Por quatro vezes o Campeonato Carioca, o Rio-São Paulo e o Brasileirão foram conquistados pelo Vasco nos anos 90, época em que a equipe dominava o futebol brasileiro. Contudo, nada supera a importância da conquista da CONMEBOL Libertadores. Em 1998, ano do centenário do Cruzmaltino, eles ergueram o troféu mais cobiçado do continente.
O título, que completa 25 anos neste sábado (26), permanece vivo nas memórias tanto dos torcedores quanto dos protagonistas daquela campanha.
“Foi realmente especial. Foi uma celebração que sempre iremos recordar. Teria sido ainda melhor se tivéssemos vencido o título aqui em São Januário, mas o importante é que conquistamos o título e comemoramos bastante. Foram dias maravilhosos. É um momento inesquecível. É impossível esquecer quando se ganha um título como esse e esperamos que em breve o Vasco possa voltar a vencer. Essas conquistas são muito importantes para o clube e ficamos muito felizes em fazer parte dessa maravilhosa história”, disse Mauro Galvão, em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br.
O ex-jogador, que ergueu a taça, lembra com carinho de cada etapa da conquista. Segundo ele, foi fundamental para o time agir de maneira estratégica tanto nos anos anteriores como no início de 1998, logo após perderem a dupla de atacantes formada por Evair e Edmundo, grandes responsáveis pelo título do Campeonato Brasileiro de 1997.
“Todos tiveram participação, o treinador, a diretoria, e nós construímos uma equipe muito forte. Primeiro, conquistamos o Brasileirão de 1997 e depois, mantendo a base, conseguimos alcançar isso. O Vasco tinha um bom time, que já tinha sido vice-campeão carioca, com bons jogadores, mas faltava experiência. Era importante para o Vasco subir de nível. Precisávamos de jogadores acostumados a disputar títulos, jogadores experientes. Em determinados momentos, todo time passa por altos e baixos, mas você consegue administrar a situação. Chegamos eu, o Evair, o Odvan, que não era tão experiente, mas queria muito, tinha motivação. Depois, em 98, chegaram o Donizete, o Luizão e o Vágner, que também foram muito importantes. Era difícil encontrar jogadores com o mesmo nível de Evair e Edmundo, que já tinham entrosamento desde o Palmeiras. Eles se entendiam até com um olhar. Quando eles saíram, ficamos preocupados, não é fácil substituir esses jogadores. Mas o Luizão e o Donizete, com suas características, foram de grande ajuda. Eles trouxeram uma nova forma de jogar, com mais intensidade, pressionando mais a defesa adversária. Isso foi uma das armas que tivemos”, acrescentou.
O Delegado
Outro responsável por essa revolução no Vasco foi o técnico Antônio Lopes, um dos treinadores mais vitoriosos da história do clube. O Delegado, como ficou conhecido, era delegado de polícia antes de retornar a São Januário em 1996 para sua quarta passagem como treinador da equipe principal.
Sua trajetória no clube começou em 1974, quando trabalhava como comissário de polícia. Após receber a visita de Hélio Vigio, preparador físico do Vasco na época, que pediu ajuda para resolver um problema envolvendo o carro do goleiro Andrada, as portas se abriram para Lopes.
“Eu estava trabalhando como comissário de polícia naquela época. Vigio, que era meu colega, também trabalhava no Vasco como preparador físico. Ele veio me procurar no Detran, que era da Secretaria de Segurança, porque o carro do Andrada tinha sido apreendido. Ele chegou lá e me disse: ‘Lopes, você pode resolver isso? Apreenderam o carro do Andrada’. Eu respondi: ‘Vá ao banco, pague a multa e, depois disso, volte aqui que vou providenciar a liberação do carro’. Ele foi ao banco com o Andrada, pagaram a multa, voltaram e eu mandei liberar o carro. Então, Vigio me perguntou: ‘Eu sei que você tem um diploma em Educação Física, você não quer trabalhar no Vasco? Meu assistente saiu, eu fiquei sem auxiliar’. Ele me levou para o clube em 1974 como assistente de preparação física e também assistente de Mário Travaglini, o técnico. Fomos campeões brasileiros em 1974 e ali se iniciou a minha carreira”, relembrou Lopes.
Somente no início dos anos 80, Lopes foi efetivado como técnico da equipe principal do Vasco. Após algumas passagens, inclusive sendo campeão, ele retornou em 1996, conquistando então a América dois anos depois.
“Cheguei ao Vasco da Gama no final de 1996, após trabalhar no Paraguai. O Vasco não estava em uma situação boa, havia risco de rebaixamento. Conseguimos superar o ano de 1996 com muito esforço e começamos a formar a equipe em 1997. Comecei a escolher os jovens talentos da base para montar o time, como Pedrinho, Felipe e Maricá. Além disso, tínhamos jogadores mais experientes que não estavam em seu melhor momento. Mauro Galvão, por exemplo, não estava bem no Grêmio, então foi fácil trazê-lo para o Vasco. Evair, que estava no Atlético-MG, também veio. Começamos a trazer jogadores de times menores do Rio de Janeiro, como Naza, que veio do Madureira, e Odvan, que veio do Americano. No ano de 1997, já conseguimos vencer o Campeonato Brasileiro, com Edmundo se destacando. Ele foi o protagonista da conquista do Brasileirão de 1997, com 29 gols. Em 1998, Edmundo e Evair saíram e conseguimos contratar uma dupla de ataque muito boa, Donizete e Luizão, que foram fundamentais para a conquista da Libertadores de 1998”, contou Lopes.
Superando um início preocupante na Libertadores
Apesar do desfecho positivo, as coisas não começaram bem para o Vasco, que perdeu os dois primeiros jogos da Libertadores, contra o Grêmio e o Chivas Guadalajara, do México. Foi então que a equipe se reorganizou, resolvendo problemas internos.
“Começamos com dificuldades, perdemos as duas primeiras partidas, o que foi preocupante. Tivemos a oportunidade de realizar reuniões para corrigir os erros da equipe. Lopes foi muito habilidoso nesse aspecto. Ele soube lidar com as questões que estávamos enfrentando, e nós também ouvíamos o que ele tinha a dizer. Muitos times falham por falta de entendimento mútuo. Nós esclarecemos tudo. Quando retornamos do México, houve um mal-estar entre Donizete e Lopes que precisava ser resolvido, conversamos e Lopes apresentou uma nova tática para nós. Foi a partir desse momento que Donizete e Luizão começaram a brilhar. Eles lideravam a marcação e nós os acompanhávamos. O segredo do sucesso da conquista foi nossa calma, diálogo e a união em busca de um objetivo comum”, explicou.
A partir desse momento, a equipe foi transformada. Nos quatro jogos restantes da fase de grupos, o Vasco venceu três e empatou um, somando dez pontos e garantindo a classificação para o mata-mata. Nas oitavas de final, eliminou o Cruzeiro, campeão em 1997, com uma vitória por 2 a 1 em casa e um empate por 0 a 0 fora. Nas quartas de final, enfrentou o Grêmio, campeão em 1995, e avançou com um empate fora e uma vitória em São Januário.
‘Gol de Juninho, no Monumental’
Na semifinal, mais um gigante do continente: o River Plate, campeão em 1996. Novamente, vitória em casa e empate fora, em um jogo que ficou marcado por toda sua dificuldade, terminado com um golaço de falta de Juninho Pernambucano. O gol ganhou até uma música especial, que ainda é cantada nos jogos do clube até hoje.
Para Mauro Galvão, aquele jogo ainda parece fresco na memória. Ele até revelou que o gol do Juninho quase não aconteceu devido a uma lesão do jogador: “Os times brasileiros sempre enfrentam uma grande pressão na Argentina, mas essa é uma característica que também deveríamos impor quando eles vêm aqui. Devemos também impor pressão. O que aconteceu naquele jogo foi algo importante. Um ano antes já havíamos tido um vislumbre do que enfrentaríamos. Perdemos por 4 a 1 para o River pela Copa Mercosul. Foi a partir desse jogo que aprendemos que jogar fora de casa não é a mesma coisa que jogar em casa. Ou seja, não podemos ir lá jogar contra o River, atacando abertamente, indo para cima deles. Isso seria um presente para eles. Em 1998, estávamos prontos, a equipe estava em outro nível. Sabíamos que, se jogássemos mal, se não entrássemos com a vontade e mentalidade corretas, teríamos problemas. A equipe deles era muito boa, com uma torcida apaixonada, enfim, um ambiente complicado. Mas estávamos preparados. Sofremos o primeiro gol logo no início, acho que foi de Sorín de cabeça. A partir daí, decidimos recuar e jogar no contra-ataque ou esperar uma falta, já que nossa bola parada era muito forte. Tínhamos jogadores que chutavam em gol e outros que cruzavam para a área. No segundo tempo, não conseguimos mais jogar, só sofrendo pressão do River. Foi então que Lopes colocou Vágner e Juninho Pernambucano, que estava no banco por ter se recuperado recentemente de uma cirurgia na virilha. Vágner sofreu a falta, Juninho pegou a bola e chutou. E conseguimos empatar o jogo. Naquele momento, era a única forma de tentar empatar”, relembrou Galvão.
O herói, aliás, só estava em campo graças à decisão de Antônio Lopes de utilizá-lo: “Quando cheguei ao Vasco, Juninho veio do Sport. Inicialmente, ele viria para as categorias de base, mas decidimos começar a utilizá-lo no time principal. Ele era um jogador excepcional, correto, sério, nunca faltava aos treinos, nunca se atrasava. E tinha um talento excepcional, usando sua inteligência para se destacar em campo. Ninguém acreditava que ele faria um gol de falta como o que marcou, mas foi um gol que contribuiu muito para a conquista. Quando vencemos o River, percebi que tínhamos condições de ser campeões”, acrescentou Lopes.
A glória eterna se tornou realidade
Embora houvesse confiança para a final contra o Barcelona-EQU, um time bem menos tradicional do que os adversários já eliminados, a equipe do Vasco estava determinada a evitar qualquer sentimento de “já ganhou”.
“O perigo era cair na armadilha de achar que estava tudo certo porque vencemos o River. Não havíamos ganhado coisa alguma, havíamos apenas passado para a próxima fase, e nosso objetivo era ganhar o título. Não era apenas vencer o River. Queríamos ganhar a Libertadores. Esse era o nosso objetivo. Era um título inédito, ainda mais no ano do nosso centenário. Não tínhamos visto muito do Barcelona jogar, mas sabíamos que eles tinham méritos para chegar até ali. Eles não chegaram lá por acaso”, explicou Mauro Galvão.
E a preparação psicológica deu certo. O Vasco venceu o primeiro jogo por 2 a 0, com gols magistrais de Donizete e Luizão. Em seguida, viajou para o Equador com uma vantagem confortável para confirmar a conquista do primeiro título da Libertadores: “Quando chegamos em Guayaquil, percebemos um ambiente hostil. Eles tentaram nos intimidar, até mesmo algumas pessoas foram ao aeroporto com o rosto pintado. No entanto, tínhamos vencido o primeiro jogo por 2 a 0. Talvez esse seja um dos melhores placares em uma fase eliminatória. Era um bom resultado, porém não era exagerado. Ainda tínhamos que ficar atentos. No início, foi complicado, eles pressionaram bastante, mas conseguimos fazer dois gols no primeiro tempo. Isso acalmou a situação”, relatou.
Tudo correu bem e o Vasco conquistou o título mais importante de sua história, algo que jamais será esquecido por todos os participantes da campanha, a ponto de Antônio Lopes, que fazia parte da comissão técnica da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002, colocar a Libertadores no mesmo patamar que o penta.
“É um dos títulos mais especiais para mim, pois tive o prazer de ser campeão mundial com a seleção brasileira. Então, considero esses dois títulos igualmente importantes. Vencer a Libertadores foi realmente valioso. A conquista também abrilhantou meu currículo. Sou campeão da Libertadores pelo Vasco da Gama e também sou campeão mundial pela seleção brasileira”, afirmou.
Segundo o capitão da equipe naquela gloriosa conquista, o objetivo do Vasco e de sua diretoria era conquistar o título inédito no continente. Para isso, houve um investimento significativo na formação do time, o que era comum para o Cruzmaltino no final dos anos 90.
“Ninguém falava abertamente, mas as contratações foram feitas com o objetivo de vencer a Libertadores. Outras equipes também tinham esse objetivo, nem sempre dá certo, mas o projeto era tentar alcançar essa conquista inédita. Houve um planejamento. O Vasco investiu muito em contratações, hotéis, transporte, voos fretados, algo que hoje em dia é comum, mas já fazíamos naquela época. Não foi algo aleatório. Houve um planejamento. Calçada e Eurico foram muito bem-sucedidos nisso”, concluiu.
Mauro Galvão também falou sobre sua parceria com o zagueiro Odvan, que até hoje é considerada uma das melhores duplas de zaga na história do Vasco.
“É muito engraçado. Quando cheguei ao Vasco, meu parceiro era Alex Pinho. Comecei a jogar do outro lado, pois ele era canhoto. Lembro-me que Eurico me disse que estava trazendo um zagueiro do Americano. Eu concordei. Odvan chegou e se impôs rapidamente. Sempre aprendi que um jogador não deve inventar. Se você tem um estilo de jogo, jogue daquela forma, faça o melhor que puder, não tente mudar, não tente fazer coisas que não sabe. Faça o simples, pois é o melhor a ser feito. Zagueiros não podem errar. Portanto, acho que ele teve esse mérito e nos demos muito bem. Eu tinha minha forma de jogar, com mais experiência, posicionamento e saída de bola, enquanto ele era forte na marcação, com imposição física. Até hoje somos bons amigos, fazemos eventos juntos e essa amizade será eterna”, disse.
Luizão, o artilheiro
Depois de passar por Paraná, Guarani, Palmeiras e Deportivo La Coruña, onde teve uma curta passagem de apenas 15 jogos, Luizão chegou ao Vasco em 1998. E entrou para a história. Em 13 partidas naquela edição da Libertadores, o atacante marcou sete gols e foi o artilheiro do clube carioca, inclusive balançando as redes nos dois jogos contra o Barcelona.
Antônio Lopes lembrou sua relação com o atacante. O treinador usou sua experiência de trabalho com jogadores do calibre e personalidade de Luizão, mencionando nomes como Romário, Edmundo e até mesmo Dener.
“Foi fácil lidar com Luizão. Muitos achavam que ele era briguento. Já trabalhei com outros jogadores desse tipo, como Romário, Edmundo e Dener, na Portuguesa. Sempre soube lidar com esse tipo de jogador. Luizão era sensacional, gostava de sair à noite. Às vezes, quando chegávamos para os treinos de manhã, ele era muito autêntico e nos contava que tinha saído à noite e que não estava bem. Então eu o mandava para o departamento médico, para descansar um pouco na maca. Se estivesse em condições, retornava para os treinos. Era muito tranquilo e sincero. Eu sempre tive controle sobre o grupo”, revelou o treinador.
Fonte: Espn