Desde agosto de 2023, o atacante Vegetti defende as cores do Vasco. Na batalha contra a queda no Campeonato Brasileiro, o “Pirata” liderou a equipe na recuperação do segundo turno, assegurando a permanência do Cruz-Maltino na Série A. Porém, por baixo da camisa vascaína, o argentino carrega outra vestimenta. Um uniforme por exigência de justiça pelo jovem Valentino Blas Correas, morto por policiais na Argentina em 2020, aos 17 anos de idade.
Quando chegou ao Vasco, uma imagem publicada por Vegetti chamou a atenção. No vestiário, ao lado da camisa com o número 99 que usaria em campo, havia outras duas peças. Uma delas, um uniforme escolar com a frase “Vegetti, te amo”. Na outra, a foto do jovem com a frase “Justiça por Blas”.
Desde 2020, essa cena e essa foto se repetem em todos os jogos de Vegetti. Blas, torcedor do Belgrano e admirador do atacante quando este era o principal artilheiro do clube argentino, teve sua família contatando Vegetti, que prontamente se engajou na busca por justiça. Além dele, o Belgrano também se envolveu na campanha cobrando punições pelos responsáveis pelo crime.
Em uma entrevista exclusiva à Trivela, Vegetti falou sobre a proximidade conquistada com a família de Blas e o seu envolvimento na busca por justiça.
– Ele era um torcedor do Belgrano e grande admirador do meu futebol. A família entrou em contato comigo e assim construímos uma relação muito próxima e amistosa. Então, fiz a promessa de sempre usar essa camisa em homenagem a Blas até o final da minha carreira. Antes de cada partida, envio uma foto para a mãe dele – disse Vegetti à Trivela.
E essa cena se repete de fato. Nas redes sociais, Soledad Laciar, mãe de Blas, já compartilhou muitas fotos enviadas por Vegetti, desde os tempos do Belgrano. O uniforme escolar carregado pelo atacante em todo jogo pertencia a Blas, que escreveu “te amo” para Vegetti. Sole, como é conhecida, foi quem entregou a camisa para o jogador.
– Há dias que Blas não está mais comigo e, com o consentimento do seu irmão, convidei os amigos dele para entrar no seu quarto e levarem tudo o que quisessem. Guardei uma coisa para mim, que foi essa camisa. Não sei por quê. Na verdade, ontem soube o motivo. Eram nestas mãos que ele gostaria que estivessem. Obrigado, Vegetti, por me receber em sua casa com tanto carinho e por aceitar este presente. Para mim, é uma honra estar em suas mãos – publicou Soledad ao entregar a camisa de Blas para Vegetti em 2021.
Entenda o caso de Blas na Argentina
Em 6 de agosto de 2020, Blas retornava de um bar com amigos em um carro. Ao se depararem com uma blitz policial, os jovens não pararam o carro e foram alvejados por uma dupla de policiais, resultando em seis tiros disparados contra o veículo, atingindo Blas nas costas. Os próprios garotos o levaram a um hospital, mas o jovem torcedor do Belgrano foi recusado no atendimento.
Enquanto isso, os policiais plantaram uma arma no carro onde Blas estava, para simular um confronto que nunca aconteceu, como foi comprovado por imagens de câmeras. O caso teve grande repercussão na Argentina e, principalmente, em Córdoba. O Belgrano, clube do coração de Blas, entrou na campanha por justiça, assim como Vegetti, que foi um dos atletas a apoiar a causa do garoto.
Em abril deste ano, em um júri popular, 11 policiais foram condenados pelo assassinato de Blas. Lucas Gómez e Javier Alarcón receberam sentenças de prisão perpétua pelo homicídio. Os outros 11 foram condenados a penas menores, de dois a quatro anos, por tentar encobrir o caso.
No entanto, no final de 2023, alguns desses policiais e inspetores envolvidos no caso, que foram condenados a penas menores, já foram libertados por terem cumprido parte de suas penas. Assim, tanto Soledad quanto Vegetti seguem em busca de justiça. Para a mãe de Blas, também é crucial responsabilizar os políticos pela violência institucional da polícia argentina e pela recusa de atendimento a Blas no Sanatorio Aconcagua, em Córdoba.
– Não trataram Blas em uma clínica, negaram-lhe isso. Eu também luto por isso, tem aí uma brecha legal importante, busco que as coisas melhorem. (…) A parte difícil já terminou, com os culpados presos. Agora estamos na segunda parte, que é a parte política – afirmou Soledad ao “ge” em setembro de 2023.
Agora, além da luta por justiça por Blas, a família do garoto, em especial a mãe Soledad, busca e faz campanha por uma nova lei que aumente a pena para crimes cometidos por integrantes das forças de segurança. A “Lei Blas”, como vem sendo chamada, estabeleceria também uma pena específica para oficiais do estado que “plantem” armas ou outros elementos para alterar a cena de uma investigação. No caso de Blas, por exemplo, a inspetora Wanda Esquivel, responsável por “plantar” a arma no carro do garoto, foi condenada a três anos e dez meses de prisão.
Identificação com o Vasco e as lutas fora de campo
Se no Belgrano Vegetti entrou na campanha por justiça pelo jovem Blas, no Brasil o atacante argentino encontrou um clube que tem na sua trajetória um histórico de defesa por causas sociais, que tiveram impacto direto na construção do clube e de sua torcida. Agora no Vasco, Vegetti diz ter orgulho em vestir uma camisa que carrega na sua história batalhas vencidas dentro e fora de campo.
Além disso, Vegetti também exaltou a torcida do Vasco por apoiar as causas do clube, seja fora de campo ou no momento de apoiar o time em períodos difíceis, como aconteceu no último ano, durante a luta contra o rebaixamento no Campeonato Brasileiro.
– Quando você chega em um clube vai, aos poucos, conhecendo suas raízes. Me orgulha muito defender o Vasco pela sua história de conquistas dentro e fora de campo. Um clube inclusivo, que sempre defendeu o que é certo. E a torcida e sua paixão são a prova disso. É o maior patrimônio do clube. O Vasco é gigante porque sua gente nunca se acovardou. Seja na luta contra preconceitos, no momento que construiu seu próprio estádio, ou mesmo ao abraçar o elenco nessa caminhada pela permanência na Série A. Isso me impactou muito. E me motivou ainda mais – disse Vegetti à Trivela.
Fonte: Trivela