da Resposta Histórica, movimento emblemático que solidificou a reputação do clube na batalha contra a discriminação racial e social. O marco foi protagonizado por uma carta enviada pelo então presidente do clube, José Augusto Prestes, em que o clube se negou a participar de uma nova liga no futebol carioca que exigia a exclusão de jogadores humildes e negros do time. Essa postura alterou completamente o panorama da prática do futebol no Rio a partir de 7 de abril de 1924.
Origens da luta contra o preconceito
Para entender o contexto da Resposta Histórica, é necessário retroceder no tempo e compreender como surgiu a batalha do Vasco contra o preconceito. Fundado em 1898, inicialmente como um clube de remo, o Cruz-Maltino começou a enfrentar, a partir de 1904, um aumento da discriminação contra seus atletas, que em sua maioria eram imigrantes portugueses e brasileiros de baixa renda, trabalhando como balconistas no comércio do Rio de Janeiro.
Nesse ano, a Federação Brasileira das Sociedades do Remo impôs regras mais rígidas para a inscrição de atletas, proibindo a participação daqueles que “exerciam qualquer profissão ou emprego que não condissesse com o nível moral e social exigido para a prática esportiva náutica”. Em 1907, diante da tentativa da federação de tornar o regulamento ainda mais severo, o Vasco se posicionou contra a exclusão dos atletas.
“A Federação, desconsiderando essas qualidades e direitos, decretou a exclusão desses amadores que são, entre outras coisas, os que exercem profissões em estabelecimentos comerciais, confeitarias, etc. A oposição a essa medida por parte de nossa representação foi intensa e, apesar de derrotados na votação, fomos vitoriosos, pois os legisladores vencedores não tiveram a determinação necessária para torná-la uma realidade”.
Entrada no futebol
Ao adentrar no futebol em 26 de novembro de 1915, o Vasco seguiu sua luta contra o preconceito. Após se filiar à Liga Metropolitana para participar da Terceira Divisão e enfrentar um começo difícil na modalidade, o clube encontrou no subúrbio do Rio de Janeiro a oportunidade de se consolidar no esporte, por meio de outras ligas e jogadores de origens mais modestas.
Nos anos subsequentes, o Vasco conseguiu se firmar no futebol e foi prosperando na modalidade. Em 1922, conquistou a Série B da Primeira Divisão, o que pavimentou o caminho para o primeiro título carioca do clube, no ano seguinte.
Camisas Negras
Em 1923, o Vasco sagrou-se campeão carioca com o time que ficou conhecido como Camisas Negras, composto majoritariamente por jogadores vindos de clubes menores e de áreas mais simples da cidade, além de negros e operários – um cenário que contrastava com os principais times da época.
O apelido surgiu após uma série de vitórias contra Fluminense, Flamengo, Botafogo e América, que à época eram considerados “clubes de elite”. A equipe se destacou por seu uniforme imponente preto, ainda sem a faixa diagonal, com gola branca e a cruz vermelha no peito.
No Campeonato Carioca da época, organizado pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), o Vasco teve uma campanha memorável, com 11 vitórias, dois empates e apenas uma derrota.
Os campeões cariocas de 1923
Nelson (Nelson da Conceição / Goleiro)
Mingote (Domingos Vicente Passini / Zagueiro)
Leitão (Albanito Nascimento / Zagueiro)
Arthur (Arthur Medeiros Ferreira / Médio-esquerdo)
Bolão (Claudionor Corrêa / Centromédio)
Nicolino (João Baptista Soares / Médio-direito)
Paschoal (Paschoal Cinelli / Extrema-direita)
Torterolli (Nicomedes Conceição / Meia-direita)
Arlindo (Arlindo Corrêa Pacheco / Centroavante)
Cecy (Sylvio Moreira / Meia-esquerda)
Negrito (Alípio Marins / Extrema-esquerda)
Claudio (Claudio Destri / Zagueiro) – Titular, lesionou-se no último jogo do 1.º Turno.
Reservas:
Adão (Adão Antonio Brandão / Médio-direito)
Nolasco (Pedro Nolasco dos Santos / Médio-direito)
Pires (José Cardoso Pires / Atacante)
Russo (Felizardo Gonçalves / Atacante)
O significado da Resposta Histórica
Em 1924, o Vasco vinha de uma campanha vitoriosa que resultou no título do Campeonato Carioca do ano anterior com os Camisas Negras. Naquela época, adversários do Gigante da Colina se separaram da Liga Metropolitana e fundaram a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), liderada por Botafogo, Flamengo, Fluminense, América e outros clubes da elite. O Vasco foi convidado a participar, mas com uma condição que desencadeou toda a luta do clube – uma condição que ficaria marcada para sempre.
Os líderes aceitaram a inscrição do Club de Regatas Vasco da Gama, porém exigiram a retirada de 12 jogadores da lista, sendo sete titulares e cinco reservas. Todos eles eram de classes mais populares, negros e trabalhadores de fábricas, balcões ou informais.
A base do time campeão do ano anterior, portanto, não poderia defender o título contra os rivais locais. Diante da justificativa de um estádio precário que não condizia com os padrões da AMEA, o presidente José Augusto Prestes enviou um comunicado retirando o Vasco da competição sob a chancela de uma nova Liga.
“Estamos convictos de que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, a fim de participar da AMEA, alguns daqueles que lutaram para que conquistássemos, entre outras vitórias, o Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.”
A entrada do Vasco no torneio da AMEA foi aprovada para a edição de 1925, permitindo que o Cruz-Maltino desfrutasse dos mesmos direitos das associações fundadoras sem restrições quanto à composição do elenco. Nesse momento, o clube foi reconhecido como vitorioso em uma batalha contra o preconceito no esporte, que assolava o Brasil no início do século XX, abrindo caminho para que outros times e modalidades também acolhessem indivíduos de origens mais humildes, negros e trabalhadores, e não apenas da alta sociedade.
A Resposta Histórica do Vasco em 7/4/1924
“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Ofício Nº 261
Excelentíssimo Senhor Dr. Arnaldo Guinle,
D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação que V. Exa. tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama em uma situação de inferioridade que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas deficiências de nosso campo, nem pela simplicidade de nossa sede, nem pela condição modesta de grande parte de nossos associados.
Os privilégios concedidos aos membros dos cinco clubes fundadores da AMEA, bem como a maneira como será exercido o direito de discussão a voto e feitas as futuras classificações, nos obrigam a apresentar nosso protesto contra as resoluções mencionadas.
Quanto à exigência de eliminarmos doze de nossos jogadores das equipes, a Diretoria do C.R. Vasco da Gama resolveu, por unanimidade, não aceitá-la, por não concordar com o procedimento adotado na investigação das posições sociais desses nossos associados, investigação realizada em um tribunal onde estes não tiveram representação ou defesa adequadas.
Estamos certos de que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, a fim de fazer parte da AMEA, alguns daqueles que lutaram para que alcançássemos, entre outras vitórias, a conquista do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.”
São esses doze jogadores, jovens e quase todos brasileiros, no início de suas carreiras, e o ato público que pode manchá-los nunca será realizado com a cumplicidade da instituição que os acolheu, nem sob o estandarte que eles gloriosamente honraram.
Dessa forma, lamentamos informar a V. Exa. que desistimos de nos tornar parte da AMEA.
Atenciosamente,
(a) José Augusto Prestes
Presidente”
Fonte: O Dia