Essa nem Banksy, o famoso artista de grafite anônimo cujas obras estão expostas em um shopping luxuoso na Barra da Tijuca, seria capaz de inventar. Um clube de futebol centenário, com profundas raízes populares e ampla história de resistência e enfrentamento a preconceitos diversos, agora representa um risco para a segurança do bairro onde está localizado, na zona norte do Rio de Janeiro – e portanto deve ter seu estádio fechado ao público.
Nesta semana o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu manter uma decisão tomada na primeira instância, de proibir a presença de torcedores em partidas de futebol em São Januário. O juiz Marcello Rubioli, autor do parecer que embasou o pedido do Ministério Público para fechar o estádio, escreveu que ”todo o complexo é cercado pela comunidade da Barreira do Vasco”, mencionou ”disparos de armas de fogo provenientes do tráfico de drogas lá instalado” e afirmou que o entorno do estádio consiste em ”ruas estreitas, sem área de fuga, que sempre ficam cheias de torcedores se embriagando”.
A desembargadora Renata Cotta e o desembargador Carlos Santos de Oliveira votaram a favor de manter São Januário fechado. As cenas de violência ocorridas na partida entre Vasco e Goiás, no dia 22 de junho, são realmente chocantes. Mas o Vasco já foi punido – esportiva e financeiramente – pela Justiça Desportiva ao ser obrigado a realizar quatro partidas como mandante sem espectadores.
”A segurança do evento e dos consumidores é um princípio fundamental do esporte”, escreveu Renata Cotta em seu voto. É difícil discordar de tal premissa, claro. Mas o Vasco não dispara balas de borracha nem lança bombas de gás lacrimogêneo. O clube também não pode rebocar carros estacionados em locais proibidos e que eventualmente atrapalhem o fluxo nas ruas ao redor do estádio.
Em sua defesa, o Vasco apresentou um plano operacional elaborado em conjunto com os órgãos públicos que atuam na organização de partidas de futebol, como Polícia Militar, Polícia Civil, CET-Rio, Comlurb. Um levantamento do aplicativo Fogo Cruzado mostrou que, este ano, o entorno do Maracanã teve o mesmo número de tiroteios registrados em volta de São Januário. Ninguém sugeriu – e nem deveria – fechar o Maracanã.
Manter a torcida afastada de São Januário também significa punir a comunidade da Barreira do Vasco, a mesma que o juiz Rubioli considera abrigo de traficantes, aquela com quem o TJ diz se preocupar. Um levantamento do Observatório do Trabalho Carioca, da prefeitura do Rio, mostrou que 18 mil moradores da região são afetados tanto pelo fechamento de São Januário quanto pela publicidade negativa para a comunidade.
Em cada partida sem espectadores, pelo menos 300 autônomos deixam de trabalhar dentro do estádio, outros 250 não conseguem vender nada do lado de fora. ”A diminuição de até 60% na receita representa uma realidade de desafios econômicos significativos, cujas consequências vão além dos negócios, impactando a estabilidade financeira da comunidade em geral”, conclui o estudo da prefeitura. É razoável que o poder judiciário se preocupe com a violência relacionada ao futebol, um problema grave, tratado frequentemente neste espaço. Mas este não é o caminho.
Fonte: Blog do Martín Fernandez – O Globo