Em questão de um ano, o Vasco passou por profundas transformações. A sua diretoria negociou com um grupo estrangeiro a venda do futebol, obteve a aprovação política e seguiu em frente. Agora como SAF, era de se esperar que conseguisse o que a associação não tinha há duas décadas: dinheiro e gestão para jogar futebol em alto nível.
No penúltimo lugar do Campeonato Brasileiro, com quase metade da competição disputada, é inevitável a sensação no torcedor de que tudo mudou para não mudar nada. O resgate da confiança é um problema para a 777 Partners, proprietária do clube-empresa que gere o futebol. Um dos problemas. Financeira e administrativamente, há mais deles.
A SAF nasceu com o peso que faz uma dívida aproximada de R$ 730 milhões. A maior parte corresponde a obrigações que a associação passou para a empresa, no momento em que se concretizou a venda. Segundo as demonstrações contábeis cruz-maltinas, a 777 assumiu a responsabilidade de pagar R$ 700 milhões em dívidas antigas.
Na prática, o problema é o mesmo de sempre. Se o futebol vascaíno fosse administrado somente com base em receitas e despesas, com pouca dívida, a maior parte do dinheiro estaria liberada para gastar com presente e futuro. Como o passado foi carregado, parte considerável do orçamento se desperdiça com o pagamento dele.
A diferença para a realidade anterior é que a 777, contratualmente, está obrigada a aportar outros R$ 700 milhões nas contas da SAF. Esse dinheiro começou a aparecer nas demonstrações contábeis da empresa. Em 2022, foram aportados R$ 120 milhões. Dinheiro que já evaporou diante dos custos e das dívidas que tiveram de ser pagas de imediato.
A solução para as finanças é um problema. Outro é a maneira como o departamento de futebol aplica o dinheiro disponível. Ainda que a meta esportiva do ano passado tenha sido cumprida – a promoção para a primeira divisão –, as dificuldades já estavam evidentes.
Mesmo com a terceira maior folha salarial da Série B, o Vasco sofreu para conseguir a classificação e foi eliminado da Copa do Brasil já na segunda fase. Por mais que as questões financeiras atrapalhem, a nova administração demonstra a mesma ineficiência da antiga associação.
É assim que começa a história do futebol cruz-maltino sob gestão da 777. A análise complica neste início de jornada, porque em 2022 o ano se dividiu entre duas figuras. Até julho, o futebol foi formalmente administrado pela equipe encabeçada pelo presidente Jorge Salgado. De agosto em diante, os ativos passaram para a SAF.
A comparação entre faturamento (tudo o que foi arrecadado em cada ano) e endividamento (o que havia a pagar no último dia de cada exercício) perde o sentido, em relação à associação do Club de Regatas Vasco da Gama, por causa da transferência de ativos e dívidas.
O que foi arrecadado em 2022 se explica por ter o futebol sob a associação entre janeiro e julho. A dívida cai subitamente, para apenas R$ 27 milhões, porque a maioria foi transferida para a SAF. O balanço se encerrou em 31 de dezembro, já com a barra limpa para os amadores.
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A arrecadação contabilizada pela associação civil no ano passado oferece pouca base para entender presente e futuro, por dois motivos. Em primeiro lugar: porque a passagem pela Série B derrubou as principais fontes, sobretudo os direitos de transmissão. Em segundo: essas receitas não contam com o futebol entre agosto e dezembro. O quadro de 2023 será muito diferente.
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A principal vantagem para o Club de Regatas Vasco da Gama, na venda do futebol, foi se livrar da responsabilidade de pagar todas as dívidas que acumulou ao longo das últimas décadas. E este movimento aparece já no primeiro balanço publicado pelas partes.
Na associação, ficaram apenas resquícios trabalhistas e tributários de dívidas. Praticamente tudo está contabilizado no longo prazo (a pagar em período superior a um ano), o que tira totalmente a pressão da associação civil e permite que ela foque na fiscalização da SAF.
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A análise sobre a folha salarial é a única parte que une associação e clube-empresa debaixo do mesmo guarda-chuva, uma vez que as decisões foram tomadas no decorrer de 2022 pela dupla, por mais que a associação fosse a responsável formal até julho.
Financeiramente, com uma folha de R$ 70 milhões, era de se esperar que o Vasco tivesse vida muito mais tranquila na Série B. A maioria dos adversários gasta por volta dos R$ 10 milhões. O sofrimento para alcançar o quarto lugar entrega a ineficiência da gestão no futebol.
A eliminação precoce na Copa do Brasil aponta para a mesma direção. Cair na segunda fase ficou aquém do esperado, mesmo para um clube que passava por transição inédita de ativos. Fato que impediu receber premiações da competição e agravou problemas financeiros.
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Uma empresa que nasce com R$ 50 milhões em receitas e R$ 730 milhões em dívidas. Ninguém precisa ser especialista em finanças para notar que, com a diferença entre um número e outro, a SAF vascaína começou a sua história em péssima (e esperada) condição financeira.
O desafio da 777 Partners daqui em diante é elevar o faturamento e reduzir significativamente o endividamento. O primeiro passo é até natural, até certo ponto, com o retorno para a primeira divisão. O segundo contará com parte dos aportes dos americanos.
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Assim como no caso da associação civil, a análise baseada nas receitas da SAF é pouco produtiva. Esses números correspondem ao que foi contabilizado entre agosto e dezembro, e eles estão fortemente impactados pela participação do time na Série B. Em 2023, no Campeonato Brasileiro, com o aumento dos direitos de transmissão, esse número deve subir a pelo menos R$ 200 milhões.
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Entre tantos aspectos negativos, talvez este seja o mais desafiador para o departamento financeiro e para a administração da SAF como um todo. Da dívida assumida pelo clube-empresa, nada menos que R$ 240 milhões estão registrados para pagamento no curto prazo (em menos de um ano).
Na prática, significa o seguinte: se o Vasco tiver um faturamento de R$ 200 milhões em 2023, precisará pagar todos os seus custos e ainda lidar com cobranças nessa ordem, de R$ 240 milhões. É por isso que os aportes da 777 tendem a ser consumidos por essas obrigações e não podem ser totalmente direcionados para investimentos em atletas e infraestrutura.
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Fonte: Globo Esporte