A tensa relação entre Vasco e Paulo Bracks chegou ao fim na manhã de quinta-feira. Escolhido pela 777 Partners em julho do ano passado, o executivo se tornou a cara do futebol vascaíno durante o primeiro ano e meio de gestão da SAF.
Bracks teve em mãos o maior orçamento da história do Vasco, mas, entre acertos e falhas, não resistiu aos resultados negativos no ano. O clube esperava atravessar 2023 sem sustos, mas enfrentou dificuldades do início ao fim do Brasileirão. Nem mesmo a permanência na Série A foi capaz de mantê-lo no cargo.
Desgastado, o executivo foi demitido horas após a vitória sobre o Bragantino. Veja como foi a passagem do executivo pela Colina.
Primeiros passos
Paulo Bracks foi contratado em julho de 2022, dois meses antes da 777 assumir efetivamente o controle do futebol. Inicialmente, ele foi encarregado de apresentar uma análise do elenco vascaíno e, em agosto, começou a conviver no dia a dia no CT. Em setembro, com a caneta na mão após a assinatura do contrato com a 777, assumiu oficialmente como diretor esportivo da SAF e homem forte do futebol.
A primeira missão foi conquistar a promoção à Série A. De certa forma limitado após o fechamento da janela, Bracks trabalhou com o elenco disponível. No início, manteve o técnico Maurício Souza, depois tentou efetivar Emílio Faro até o final da Série B, mas terminou o ano com Jorginho no comando. Apesar das dificuldades, o Vasco subiu na última rodada, em jogo dramático contra o Ituano.
Investimento e frustração em campo
Com a promoção garantida, Bracks foi ao mercado e promoveu uma grande reformulação no elenco do Vasco. No total, 23 jogadores deixaram o clube antes do Brasileirão de 2023. O dirigente investiu cerca de R$ 100 milhões na contratação de 16 reforços na primeira janela.
- Goleiros: Ivan e Léo Jardim
- Zagueiros: Léo, Robson e Capasso
- Laterais: Lucas Piton, Pumita Rodríguez e Paulo Henrique
- Meias: De Lucca, Mateus Carvalho, Andrey, Jair, Carabajal
- Atacantes: Orellano, Pedro Raul e Rwan Cruz
Individualmente, houve apostas que deram certo, como Léo Jardim e Piton, mas muitos jogadores fracassaram, e o elenco não se tornou competitivo. O executivo segurou Maurício Barbieri enquanto pôde, mas o treinador não resistiu à pressão após o pior início de Brasileirão da história do Vasco.
Um fato que contribuiu para a demissão de Bracks foi a demora na substituição de Barbieri. Em seu pior momento no ano, quando o Vasco chegou a perder 10 de 11 jogos no Brasileirão, o clube ficou três semanas sem treinador. Bracks chegou a manifestar hesitação em relação a uma escolha unânime e acumulou recusas no mercado. Descartado no início das buscas, Ramón Díaz acabou assumindo.
Mudança de estratégia
Apesar das críticas pelos altos investimentos que não resultaram em sucesso, como Orellano e Capasso, Bracks foi o responsável por trazer na segunda janela peças fundamentais para a permanência na Série A. Maicon, Medel, Paulinho e Vegetti, entre outros, chegaram no segundo semestre e mudaram a cara do time.
A dificuldade em contratar um camisa 10, talvez a principal crítica ao trabalho de Bracks no primeiro semestre, foi amenizada com a contratação de Payet. O francês chegou em agosto, após o fechamento da janela de transferências. Embora seu desempenho em campo nos primeiros meses tenha sido abaixo do esperado, a contratação de peso foi aprovada de forma praticamente unânime entre os torcedores.
Na segunda janela, sem o mesmo orçamento, o departamento de futebol precisou solicitar adiantamento de parte do aporte da 777, previsto para setembro. O Vasco contratou nove jogadores e investiu mais de R$ 12 milhões em contratações.
- Zagueiros: Maicon e Medel
- Lateral-esquerdo: Jefferson
- Meias: Paulinho, Praxedes e Payet
- Atacantes: Serginho, Sebastián e Vegetti
Vendas lucrativas
Além de marcar o ano com o maior investimento da história do futebol do Vasco, com mais de R$ 115 milhões destinados a reforços, 2023 também foi marcado pelo faturamento com vendas de atletas. O clube vendeu o trio Andrey, Eguinaldo e Pedro Raul por R$ 114,1 milhões.
Algumas negociações internas receberam elogios. Pedro Raul, por exemplo, saiu em baixa, mas a SAF obteve mais de 100% de lucro com sua venda por US$ 5 milhões (cerca de R$ 26,9 milhões) para o Toluca, do México.
- Andrey Santos – 12,5 milhões de euros (R$ 68,4 milhões) *
- Pedro Raul – 5 milhões de dólares (R$ 26,9 milhões)
- Eguinaldo – 3,6 milhões de euros (R$ 18,8 milhões) *
- TOTAL = R$ 114,1 milhões
O Vasco não detinha 100% dos direitos e teve de repassar 30% da venda
Relações tensionadas
Não foi um ano fácil para Bracks à frente do Vasco. Além da enorme pressão da torcida, o dirigente conviveu com conflitos internos. Apesar de ter aliados no futebol, sua relação com a gestão da SAF foi delicada. Embora nunca tenha falado abertamente sobre o assunto, Bracks enfrentou problemas com Luiz Mello, CEO desligado no fim de julho, após pressão do clube associativo.
Nos bastidores, houve queixas sobre a inflexibilidade de Mello, que teria dificultado a vida de Paulo Bracks em relação a questões orçamentárias e negociações com atletas. Por outro lado, houve críticas veladas ao trabalho de Bracks, que teve um orçamento de mais de R$ 300 milhões para o futebol em 2023.
Ambas as tensões entre o futebol e a SAF foram amenizadas com a mudança de comando na gestão. Com estilo conciliador, Lúcio Barbosa acertou os ponteiros com a diretoria do clube associativo e com Paulo Bracks.
– Enfrentei vários obstáculos, mas não vou mencioná-los por ética e profissionalismo. Sou cumpridor de regras e ordens, sou disciplinado. É normal enfrentar esses obstáculos no início de uma nova gestão. Tive, sim, como qualquer um teria, mas não vou expor – disse Bracks, sem citar nomes, após o jogo contra o Bragantino, em sua última entrevista como dirigente do Vasco.
– Faz parte do meu trabalho. Gostaria de ter vindo mais vezes e em outros momentos. Mas nos piores momentos do ano abri o microfone sem limite de tempo. Existem regras da empresa e cumprimos. As dificuldades que aconteceram no início deste ano não vão acontecer no início do próximo. Terminamos o ano bem melhor do que começamos – completou o dirigente.
Bracks acreditava que a permanência na Série A e a boa relação com Lúcio Barbosa e executivos da 777 seriam suficientes para mantê-lo em 2024. Em entrevista após o jogo contra o Bragantino, o dirigente comentou o planejamento para a próxima temporada.
Ele tinha viagem marcada para a Europa nesta sexta-feira, quando se reuniria, nos próximos dias, com dirigentes do grupo da 777, em Berlim, para traçar planos para a próxima temporada. Não deu tempo, e Bracks foi desligado horas após a vitória sobre o Bragantino.
Promessas e controvérsias
A passagem de Bracks pelo Vasco foi marcada por entrevistas controversas e promessas não cumpridas pelo diretor. Isso o colocou em situações desfavoráveis com a torcida. Relembre algumas:
6 de dezembro de 2022: “Em abril, nós queremos ter um elenco 80%, 90% pronto e entregue ao treinador, que já vai ter três meses de trabalho dentro da filosofia que a gente quer implementar”.
O grupo começou o Brasileirão com muitas brechas. Brigando na zona de rebaixamento, o clube continuou apostando na base e em jogadores com pouca experiência na Série A.
10 de abril de 2023: “Nosso time titular, que tem atletas na faixa de idade de 25 a 29 anos e um acima de 30, que é o Alex, consegue sustentar bem a Série A. Temos no banco de reservas atletas de grande potencial, que precisam ser trabalhados. Jogadores experientes precisam de um certo critério para vir dentro desse novo projeto”.
Dos 16 reforços contratados na primeira janela de transferências, sete começaram o campeonato como titulares, sendo seis de setores do meio para trás. Apenas Pedro Raul atuava na frente.
30 de maio de 2023: “É um momento ruim de resultados, de tabela, mas estamos todos prontos para superar esse momento. O trabalho está sendo incansável para que a gente passe essa fase. E vamos passar. Tenho total confiança no trabalho do Barbieri”.
O Vasco não superou. Com seis pontos de 33 possíveis em 11 rodadas disputadas, Maurício Barbieri foi demitido em 22 de junho, após derrota para o Goiás. Depois de três rodadas com um treinador interino, Ramón Díaz foi anunciado em 15 de julho. A demora na troca do treinador foi um dos pontos que a 777 levou em conta para demitir Paulo Bracks na última quinta.
Na madrugada desta quinta, horas antes da demissão, Bracks se defendeu:
– Ninguém prometeu título, nem vaga em competição sul-americana. Há muito acerto, há muito erro, alguns foram corrigidos, mas temos que ser gratos de poder fazer diferente. Aqui tem um caderno novo para fazermos um ano diferente ano que vem. Sabíamos que seria difícil. Foi acima, mas também foi acima a nossa recuperação. Poucos clubes conseguiram uma recuperação tão forte e impactante, mas é do tamanho desse clube.
Com razão ou não, Bracks já não tinha o apoio da torcida, e a SAF avaliou, após uma temporada conturbada, que não valeria iniciar um novo ano com a bagagem de desgate que o dirigente traria para 2024. Neste momento, Alexandre Mattos, do Athletico-PR, é o mais cotado para assumir o cargo.
Fonte: ge