Com o passar do tempo, mesmo com o fundo investindo na vinda de estrelas como o francês Payet e o argentino Vegetti, o Gigante da Colina não rendeu o futebol esperado e quase enfrentou o rebaixamento para a Série B do Brasileirão 2023, se salvando na última rodada.
A conexão da proprietária da SAF com o clube começou a desmoronar, especialmente após o surgimento das primeiras notícias ruins sobre o fundo, que vieram, inicialmente, do exterior, mas impactaram diretamente o andamento do negócio por aqui.
Desde que essa, podemos dizer, “maré de azar” começou, a 777 Partners escolheu não agir e ficar calada. Mais do que acuada, a empresa parecia estar nocauteada.
A situação era complicada para o fundo, já que enfrentava diversas denúncias e processos em vários mercados onde atua, dos Estados Unidos à Austrália, passando por Bélgica e Itália, até chegar ao Brasil, onde foi afastada do controle da SAF do Vasco graças a uma decisão da 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a favor do clube.
Recentemente, porém, a 777 Partners começou a se mover. De acordo com informações levantadas pela Máquina do Esporte, a empresa está buscando formas de recuperar seu investimento no Brasil.
Esses movimentos estão ocorrendo principalmente na esfera judicial. A principal expectativa do fundo se concentra no agravo interno que discute a decisão que manteve a liminar que a afastou do controle da SAF.
A 777 também está aguardando a designação do presidente da corte arbitral mediada pela FGV, que tentará mediar essa disputa com o clube.
No momento, fontes ligadas à 777 evitam revelar quais são os planos da empresa caso a decisão seja favorável. No entanto, é difícil crer que haveria ambiente para a empresa permanecer no clube. De qualquer forma, ela poderia recuperar parte do investimento em uma possível venda da SAF para outro controlador.
“O objetivo da 777 é reaver seus direitos”, confirmou uma dessas fontes, que prefere permanecer anônima.
Críticas ao processo judicial
Conforme apurou a Máquina do Esporte, a 777 Partners acredita que foi vítima de um desvio judicial, já que cláusulas do contrato com o Vasco não teriam sido respeitadas na sentença que a afastou da SAF.
No que diz respeito à acusação de que a empresa atrasou o pagamento da segunda parcela da aquisição, a defesa é de que não houve inadimplência, pois o contrato inclui um “período de cura” de 30 dias, durante o qual o pagamento pode ser realizado sem comprometer o andamento do negócio.
A liminar que afastou a 777 Partners do controle da SAF, em maio, foi solicitada antes do vencimento da terceira parcela em setembro. O Vasco fundamentou seu pedido na situação envolvendo a Leadenhall, que a processou nos EUA, acusando a 777 de tomar um empréstimo de US$ 350 milhões (aproximadamente R$ 2,16 bilhões), usando como garantia fundos que não pertenciam à empresa ou que nem existiam.
Basicamente, o pedido de liminar se baseava no receio de que a 777 não honrasse a terceira e maior parcela da compra da SAF. O processo é mantido em segredo de Justiça, mas a Máquina do Esporte apurou que esse valor gira em torno de R$ 370 milhões.
As fontes consultadas não confirmaram se a empresa realmente tinha essa quantia disponível, embora afirmasse que tinha a intenção de pagar a parcela.
A reportagem revelou que o contrato de compra previa alternativas à judicialização, caso a 777 não pagasse a quantia. Se a inadimplência se comprovasse, a empresa veria sua participação na SAF reduzida.
Segundo as fontes, a suspensão da participação da empresa gerou um impasse, já que, mesmo pagando a terceira parcela, se a Justiça mantivesse a decisão, a 777 não conseguiria recuperar o investimento. “É uma situação kafkiana”, disse uma das fontes consultadas.
Questão política
Para as fontes ligadas à 777 ouvidas pela Máquina do Esporte, a disputa judicial envolve questões políticas. Segundo elas, a chapa liderada pelo ex-jogador Pedrinho, que venceu a última eleição do clube no fim de 2023, pretendia desmantelar o acordo com o fundo.
A presença de figuras influentes do direito no grupo eleito parece ter contribuído para a ação judicial da diretoria do Vasco.
No entanto, as fontes reconheceram que a situação atual também resulta de erros estratégicos cometidos pela própria 777 Partners. “Enquanto o John Textor, por exemplo, cuida do Botafogo como se fosse sua própria casa, trazendo resultados, a 777 se afastou do Brasil, criando um vácuo de poder”, explicou uma delas.
Atualmente, a empresa enfrenta um período de incertezas, agravadas por notícias do exterior. Na semana passada, a 777 perdeu a gestão do Genoa, na Itália, após decisão da Assembleia Geral de Ações do clube.
A reunião também aprovou um aumento de capital de 40 milhões de euros (cerca de R$ 247,46 milhões) para o Genoa, aporte que será feito pela A-CAP, sua maior credora e que se afirma ser a atual controladora da 777 Partners.
A atmosfera de dúvidas não impacta apenas a empresa. Diante desse conflito judicial, o futuro do futebol profissional do Vasco também é incerto. Nos últimos meses, várias notícias sobre possíveis compradores da SAF do clube começaram a circular.
No início deste mês, o magnata grego Evangelos Marinakis afirmou, em entrevista à Sky Sports, que está negociando a compra do Vasco. Anteriormente, havia indícios de que o BTG Pactual estava interessado em adquirir o controle da SAF.
“Hoje, o que existe é uma montanha de especulações. Várias empresas da Faria Lima estão de olho no negócio, mas a insegurança jurídica é enorme, pois ninguém sabe quem é realmente o dono da SAF. No fim das contas, estão quase destruindo um ativo espetacular como o Vasco, que tem uma história incrível e uma torcida imensa”, comentou uma das fontes ouvidas pela reportagem.
O que diz o Vasco
Em entrevista à Máquina do Esporte, o vice-presidente jurídico do Vasco, Felipe Carregal, negou que a atual diretoria tenha planejado a implosão do contrato com a 777 Partners.
“Essa história é uma mentira. Não somos videntes. Entramos como sócios minoritários para fiscalizar o acionista majoritário. O presidente Pedrinho sempre disse que honraria esse compromisso”, afirmou o dirigente.
Ele admitiu que, ao assumir, a nova diretoria já tinha conhecimento das notícias do exterior apontando que a 777 estava em uma situação financeira delicada.
De acordo com ele, a preocupação dos dirigentes vascaínos aumentou após uma reportagem publicada pelo site norueguês Josimar Football, que fez sérias acusações contra a empresa.
Carregal contou que a diretoria marcou uma reunião virtual com Josh Wander, um dos sócios-fundadores da 777 Partners. “Ele confirmou presença, mas não apareceu. Marcação um segundo encontro, e novamente ele não foi, mas mandou um representante brasileiro”, afirmou Carregal.
Só na terceira reunião, que aconteceu presencialmente em março deste ano, no Rio Sul Center, Wander apareceu. Durante essa reunião, além de questionar o executivo sobre as notícias desfavoráveis envolvendo a 777, Carregal pediu garantias financeiras de que a empresa teria recursos para cumprir o aporte de R$ 370 milhões, referente à terceira parcela da aquisição da SAF.
“Se a intenção fosse expulsar a 777 do negócio, não faria sentido pedir garantias de que ela tinha condições de continuar”, argumentou Carregal.
Wander respondeu que tudo estava tranquilo na empresa e que as notícias ruins que circulavam no exterior eram fruto de “inveja” de concorrentes, devido a sua tentativa de comprar o Everton, da Inglaterra.
No entanto, ao final, o executivo não apresentou nenhuma garantia. “O contrato não exigia que ele mostrasse, o que considero uma falha na forma como esse acordo foi fechado”, disse Carregal.
Naquela época, a diretoria constatou que a 777 Partners havia descumprido algumas cláusulas contratuais, como a reforma do Centro de Treinamento, que deveria ter sido entregue no meio do ano, mas que nem sequer havia começado.
Dívidas milionárias
Sobre o segundo aporte realizado pela empresa, Carregal afirmou que, assim que o dinheiro entrou nos cofres da SAF, acabou sendo emprestado a outra empresa do grupo 777, que até hoje não devolveu a quantia.
“No total, a 777 destinou R$ 310 milhões ao Vasco, mas isso gerou uma dívida de R$ 350 milhões”, afirmou o dirigente.
Ele explicou que a decisão judicial tomada pela diretoria, após surgirem as acusações de fraude da Leadenhall nos Estados Unidos, buscou evitar um “desastre maior” para o clube.
“Se eu esperasse a 777 não fazer o aporte, teria assumido o clube em outubro, mas completamente quebrado e sem margem para mudar de rumo e terminar o ano de forma digna, como conseguimos”, argumentou.
Atualmente, a 777 Partners, que tem seus ativos sob controle da A-CAP, sua maior credora, detém 31% do capital da SAF do Vasco.
Por ser parte alheia ao contrato, a A-CAP não pode realizar aportes na sociedade. O clube associativo é dono de 30% das ações e, no momento, exerce os direitos sobre os outros 39%, conforme a decisão judicial.
Ainda com a disputa judicial em andamento, se o Vasco conseguir encontrar um investidor interessado em assumir a SAF, nada impede que o clube proponha um acordo aos antigos sócios e busque a aprovação para que o negócio se viabilize.
Francês Payet foi um dos medalhões trazidos pela 777 para o Vasco – Dikran Sahagian / Vasco da Gama
Fonte: Máquina do Esporte
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